A ingerência direta do governo Biden nas eleições brasileiras envolveu uma rede internacional de censura, operada em conluio com “checadores de fatos” nacionais, think tanks estrangeiros, órgãos vinculados ao TSE e ao deep state americano
O presidente Joe Biden cumprimenta o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e sua esposa Janja Lula de Silva no Pórtico Sul da Casa Branca, EUA (10/2/2023) | Foto: Erin Scott/Casa Branca“A intervenção estrangeira não só financiou como também dirigiu etapas decisivas do golpe, impondo um modelo autoritário em detrimento da vontade popular” (Edmar Morel, O Golpe começou em Washington)
E m abril de 2024, quando publiquei o artigo “O golpe começou em Washington”, a tese ainda podia parecer indigesta ao estômago de muitos. Afinal, admitir que a democracia brasileira havia sido objeto de uma operação de influência coordenada por agências, think tanks e membros do Partido Democrata equivalia a destruir, de uma só vez, dois dos fetiches mais caros à esquerda: o da soberania nacional e o da pureza virginal do processo eleitoral de 2022, conduzido pelo imaculado Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Pois bem. Em 6 de agosto de 2025, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, Mike Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, tratou de remover qualquer verniz de plausível negação. Em depoimento público, descreveu, com a convicção de quem conhece a máquina por dentro, aquilo que os brasileiros atentos já sabiam: a ingerência direta do governo Biden, com milhões de dólares canalizados para silenciar eleitores de Bolsonaro, censurar redes sociais e manipular o debate público brasileiro em pleno período eleitoral.
A operação — que, parodiando a famigerada Brother Sam dos anos 1960, poderíamos chamar de Operação Uncle Joe (Biden) — não se limitou a campanhas de “educação midiática” ou parcerias inofensivas. Envolveu uma rede internacional de censura, operada em conluio com “checadores de fatos” nacionais, think tanks estrangeiros, órgãos vinculados ao TSE e ao deep state americano. Tudo em nome de uma “democracia” cada vez mais parecida com aquelas defendidas por ditadores comunistas do século 20 — Stalin, Ceaușescu, Pol Pot, Fidel Castro et caterva.
O depoimento de Benz é relevante não apenas pelo conteúdo, mas pelo contexto. Como sugeri no artigo de 2024, a ingerência americana não começou na véspera da eleição. Foi meticulosamente preparada desde 2021, quando o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, ouviu do presidente brasileiro a suspeita — hoje plenamente justificada — de que as eleições americanas de 2020 haviam sido contaminadas. Seguiu-se a esse evento a elaboração de um “mapeamento” dos generais brasileiros “confiáveis” (ou seja, a favor do golpe contra Bolsonaro) ou “golpistas” (ou seja, os que apontavam a condução suspeita e parcial do processo eleitoral).
Benz confirma que a pressão não se restringiu ao Itamaraty ou ao Palácio do Planalto. Ela se estendeu às plataformas digitais, que receberam instruções diretas da CIA e de outros órgãos estatais dos EUA, transmitidas por agências de fachada como o Atlantic Council, para limitar a circulação de conteúdos ligados ao campo conservador. Se, nos anos 1960, a esquerda se contorceu para denunciar a frota americana enviada ao litoral brasileiro (que nunca chegou a aportar), em 2022 a ingerência não precisou de navios, bastando-lhe servidores de internet, bilhões de dólares e memorandos técnicos e pseudoacadêmicos. Sim, o paralelo histórico é inevitável. E irônico. A esquerda, que passou décadas alimentando a tese de que o golpe de 1964 fora “made in USA”, agora saúda com gratidão a ingerência americana que ajudou a entronizar o descondenado-em-chefe. Aquilo que outrora era considerado o maior crime contra a soberania nacional converteu-se, em 2022, no suposto ato de salvação da democracia. Como se sabe desde Orwell, há palavras que mudam de significado conforme a conveniência do Partido.
Fica claro que a operação Uncle Joe não apenas desequilibrou o processo eleitoral de 2022, como corroeu as bases mesmas da soberania — essa mesma que, cinicamente, os verdadeiros golpistas agora bradam contra a tentativa de Trump de consertar o estrago. Ao aceitar que uma potência estrangeira pudesse determinar, por meios informacionais e financeiros, o resultado político interno, o Brasil abdicou voluntariamente da condição de nação autônoma. Esse foi o golpe. Esse foi o crime de lesa-pátria. Daí a necessidade de retirar do caminho os representantes da ideia “nacionalpopulista”.
A narrativa do “8 de janeiro” cumpre papel crucial nesse teatro. Enquanto o verdadeiro golpe — silencioso, transnacional, com aval de órgãos de Estado — se consumava em 2022, uma turba útil, convenientemente filmada e televisionada, oferecia o espetáculo farsesco de uma tentativa de “ruptura democrática”. Essa encenação foi o pretexto perfeito para instaurar um Estado policial contra a direita, justificar censura em larga escala e reescrever a história recente sob medida para os vencedores.
A eficácia dessa estratégia se explica por um traço recorrente da história política. Tocqueville já havia notado que revoluções bemsucedidas precisam controlar não apenas o poder, mas também a memória. No pós-8 de janeiro, o controle foi total. A imagem de manifestantes improvisados foi transformada, pela edição e pela repetição, em símbolo de uma ameaça existencial à democracia. O portal G1, por exemplo, não hesitou em classificar o ambulante Ademir Domingos Pinto da Silva — que não participou da invasão aos prédios públicos, e só chegou na noite do 8 de janeiro ao acampamento militar em Brasília para vender bandeiras, camisetas e capas de celular — de “terrorista”. Ao mesmo tempo, a ingerência americana real — muito mais profunda e documentada — foi ignorada ou mesmo celebrada pelos pretensos “defensores da democracia”.
President Biden Archived @POTUS46Archive · Seguir It was great sitting down with my friend and partner in democracy, President Luiz Inácio Lula da Silva.
No século 18, Edmund Burke já advertia que a subversão mais duradoura não vem dos levantes ruidosos, mas dos processos silenciosos que corroem os alicerces das instituições. Foi assim na França de 1789. Foi assim na Tchecoslováquia de 1948, quando comunistas tomaram o poder sob as aparências de legalidade. Foi assim na Hungria de 1947, quando eleições “livres” entregaram o país à esfera soviética. E foi assim no Brasil de 2022, quando uma eleição formalmente performada acabou, na substância, submetida à manipulação externa e interna.
A confirmação de Benz transforma a tese do meu artigo de 2024 em fato consumado. A ingerência não é hipótese, mas dado. Não se trata mais de interpretação, mas de confissão — e não de qualquer fonte, mas de alguém que serviu exatamente no órgão acusado. Que a grande imprensa cubra o episódio com uma espessa camada de silêncio é apenas mais uma prova de que a MSM brasileira morreu de causas naturais, substituída por uma militância cada vez mais obscena.
O Brasil pós‑8 de janeiro é herdeiro direto desse golpe silencioso. A consolidação de um Estado policial, sob o pretexto de “defender a democracia”, segue o roteiro clássico dos regimes revolucionários. Como Ceaușescu, que montava tribunais de exceção para punir “inimigos do povo”, ou como os expurgos de Stalin justificados pela “ameaça fascista”, a máquina judicial brasileira, amparada por setores da imprensa e pela chancela internacional, operou para eliminar qualquer voz dissonante.
Portanto, o verdadeiro golpe não aconteceu à sombra de bandeiras hasteadas no gramado do Congresso, mas nos bastidores de Washington, Bruxelas e Brasília. Não foi conduzido por patriotas exaltados, mas por magistrados com ar blasé, diplomatas de carreira, agentes de inteligência, extremistas políticos fantasiados de acadêmicos e CEOs de ONGs. Foi, como nos melhores golpes, incruento, discreto e, por isso mesmo, eficaz.
O golpe, de fato, começou em Washington. A diferença é que, agora, os
conspiradores — incluindo o então presidente do TSE — já nem se
preocupam em negar.
Flávio Gordon - Revista Oeste