Como a política de choque de Javier Milei, fiel à cartilha da austeridade fiscal e crítico do populismo assistencialista da esquerda, salvou um país um ruínas
Argentina dá sinais de renascimento | Foto: ShutterstockE m novembro de 2023, uma reportagem de Oeste, intitulada “Um país que respira” (edição 192), questionou o que levou 14 milhões de argentinos a elegerem o mais excêntrico presidente de sua história: o “libertário” Javier Milei, de 53 anos à época. A tese mais certeira era de que a população havia compreendido que o país estava falido. Portanto, as fórmulas tradicionais, derivadas do inevitável peronismo, não funcionavam mais. Um ano e meio depois, a Argentina começou a sair do buraco.
Os números de Milei são impressionantes: a atividade econômica avança mais de 5% ao mês; as exportações cresceram 55% no primeiro semestre deste ano, inclusive, puxadas por segmentos improváveis, como o setor automotivo, de máquinas agrícolas e manufaturados; a moeda está extremamente valorizada em comparação aos vizinhos latinos; as notas das agências de crédito subiram e chamam a atenção de investidores estrangeiros; e os salários melhoraram — o que, inevitavelmente, se reflete em aumento do poder de compra, logo, em bom humor da população.
A inflação devastadora de 25% ao mês na data da sua posse, em 2023, fechou o último mês de maio em 1,5%. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), uma espécie de IBGE, o índice anual está em 43,5%, ante quase 300% ao ano no final do mandato de Alberto Fernández. O corte na taxa básica de juros também foi drástico: de 133% para 29%, uma queda de 104 pontos porcentuais, conforme o Banco Central local.
Milei adotou um modelo de câmbio de flutuação controlada — empresas e cidadãos foram liberados para comprar dólar.
A promessa de campanha é mais ambiciosa: abandonar de vez o peso, o que abre caminho para a dolarização efetiva. Até agora, o mercado reagiu bem.
Para levantar o controle cambial, foram decisivos os empréstimos que vão injetar US$ 42 bilhões na economia, fechados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A primeira parcela, de US$ 12 bilhões, do FMI chegou em abril.
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Em resumo: o quadro macroeconômico é muito promissor. Por quê? A resposta é que Milei fez o que era necessário: a recuperação econômica é resultado de uma agenda liberal seguida à risca, com austeridade fiscal, redução de penduricalhos, corte de 19 impostos, diminuição do tamanho do Estado — com a demissão de 50 mil funcionários públicos e o fim de mais de cem órgãos estatais — e, sobretudo, coragem, muita coragem, porque começou o governo sem maioria robusta no Legislativo.
Na capital, Buenos Aires, os sinais de reaquecimento estão em todas as partes: nos cafés lotados da Recoleta, nos bares e restaurantes em Palermo e Puerto Madero, para citar exemplos de alguns dos destinos badalados. Isso também explica por que os preços de restaurantes e da rede hoteleira sobem quase 3% ao mês no ramo turístico. Nos shopping centers, cujas vitrines pareciam decadentes desde o histérico lockdown da pandemia — havia risco de prisão se as pessoas saíssem às ruas —, o cenário também mudou. E os tradicionais panelaços contra todos os presidentes, as passeatas na Praça de Maio e as pichações contra o desemprego arrefeceram.
Muitos argentinos, aliás, aproveitaram o fôlego econômico no começo deste ano para voltar a viajar. Numa reportagem recente, o jornal La Nacion relatou que a cidade de Florianópolis foi o destino mais procurado em 2025. Os colunistas brincam nas emissoras de TV com os preços de alimentação, bebidas e até um par de chinelos Havaianas. Um jornalista lembrou que muitos jovens não conheciam esse cenário, típico da década de 1990 — os anos da paridade cambial entre peso e dólar. De acordo com a Federação do Comércio de Santa Catarina, um a cada cinco turistas que visitaram o Estado nos primeiros meses do ano era argentino — ou 80% dos estrangeiros nas praias.
Notícia publicada no La Nacion (16/4/2024) | Foto: Reprodução/La Nacion
Notícia publicada no La Nacion (27/12/2024) | Foto: Reprodução/La Nacion
Decolagem segura
Um dos melhores exemplos de que a gestão atual fez o “impossível” nas contas públicas é o setor aéreo. Pela primeira vez desde 2008, a estatal Aerolíneas Argentinas informou que não precisará de subsídios do governo. “Depois de analisar as necessidades orçamentárias, não serão necessários fundos do tesouro neste ano”, afirmou em carta Franco Mogetta, secretário de Transportes.
Ainda no ramo de transportes e infraestrutura, o presidente aproveitou a enxurrada de denúncias de corrupção contra a expresidente Cristina Kirchner, que está em prisão domiciliar, para enxugar gastos. Ele transferiu para a iniciativa privada os órgãos que cuidavam desde a década de 1950 das rodovias federais. Usou dois argumentos: 40% dos contratos de manutenção da malha já estavam terceirizados; e a corrupção impregnada no setor — que equivale ao brasileiro Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Mais: criou uma agência reguladora para fiscalizar não só as rodovias, como o transporte urbano e as ferrovias — um pacote que economizou US$ 2 bilhões. “A corrupção em obras públicas teve sua certidão de óbito assinada”, disse o porta-voz, Manuel Adorni, ao comunicar as medidas.
No caso de Cristina, a comparação entre o atraso da esquerda que se perpetua no poder e a reviravolta liberal é gritante: ela está presa por se beneficiar de uma roubalheira, guardadas as proporções bilionárias do Petrolão, similar à promovida por Lula da Silva e Dilma Rousseff. O petista, aliás, fez questão de visitá-la recentemente em sua casa, em mais uma provocação a Milei. Já o argentino devolveu com o típico deboche: ele ignora o discurso empoeirado em defesa do Mercosul e segue uma agenda bilateral com o americano Donald Trump — com quem Lula, agora, anda às voltas.
O contraste entre a receita eficaz de Milei e a cartilha desastrosa de Lula é visível. Depois de dois anos e meio de mandato, o petista convive com a piora sistemática da economia. Numa analogia simples, é como se o argentino tirasse um paciente da UTI, e o brasileiro desse um remédio errado a uma pessoa saudável — que, consequentemente, acabaria num leito hospitalar. Lula inflou o Estado para empregar a militância de esquerda e tentar salvar o sindicalismo, tem como marca inconteste a irresponsabilidade fiscal, desvalorizou o real e tem a popularidade em queda livre, à medida que a inflação — principalmente dos alimentos — corrói o bolso dos pagadores de impostos. Mais: no campo diplomático, enquanto o Brasil, numa escalada autoritária, se alinhou ao eixo anti-Ocidente, a Argentina ganhou prestígio com os Estados Unidos e países que pregam a liberdade como valor inalienável.
Fábrica de pobres
É evidente que, depois de anos de kirchnerismo, conduzidos pelo casal Néstor (morto em 2010) e Cristina, seguido do “poste” Alberto Fernández — houve uma breve interrupção de Mauricio Macri —, a Argentina ainda tem muitos problemas para resolver. A inflação persistente, as dívidas internacionais e as raízes do trabalhismo populista de Juan Domingo Perón. Não é um quadro sanável do dia para a noite.
O problema mais agudo é a quantidade de pobres espalhados pelas províncias no interior do país. Quando Milei assumiu, 53% da população era considerada pobre (mais de 27 milhões de pessoas), o maior número em 20 anos. Os dados mais recentes indicam que esse porcentual caiu para 38% em um ano e meio. Ainda há muitas favelas nas periferias das grandes cidades, e um número estimado de 2,5 milhões de pessoas consideradas miseráveis.
No caso da desindustrialização, com exceção do segmento de petróleo e, principalmente, das reservas de gás, ainda é cedo para comemorar. Até o governo brasileiro, mesmo em pé de guerra diplomático, classificou as reservas de gás natural de Vaca Muerta como “de potencial infinito” — 17 empresas querem importar, já com autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Embora muitos setores da indústria ainda patinem, há uma nítida percepção de que as máquinas estão voltando a funcionar, e o reflexo disso vai desde a quantidade de alimentos nas gôndolas de supermercados, desabastecidas há dois anos, até o semblante da população. Outro dado: com mudanças nas regras, o preço dos aluguéis despencou em até 40%. Com 18 meses de mandato, a popularidade do presidente segue alta: 57% de aprovação. Alberto Fernández, o antecessor, encerrou a gestão com 11%, e rejeição recorde de 77%. O sucesso da atual administração começou a chamar a atenção da imprensa mundial.
No último sábado, 19, o jornal inglês The Telegraph produziu uma extensa reportagem. “Milei foi mais longe e mais rápido do que qualquer político nos tempos modernos”, diz o texto.
Depois dos anos 1940 e 1950, com a eleição de Juan Domingo Perón e o “peronismo” perpétuo, a Argentina passou a conviver com restrições de liberdades, inchaço do Estado, corrupção e a combinação perigosa de endividamento crônico e inflação galopante. Tornou-se um raro caso de país que era muito rico no começo do século 20 e ficou pobre. Mas agora essa é uma história que pode ficar no passado:
Javier Milei está disposto a mudá-la — com a fórmula certa.
Javier Milei @JMilei · Seguir FENÓMENO BARRIAL LO LLORA LA CASTA... VLLC!
Depois dos anos 1940 e 1950, com a eleição de Juan Domingo Perón e o “peronismo” perpétuo, a Argentina passou a conviver com restrições de liberdades, inchaço do Estado, corrupção e a combinação perigosa de endividamento crônico e inflação galopante. Tornou-se um raro caso de país que era muito rico no começo do século 20 e ficou pobre. Mas agora essa é uma história que pode ficar no passado: Javier Milei está disposto a mudá-la — com a fórmula certa.
Sílvio Navarro - Revista Oeste