domingo, 2 de novembro de 2014

Cidade que foi símbolo da Alemanha socialista vive decadência

Leandro Colon - Folha de São Paulo


Numa pequena cidade alemã na fronteira com a Polônia, a avenida Karl Marx cruza com a Friedrich Engels e um monumento na praça homenageia os soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial.

É sexta-feira à tarde. O local que celebra os combatentes e as ruas que dão nome aos autores do Manifesto Comunista estão vazios.

Leandro Colon/Folhapress
Cruzamento entre as avenidas Karl Marx e Friedrich Engels em Eisenhüttenstadt
Cruzamento entre as avenidas Karl Marx e Friedrich Engels em Eisenhüttenstadt
Desde a queda do Muro de Berlim, que completa 25 anos no dia 9 de novembro, a cidade de Eisenhüttenstadt não é mais a mesma.

Além das ruas fantasmas, a arquitetura comunista dos prédios parece esquecida e melancólica.

"É muito triste, não tem mais vida", lamenta Doreen Voigfmann, 48, professora, nascida e criada em Eisenhüttenstadt, a 120 quilômetros de Berlim.

Ela enfatiza que não há saudade do governo comunista, mas da cidade que tinha "vida" e relevância.

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Doreen Voigfmann, 48, professora na primeira escola criada como "modelo" na Alemanha Oriental
Doreen Voigfmann, 48, professora na primeira escola criada como "modelo" na Alemanha Oriental
Em 1989, ano em que foi derrubado o muro que dividia Berlim e simbolizava o racha das duas Alemanhas, o número de moradores era de 53 mil, um recorde. Caiu quase pela metade de lá para cá. Hoje, é de 28,7 mil. A cidade perde, em média, 35 habitantes a cada mês, 400 por ano.

A média de idade é de 50 anos e um terço da população tem mais de 60. O número de mortes em 2013 cresceu 18% em relação a 2012.

A fachada do hotel Lunik (em homenagem ao primeiro satélite soviético lançado à Lua, em 1959) tenta resistir ao abandono do prédio no centro da cidade. Até os casamentos diminuíram: uma média de 98 por ano ante 142 há 15 anos. Os jovens foram e estão indo embora.

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O hotel Lunik em Eisenhüttenstadt, que está completamente abandonado
O hotel Lunik em Eisenhüttenstadt, que está completamente abandonado

Para entender a decadência e o abandono de Eisenhüttenstadt é preciso voltar ao fim da Segunda Guerra. Após a capitulação das tropas alemãs em 1945, o controle do país foi dividido entre União Soviética, Estados Unidos, França e Reino Unido. Na capital, Berlim, ficou uma parte para cada lado.

Em 1949, americanos, franceses e britânicos criaram a República Federal da Alemanha, mais conhecida como Alemanha Ocidental. Os soviéticos reagiram com a República Democrática Alemã, ou Alemanha Oriental.

E aí começa a história de Eisenhüttenstadt. Em 1950, a Alemanha Oriental decidiu construir na fronteira com a Polônia, às margens do rio Oder, o que chamou de a primeira cidade de modelo socialista em território alemão. A ideia era criar um pequeno símbolo do regime. Um orgulho do sistema.

Editoria de Arte/Folhapress
O primeiro nome foi "Stalinstadt", em homenagem ao líder soviético Josef Stalin. A inauguração ocorreu em maio de 1953, meses após a morte do ditador. Casas, escolas, hospital, praça, tudo foi construído em volta de uma indústria metalúrgica de aço e ferro do governo socialista. Eram, na época, 2.400 moradores, praticamente todos com alguma vinculação com a indústria local.

Os prédios foram construídos no estilo arquitetônico socialista chamado de "plattenbau", utilizando placas de concreto pré-fabricadas para montar blocos de apartamentos e lojas de quatro e cinco andares, em meio a uma grande avenida.

Em 1961, oito anos após a morte de Stalin e quando a União Soviética já condenava a memória do ditador, a cidade ganhou novo nome: Eisenhüttenstadt (em alemão, numa tradução livre, algo como "cidade da siderurgia"). Quatro anos depois, já tinha 38 mil habitantes.

NOSTALGIA E DECLÍNIO

Folha visitou a cidade em outubro. Até hoje sua arquitetura original é preservada, com um ar de nostalgia socialista, ainda mais para quem chega de Berlim, hoje símbolo capitalista. A memória comunista se vê no primeiro prédio construído para moradores (e outros também), na escola e no hospital. Um museu a céu aberto.

Mas é só. A queda do Muro de Berlim em 1989 selou o destino de Eisenhüttenstadt, que passou a não ser símbolo de nada para o governo alemão. Perdeu prestígio político, população e dinheiro.

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Em cima do muro de berlim
Em cima do muro de berlim

Em 1995, a indústria siderúrgica foi privatizada –hoje está nas mãos da gigante ArcelorMittal. O número de empregados caiu de 12 mil, em 1989, para atuais 2.400. A consequência foi óbvia: sem emprego e renda, a população começou a abandoná-la, sobretudo a mais jovem.

"Nos anos 90, as pessoas foram sumindo, principalmente as mais novas. Assisti à decadência", conta Eberhard Harz, 64, guia turístico.

O comércio é insignificante para alavancar a economia, com lojas na avenida principal e uma galeria na entrada da cidade. Nada mais.

O professor Klaus Schröder, da Universidade Livre de Berlim, explica que Eisenhüttenstadt simboliza o que enfrenta a região da fronteira da antiga Alemanha Oriental com a Polônia.

"Mesmo com benefícios e tentativa de estímulo do governo após o fim do muro, a ressaca é visível. A Alemanha Oriental era muito rural e menos metropolitana do que a Ocidental, e o processo de modernização é bem mais difícil", diz Schröder.
Nascida na cidade em dezembro de 1990, a jovem Monic Reinhardt diz que só não foi embora porque conseguiu um emprego que queria numa livraria. "Meus amigos já saíram faz tempo, ninguém volta mais. O que faz um jovem aqui? Não tem emprego, diversão ou perspectiva", diz.

A professora Doreen Voigfmann só não deixou a terra natal porque o seu certificado para lecionar não foi aceito do lado ocidental do país. E desabafa: "Mas a maioria dos alunos que tive nesse período foi embora. Tenho um filho pequeno, que fará o mesmo um dia". 
Leandro Colon/Folhapress
Praça vazia na cidade; ao fundo, monumento aos soldados soviéticos mortos na 2ª Guerra
Praça vazia na cidade; ao fundo, monumento aos soldados soviéticos mortos na 2ª Guerra