sábado, 21 de novembro de 2015

Iyad El-Baghdadi: "Os muçulmanos não devem se desculpar pelo Estado Islâmico”

Teresa Perosa - Epoca

O ativista Iyad El Baghdadi afirma que o grupo terrorista não representa o islamismo e mata mais gente de seu povo


 Iyad El-Baghdadi  (Foto: Julia Reinhart/Demotix/Corbis)
O ativista Iyad el-Baghdadi logrou o feito de ser persona non grataem diferentes polos do mundo árabe - é mal visto tanto pelas ditaduras seculares, apoiadas por países do Ocidente, como por grupos terroristas radicais, como o Estado Islâmico e a Al Qaeda. “Os dois não acreditam que os direitos humanos são invioláveis e inerentes, mas sim concedidos pelo Estado, que pode suspendê-los quando quiser”, escreveu em artigo publicado na revista americanaForeign Policy, no qual pede que o Ocidente não recaia na prática usual de apoiar ditadores sob a justificativa de que combatem os radicais. Conhecido desde que transmitiu por redes sociais o que se passava nas ruas do Cairo na revolução que derrubaria o ditador Hosni Mubarak, em 2011, El Baghdadi pesquisa o poder de persuasão da ideologia radical islâmica, o principal motor do crescimento do Estado Islâmico. De família palestina, Baghdadi nasceu e foi criado nos Emirados Árabes Unidos, o que não lhe assegurou direito algum: foi deportado do próprio país no ano passado por conta do ativismo e das críticas feitas às ditaduras. Da Noruega, onde vive e trabalha em seu primeiro livro, The Arab Spring Manifesto (O Manifesto da Primavera Árabe), El Baghdadi falou a ÉPOCA sobre radicalismo e perspectivas de reforma do Islã.
ÉPOCA – O senhor afirma que a maioria dos islâmicos rejeita a ideologia e as práticas do Estado Islâmico. Mas por que os métodos e a ideologia do EI atraem tantos jovens de outros países, como Bélgica e França, por exemplo?
El-Baghdadi – Existem dois tipos de pessoas que se juntam ao Estado Islâmico. A maior parte dos combatentes do EI não é formada por estrangeiros - os estrangeiros são algumas centenas dentro do exército. A maior parte dos jihadistas é nativa, do Iraque, da Síria, etc. Eles têm suas próprias batalhas: o sectarismo, por estabilidade, dinheiro ou porque são brutalizados. Os governos militares esqueceram-se deles por muito tempo. Esse é o perfil de quem compõe o EI. Esses estrangeiros, oriundos de países ocidentais, se juntam ao EI por diferentes razões e com diferentes graus de radicalização. Eu vim do mundo árabe. A discussão sobre radicalismo lá é diferente, porque tem relação com ideologia. E assim que me mudei para Noruega, percebi que o radicalismo europeu é diferente do radicalismo árabe, por exemplo.

ÉPOCA – Qual a diferença?
El-Baghdadi – No contexto europeu, não é a religião que atrai essas pessoas. O que as atrai, na maioria dos casos, é o propósito de vida, heroísmo, pertencer a algo que não apenas a eles mesmos, identidade. Identidade é uma questão muito importante. Não é dizer que essas pessoas não tomaram decisões muito ruins na vida e que essas pessoas não são responsáveis pelas coisas que fizeram e fazem, mas o que estou dizendo é que existe uma dinâmica social por trás. Estamos falando de jovens entre 18 e 20 anos. Um deles (do grupo de terroristas  que atacou Paris) tinha 15 anos. Era uma criança. E temos que nos perguntar: de qual contexto essas pessoas vieram? De que tipo de sociedade vieram? Por que não se sentem como franceses, como ingleses, como belgas? Essa é uma questão que deve acompanhar a sociedade. Eu não tenho respostas para ela porque não sou francês ou belga. Mas a França, pelo menos, é o país europeu com o maior número de pessoas em vulnerabilidade social. Vamos usar como exemplo os irmãos envolvidos no atentado do Charlie Hebdo (Saïd e Chérif Kouachi). Olhe o passado deles: cresceram sem o pai, a mãe se matou quando eles eram pequenos, eles foram desprovidos de uma infância. A gente está falando de pessoas que estão perdidas e estão atrás de respostas, de algo que lhes dê estrutura. É como se (no momento em que aderem ao EI) tudo o que eles fizeram até agora fosse perdoado. Ao invés de ser vilões, serão heróis. Eles serão parte de alguma coisa, algo maior do que eles, um califado, e podem se tornar heróis. É claro que com mensagens religiosas, apocalípticas por trás. Mas uma minoria dessas pessoas é religiosa. E seu conhecimento sob religião na verdade é bem limitado.

ÉPOCA – O autor Reza Aslan afirma que o islã está passando por uma transformação bem diante de nossos olhos, por isso há tanta violência. O senhor concorda? O islã precisa de reformas?
El-Baghdadi – Eu concordo totalmente que o islã está passando por transformações. Eu diria que o EI nos forçou a olhar para nossas próprias tradições e para nossa forma de pensar. Eu acredito na reforma do islamismo. Mas ao mesmo tempo, eu acredito que a reforma do islamismo não será o suficiente para combater o Estado Islâmico, porque o Estado Islâmico não se importa com a reforma islâmica. Eles não se importam com nossas justificativas ou nossas filosofias, nossa arqueologia. Eles nos chamam de hipócritas, infiéis e apóstatas. Eles não ligam para nós. Eles não se importam com nada do que dizemos. Eu acompanho algumas de suas interações online. A maioria dos debates deles é com outros colegas jihadistas, com Al Qaeda, etc. Não acho que somente uma reforma no islamismo será o suficiente.  Às vezes, alguns membros do Estado Islâmico e da Al-Qaeda entram em contato conosco, interessados em saber o que pensamos. Alguns indivíduos, como viram o horror com os próprios olhos, membros isolados da Al Qaeda são um exemplo que é possível “recuperar seu equilíbrio” ou ao menos tentar escapar disso. Mas o Estado Islâmico não permite (a desistência de seus membros). Existem centenas de membros do EI que tentaram se desligar da organização e foram fuzilados.

ÉPOCA – Como você vê campanhas como a  #NotInMyName (Não em meu nome, em inglês), em que muçulmanos de várias partes do mundo prestam solidariedade às vítimas do ataque em Paris?
El-Baghdadi – De um lado, eu não acho que os muçulmanos devam se desculpar pelo Estado Islâmico. Porque é claro que isso não representa os muçulmanos - na verdade, o terrorismo mata mais muçulmanos que qualquer outro grupo demográfico; mata muçulmanos todos os dias e mata ocidentais de vez em quando. Mas é sempre positivo. Eu só tenho medo de que a gente caia nas soluções fáceis. Não basta ficar bem só na televisão ou nas redes sociais e se esquecer das reais soluções que precisam ser tomadas. Temos que falar sobre consertar Síria, Iraque, Líbia. Precisamos combater não só o terrorismo, mas os tiranos também. É fácil falar e usar slogans, mas isso me irrita porque o EI é uma ameaça muito séria. E nós não podemos permitir que isso continue a nos traumatizar.
ÉPOCA – As vozes islâmicas moderadas são silenciadas em contraposição aos defensores da ideologia islâmica radical, defendida pelo Estado Islâmico, Al Qaeda e Boko Haram. Como isso pode ser combatido?
El-Baghdadi – Não é que eles sejam silenciados, mas é que muitos deles são vozes oficiais. São vozes de governantes - do Egito, da Arábia Saudita, etc. Esses governantes, por si só, não são exatamente democráticos. Não são exatamente defensores dos direitos humanos. Eles, aliás, são quem mais ameaça esses direitos porque matam e torturam mais pessoas do que os próprios jihadis. Então o fato de serem menos ouvidos é porque não são confiáveis, críveis. Eles falam contra o terrorismo, mas, na verdade, se desculpam por serem tiranos. Então se você luta contra o terrorismo, você tem que lutar contra a tirania. E, se você quer combater a tirania, tem que combater o terrorismo. É assim que as pessoas começam a te ver como uma voz válida – e não alguém que se justifica por praticar o terrorismo ou a tirania. É assim que os jovens vão ouvir.