sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

'Falta vergonha na cara', afirma Augusto Nunes

 O que há com o Brasil que não reage à chegada dos idiotas ao poder?


Congresso Nacional | Foto: Shutterstock

N unca vi meu pai mergulhado em leituras. Saltava páginas dos livros que empunhava de vez em quando, só folheava o jornal e, forçado a aumentar a renda mensal como professor de Geografia, limitava-se a passar os olhos pelas folhas preenchidas pelos alunos nas provas mensais. Em seguida, desenhava no alto do canto direito da folha manuscrita um 7 ou um 8. “Não quero reprovar ninguém”, explicou-me Adail Nunes da Silva quando quis saber quais eram os critérios que usava. “Dou essas notas porque não reprovam ninguém, mas também avisam que eles não sabem tudo. Quem ganha um 9 ou um 10 para de estudar no minuto seguinte.” E por que a metodologia tratava tão bem os que não sabiam nada? “Esses não têm jeito”, encerrou o assunto. 

Embora tenha estudado em escolas medíocres, ele se diplomou em Economia e Direito e aprendeu a escrever ou falar sem erros. Na juventude, divertia os amigos com o inesgotável repertório de contador de casos. Ao estrear no palanque com menos de 30 anos, mostrou que já estava pronto o extraordinário orador de comício. Além do extenso vocabulário, impressionava a ausência de agressões à língua portuguesa. Não escorregava nem mesmo quando resolvia exibir-se para plateias menores com o uso da segunda pessoa do plural. E lá vinha, sem tropeços, o desfile de “vós sabeis”, “estais aqui” e outros refinamentos.


Jânio Quadros e Carlos Lacerda antes da “crise” | Foto: Reprodução/Alesp 


Depois de um comício, quis saber como aprendera a dominar a arte do discurso improvisado. “Ouvindo pelo rádio os melhores”, ele desfez o mistério. Informou que nunca perdeu qualquer show de retórica protagonizado por gente como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Oswaldo Aranha, Afonso Arinos e outros tribunos. “Pena que ministros do Supremo não possam manifestar-se no rádio”, lamentou. “Gostaria demais de ouvir nas emissoras de rádio ministros como Evandro Lins e Silva e Nelson Hungria”, exemplificou meu pai. “Quem já ouviu esses e outros saiu muito impressionado. Mas juiz só fala nos autos”, lastimou o homem que lapidara a vocação num curso radiofônico longo e intensivo, ministrado por sumidades que não existem mais. Os idiotas monopolizam a TV Justiça. 

A morte poupou-o de amargurar-se com a era da mediocridade. O primeiro quarto do século 21 conferiu dimensões medonhas à descoberta de Nelson Rodrigues: os idiotas perderam o pudor e estão por toda parte. Dão as cartas no Poder Executivo, informa a terceira passagem pelo Planalto de um espertalhão analfabeto. Babam na gravata no Congresso: com Hugo Mota na Câmara e Davi Alcolumbre, a zona de turbulência está muito longe do fim. E fazem o diabo no Judiciário. Sob a liderança do decano Gilmar Mendes, a Ala Jovem do Supremo Tribunal Federal atropela a gramática e a ortografia nos autos ou fora deles, mete-se em assuntos que ignora e comete um abuso a cada meia hora. Pior: os frutos da idiotia epidêmica têm tempo de sobra para completar o trabalho de destruição iniciado há seis anos pelo parto do Inquérito do Fim do Mundo.


A ditadura do Judiciário não demorará a parecer um nada. Mas o calendário gregoriano alerta: é muito tempo amputado das nossas vidas. 


O que há com o Brasil decente que não se espanta com nada? A advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, embolsou R$ 3,6 milhões por mês para garantir o apoio do marido ao vigarista Daniel Vorcaro. A advogada Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli, foi sócia do Warde Advogados, um dos escritórios contratados pelo Banco Master. O time do doutor Walfrido Jorge Warde Júnior, aliás, acolhe até jornalistas cujas piruetas políticoideológicas reduziram a conversão do apóstolo Paulo a uma mudança tão irrelevante quanto deixar de torcer pelo Jabaquara para matar e morrer pela Portuguesa Santista.


Lula (PT), entre Hugo Motta (PP) e Davi Alcolumbre (União Brasil): negociações pela manutenção do poder | Foto: Fabio RodriguesPozzebom/Agência Brasil

Na festa de aniversário da chegada de Dias Toffoli ao STF, o homenageado emocionou-se. “As pessoas nem sabem que nosso trabalho é difícil e importante”, choramingou, com uma lágrima pendurada no canto de cada olho. “É um orgulho estar ao lado dos maiores juristas do país.” Um deles foi reprovado duas vezes no concurso de ingresso na magistratura paulista. Outro “grande jurista”, Alexandre de Moraes, fora o que vem fazendo na Vara Criminal que criou, agride o idioma com expressões como “há vinte dias atrás”. 

Como é que um time assim amedronta tantos brasileiros? O que há com o Congresso que não enquadra na Constituição e na lei comum os abusadores que prendem e arrebentam vidas e normas milenares para fortalecer essa democracia à brasileira? Sim, como ensinou William Shakespeare, não há noite tão longa que não encontre o dia. Sim, medida pelo tempo histórico, a ditadura do Judiciário não demorará a parecer um nada. Mas o calendário gregoriano alerta: é muito tempo amputado das nossas vidas. Vêm aí as eleições. Basta que a oposição repita o desempenho de 2024 para formalizar a troca da guarda e colocar o país no rumo certo. O presidente do STF, Edson Fachin, acha necessária a elaboração de um código de ética para frear

os ímpetos e excessos da instituição. Sugiro uma adaptação da curta e perfeita Constituição criada pelo historiador Capistrano de Abreu: Art. 1°: Todo ministro da corte fica obrigado a ter vergonha na cara. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.


 Augusto Nunes - Revista Oeste