terça-feira, 26 de agosto de 2014

Prefeito de Berlim renuncia ao cargo – O Fim de uma Era

Fátima Lacerda - O Estado de São Paulo

Nem mesmo no encontro da fração dos socialdemocratas (SPD), que tradicionalmente acontece nas noites de segundas-feiras, os aliados notaram qualquer tendência de Klaus Wowereit em renunciar. Hoje, pela manhã, o prefeito lançou a bomba midiática berlinense do ano e anunciou deixar o cargo dia 11 de Dezembro.
Aquele que já foi perdendo simpatia no formato de terremoto, ridicularizado pela “obra de igreja” que se tornou a construção do Aeroporto Internacional de Berlim (BER) e que foi desenganado pelos adversários políticos atestando-o estar “cansado do cargo”, surpreendeu a todos. Ao invés de se deixar “varrer do cargo” pela imprensa que já por várias vezes anunciara a sua “morte política” e pelos adversários, Wowereit decidiu a hora de deixar o poder. Entretanto, a aparente autonomia, engana. As últimas pesquisas mostraram que somente 26% dos berlinenses apoiavam o desempenho do trabalho do prefeito. Esse magro percentual de aceitação causou resultado aos aliados e ao âmbito regional dos socialdemocratas e foi semeando um terreno de discórdia intrapartidária.
Do salão de imprensa da Rotes Rathaus, o prédio da prefeitura localizado no centro de Alexanderplatz, Wowereit apareceu as 13 horas de hoje (horário local) bem humorado e irônico: “Me alegro que o interesse na coletiva de hoje seja grande”, arrancando risinhos dos jornalistas presentes.
Candidatura para sediar os Jogos Olímpicos
Recentemente, em entrevista ao jornal Berliner Zeitung, o prefeito favorizou o realizar de um plebiscito para garantir o respaldo dos berlinenses para uma candidatura para sediar os Jogos Olímpicos de 2024 ou 2028. Além de Berlim, a cidade de Hamburgo também quer se candidatar. Até dia 06 de Dezembro, o Comitê Olímpico Alemão escolherá entre as duas cidades.
Fizemos um catálogo que será apresentado ao Comitê Olímpico dia 01 de setembro. “É importante que a população berlinense participe de todo esse processo. A candidatura para sediar os Jogos Olímpicos é uma questão do futuro”, atestou resoluto.
Perguntado por uma jornalista, se mesmo depois de 11 de Dezembro ele estaria disposto a ajudar na candidatura de Berlim, ele respondeu: “Eu amo Berlim , sou a favor da cidade sediar os jogos, por isso, estarei à disposição para o que for preciso.”
Decisão pessoal
Nos últimos tempos houve muita especulação sobre o tempo da minha gestão. Se eu iria completar o período do mandato, renunciar antes, etc. Houve muita especulação, inclusive da parte dos meus aliados políticos. Isso prejudica muito o partido. Por isso, eu informei nesta manhã ao Senado, que não estarei disponível para uma reeleição e que colocarei meu cargo a disposição no próximo 11 Dezembro. Pedi também para que o Senado nomeie um sucessor. Essa decisão foi difícil” revelou, mas não sem deixar de fazer a listagem dos seus feitos durante o governo que durou 13 anos.
Me sinto muito grato pelo privilégio de ter tornado o meu hobby em profissão. Sempre tive em mente que cargos políticos são temporários. Pra mim, a hora da renúncia chegou. Dia 09 de novembro estaremos celebrando o aniversário dos 25 da queda do Muro de Berlim. Sem dúvida, esse será o dia mais feliz da minha carreira política. O processo de integração dessa cidade, apesar de todas diferenças ainda existentes entre a parte oriental e ocidental, alcançou um nível que nos orgulha. No mundo inteiro, Berlim se estabeleceu como “The place to be”, atesta orgulhoso.
O fato de não termos inaugurado o aeroporto é, sem dúvida, a maior derrota do meu governo”. Vale lembrar que o projeto “Aeroporto Internacional” era o projeto de prestígio de Wowereit que certa vez assegurou que iria se deixar medir pelo sucesso ou fracasso desse projeto. O aeroporto que tinha data para abrir no dia 03 de junho de 2012, até agora não tem um plano arquitetônico definido, especialmente para o equipamento de proteção de incêndio, que devido à vários erros de concepção, já estourou o orçamento inicial e já comeu milhões de Euros do contribuinte.
Muita retórica, uma porcão de sentimentalismo e uma declaração de amor a Berlim “Eu amo essa cidade do jeito que ela é e nada disso vai mudar”, caracterizam a coletiva do prefeito.
Em 2001, quando foi nomeado para ser prefeito de Berlim, Wowereit mostrou coragem e fez uma declaração muito pessoal na reunião do partido, frente à jornalistas de todo o país.. “Eu sou homossexual e isso não tem nada de mais”. Essa declaração, na época, inusitada e corajosa, foi decisiva na percepção do resto do mundo em relação à cidade de Berlim, como uma cidade tolerante, aberta, bem diferente daquela que o mundo conheceu através das imagens dos jogos olímpicos de 1936 e eternizadas por Leni Riefenstahl, a cineasta preferida do ditador Adolf Hitler.
A Cesar o que é de Cesar
Apesar de sua incurável teimosia e a fome em acumular cargos para evitar (longas) discussões até se chegar a um acordo, Wowereit foi e é o melhor garoto propaganda para Berlim. Gay assumido, simpático, brincalhão e festeiro foi bem-vindo produto, principalmente os promotores da agencia oficial de turismo da cidade, subsidiada pelo senado de Berlim e com a incumbência de posicionar Berlim no mercado de turismo, com valores positivos.
Depois das férias
Perguntado por um repórter na coletiva, porque especificamente só agora o anúncio da renúncia, Wowereit foi taxativo: “Eu queria fazer isso em julho, mas ganhamos a copa do mundo e isso atrapalhou o meu plano. Agora, depois das férias estão todos descansados, com a bateria cheia. É a melhor hora”, atestou.
Questionamentos midiáticos
Entre as diversas perguntas, um jornalista alfinetou Wowereit, em alusão ao seu “tombo político”:.
O Sr. Foi vice-chefe do partido (SPD) em âmbito nacional, foi quase um candidato a chanceler…” ”Eu não sabia disso,” retruca o perfeito. Quando foi que o senhor perdeu a vontade de fazer política? Perguntou o repórter. “Nunca perdi a vontade de atuar na política. Vou continuar fazendo, só que de uma forma diferente”, retrucou exibindo o sorriso teimoso.
Perguntado pela jornalista sobre a situação dramática dos refugiados em Berlim, Wowereit optou por botar panos quentes:
Falamos sobre isso no Senado hoje e vamos continuar discutindo. Não somente por razoes humanitárias, é importante tratar da melhor maneira o tratar com os refugiados, mas também temos o âmbito jurídico a ser respeitado”.
Sua renúncia ao cargo, acontece um dia depois que refugiados, até o momento, alojados em abrigos caritativos em Berlim, foram intimados em deixarem os alojamentos e retornarem à região da Alemanha, onde primeiramente fizeram o requerimento de asilo político. Na noite de segunda-feira (25), refugiados e simpatizantes tentaram, novamente, ocupar a praça Oranienplatz, no bairro de Kreuzberg, o que, depois de muito tumulto e nove detenções, foi evitado pela polícia. Como o prazo que expira hoje às 20 horas horário local para 108 refugiados que tiveram seus pedidos de asilo negados e por isso não obterão mais qualquer suporte financeiro, o clima político em Berlim é tenso, numa semana que iniciou com um assassinato por motivo fútil, em plena luz do dia em Alexanderplatz, a poucos metros do prédio de tijolos vermelhos (Rotes Rathaus) da prefeitura.
A sucessão
Entre os nomes mais cotados para substituir o prefeito estão Ulrich Bauma, não ligado a nenhum partido e atual responsável pelas finanças no senado de Berlim, as quais ele vem fazendo um excelente processo de saneamento. O outro é o socialdemocrata Jan Stöß, há 2 anos chefe do SPD em âmbito regional, nunca ocupou nenhum cargo público, também gay assumido e de habilidade ímpar no âmbito estratégico partidário. Vale lembrar que os magros percentuais de aprovação ao governo do prefeito, o fizeram perder espalto interno e resultaram na candidatura de Jan Stöß que, apesar ser membro do mesmo partido, nunca pertenceu ao “Grupo Wowereit”.
Novas eleições?
O atual espectro do senado de Berlim conta com o partido Pirata, que perdeu imensamente em perfil nos últimos meses, os Verdes, também com déficite de perfil, depois que a própria Angela Merkel se apoderou do tema-chave dos verdes (o fim da energia atômica), o CDU, partido de Merkel, com um senador hardliner e o partido esquerdista Die Linke, que luta para sobreviver, em tempos em que o foco dos berlinenses está mais voltado para o trâmite político operativo, para a solução dos problemas e menos para a questão ideológica. Por esses e outro motivos, novas eleições trariam novos ventos e com eles, novas constelações de governo.