Um levantamento feito pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e divulgado pelo jornal Valor mostra que, no primeiro semestre deste ano, os deputados seguiram os interesses do Planalto em apenas 54,5% das votações na Câmara. Trata-se de um apoio menor até do que o dispensado ao presidente Fernando Collor de Mello (1990-92), que passou à história como um dos que mais atritos tiveram no Congresso e acabou sofrendo um processo de impeachment. Isso significa que nem todo o notável esforço que Dilma faz para acomodar em seu imenso Ministério os indicados pelos partidos governistas tem sido suficiente para lhe garantir a fidelidade necessária na Câmara.
Os números são eloquentes. O apoio parlamentar ao governo em plenário chegou a 75,4% no primeiro ano do mandato de Dilma, caindo para 64% nos dois anos seguintes, até despencar neste ano para 54,5%. Como comparação, Collor, que nem de longe tinha uma base de sustentação tão numerosa como a de Dilma, conseguiu apoio em 58% das votações em 1991, ano anterior ao do processo de impeachment.
Mesmo enfrentando problemas de governabilidade em determinados momentos de seus mandatos, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso jamais tiveram apoio tão fraco no Congresso quanto Dilma. No auge do mensalão, em 2006, o apoio aos projetos de interesse de Lula na Câmara ficou em 61%. Já FHC amargou apoio de apenas 67,5% em 2001, ano em que enfrentou a possibilidade de uma CPI para investigar denúncias de corrupção.
A explicação óbvia para o caso de Dilma está no estilo centralizador e na inabilidade da presidente para lidar com o Congresso, ao contrário de Lula e de FHC, conhecidos por seu bom trânsito entre os parlamentares. Dilma tem demonstrado em diversas ocasiões sua falta de disposição para tratar bem os parlamentares, até mesmo quando o que está em jogo é sua candidatura à reeleição. Em abril, quando já estava claro que ela teria problemas para manter coesa sua base de apoio e para afastar o fantasma do "volta, Lula", a presidente declarou: "Gostaria que, quando eu for candidata, eu tenha o apoio da minha própria base. Mas, não havendo esse apoio, vamos tocar em frente". Não angariou simpatias com tal declaração.
Para garantir apoio, Dilma parece considerar suficiente presentear seus aliados com cargos. Graças a essa estratégia, a presidente, que herdou fantásticos 37 Ministérios do governo de Lula, elevou o número de pastas para 39, um recorde absoluto. Nelas, estão acomodados representantes de dez partidos. Um deles, o PR, recentemente chegou a chantagear Dilma para que trocasse o ministro dos Transportes, o que ela fez sem discutir - como se a pasta pertencesse ao partido, e não ao governo.
Mas o chamado "presidencialismo de coalizão" não se sustenta somente com distribuição de cargos no primeiro escalão. É preciso saciar o apetite da base aliada por verbas de emendas parlamentares e também mostrar disposição para negociar e fazer concessões.
Os parlamentares se queixam de que as decisões sobre seus Estados, muitas vezes envolvendo bilhões de reais, são tomadas pelo Planalto sem consulta ao Congresso. Os ministros mais poderosos e a própria Dilma raramente recebem os deputados em audiência para ouvir suas reivindicações, e a articulação do governo na Câmara passou dois anos nas mãos da ministra Ideli Salvatti, que dispunha de pouca autonomia e era considerada inábil.
Como resultado dessa sucessão de erros, o governo teve de enfrentar até mesmo a formação de um "blocão" de parlamentares de partidos aliados que ameaçaram infernizar a vida do governo no plenário. O objetivo era pressionar Dilma a liberar verbas e a incluí-los nas decisões de governo - das quais, segundo eles, só petistas participam.
Em vez de mudar o estilo, porém, Dilma preferiu o caminho do confronto - ao decretar a criação de "conselhos populares", desafiando o atual regime de representação democrática, e ao defender um plebiscito para a reforma política, passando ao largo do Congresso.