Analistas políticos da imprensa aliada têm dado piruetas retóricas para tentar defender o governo Lula
No ifício do jornalismo, tem hora que não dá para disfarças: fatos são fator.
Talvez seja esse, hoje, o grande problema da velha imprensa, N bem abastecida de verbas estatais e empenhada como nunca se viu nas últimas décadas em defender um governo ruim. O resultado pôde ser visto nas últimas semanas num indisfarçável baixo-astral nas redações. Nem os editoriais dos principais jornais do país ou os comentaristas das emissoras de televisão mais alinhadas com a agenda da esquerda conseguiram minimizar o desastre que foi a escolha de Gleisi Hoffmann para comandar a articulação política do governo. A pergunta parece óbvia: com popularidade em queda livre, sem dinheiro em caixa nem interlocução com o Congresso, por que Lula resolveu levar uma deputada radical para dentro do Palácio do Planalto? Ela vai conduzir reuniões em busca de acordos para aprovar projetos na Câmara, com o centrão e as bancadas de direita?
Gleisi presidiu o PT nos anos mais difíceis da sigla. Lula passou 580 dias preso em Curitiba. Com exceção da vitória na corrida presidencial em 2022, depois da reabilitação política de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a legenda foi estraçalhada nas urnas nas últimas eleições. O PT tem 252 prefeitos, somente um em capital — Evandro Leitão, em Fortaleza. Os parlamentares do PT afirmam que a nomeação no ministério é um prêmio para Gleisi, mas a saída antecipada da presidência da sigla é um sinal de que Lula quer tentar salvar o próprio partido. A volta do protagonismo de José Dirceu, com a ficha quase limpa pelo Judiciário, é uma realidade — ele pretende concorrer à Câmara no ano que vem.
Gleisi Hoffmann e Lula | Foto: Alessandro Dantas/PT
Sobre Gleisi, o jornal Folha de S.Paulo escreveu: “É duvidoso se Gleisi terá sucesso na transição do posto de general para diplomata. De certo é que, ao nomeá-la, o presidente da República dá sinais inquietantes”. O título do editorial do Estadão foi ao ponto: “Vem aí a ministra da discórdia”. O texto diz: “Ao trazer Gleisi Hoffmann para o governo, Lula mostra que está disposto a ir para o tudo ou nada pela reeleição, ainda que isso prejudique a governabilidade e implique riscos para o país”.
Por causa do feriado de Carnaval, os plenários da Câmara e do Senado seguem vazios. O ano não começou ainda em Brasília — nem o Orçamento foi aprovado. Mas, antes que a classe política assimilasse a nomeação da presidente do PT para a coordenação política, os jornais trouxeram outra notícia que ninguém entendeu: mais um radical, Guilherme Boulos, deputado do Psol, que fez carreira na política como líder dos sem-teto, também pode ser ministro.
O cargo — a confirmar — é a Secretaria-Geral da Presidência, que na prática significa a antessala de Lula. Trata-se de uma função inexpressiva, não à toa o nome do atual ministro escapa até da memória dos comentaristas políticos: Márcio Macêdo. Nos governos anteriores do PT, a cadeira foi ocupada por Gilberto Carvalho. A função é receber representantes do MST, de ONGs, entidades LGBT, indígenas etc., que invariavelmente vão a Brasília para pedir dinheiro
A bancada do Psol também está em meio a uma confusão, segundo o portal UOL. A reportagem, publicada na quarta-feira, 5, diz que a sigla está rachada. Embora tenha nascido de uma costela do PT, quando alguns parlamentares se decepcionaram com a votação da reforma da Previdência no primeiro governo Lula, o Psol questiona o apoio incondicional ao governo. Diz o texto: “Os deputados se referem aos colegas de bancada por xingamentos. Em entrevistas ao UOL, usaram termos como ‘mentiroso’, ‘imaturo’ e ‘palhaço’”. A bancada tem 13 integrantes e está dividida. São duas alas: uma é a favor de Boulos embarcar no governo e servir de linha auxiliar do PT; a outra é extremamente ideológica, com características de diretório acadêmico.
Além do governo capenga, a velha mídia tem enfrentado dificuldades para proteger a outra ponta do consórcio de poder: o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a figura do ministro Alexandre de Moraes. Na semana passada, a comentarista da GloboNews Daniela Lima recebeu uma checagem pública no X porque publicou uma informação errada — a favor de Moraes, como sempre. Ela disse que as big techs que operam no Brasil são obrigadas a manter escritórios no país por força de lei. Na véspera, Moraes havia imposto sanção ao Rumble por não ter um representante legal em território brasileiro. Foi o mesmo que ocorreu com o X, de Elon Musk, no ano passado.
A jornalista disse a seguinte frase: “Você precisa ter um escritório no Brasil para poder receber uma procuração, para receber uma queixa, sejam elas da Justiça ou de um usuário. O Rumble não tem, e quer operar cá no país assim. Para o X voltar a funcionar, Musk também teve que se render à Justiça. Não é a vontade de um ministro, é a vontade da lei. Está no Marco Civil da Internet”. O que a jornalista disse não está escrito em lei nenhuma em vigor — pelo contrário, estava no Projeto de Lei nº 2.630, encampado por Alexandre de Moraes, mas que o Congresso decidiu não votar em 2023.
No mesmo comentário, ela também distorceu uma decisão da juíza Mary Scriven, dando a entender que se tratava de uma decisão a favor de Alexandre de Moraes, ou seja, contra os advogados do Rumble e das empresas de Donald Trump.
O episódio da GloboNews foi o mais gritante, mas não é um caso isolado. Os analistas políticos têm dado piruetas retóricas para tentar defender a condução econômica do governo Lula. Manchetes como “o preço subiu, mas entenda como isso pode ser bom” já não colam mais. Os editoriais dos principais jornais dão sinais de cansaço com a cartilha empoeirada de Lula e seus discípulos do PT, que parecem estacionados no começo dos anos 2000, quando chegaram ao poder. Basta olhar os derrotados nas urnas em seguidas eleições que cercam o presidente: Alexandre Padilha, Fernando Haddad, Aloizio Mercadante, Guilherme Boulos.
Para piorar, Lula contratou um marqueteiro para trabalhar no Palácio do Planalto que não acertou uma estratégia até agora — a começar por deixar ele falar em cadeia nacional a cada 15 dias. No Congresso, sua defesa é feita por deputados que também envelheceram mal: Lindbergh Farias (RJ) teve a ideia de vasculhar o passado da exprimeira-dama Michelle Bolsonaro e de aliados do ex-presidente. Mas tanto ele como Gleisi Hoffmann e o líder do governo, José Guimarães, têm problemas no retrovisor. Todos tinham apelidos na lista de propinas da Odebrecht descoberta pela Lava Jato. Guimarães, aliás, já frequentava manchetes policiais anteriormente, porque um de seus assessores foi preso com dólares escondidos na cueca, no Aeroporto de Congonhas, em pleno escândalo do Mensalão.
O que resta para os jornalistas da imprensa antiga preencherem a pauta e desviar de temas espinhosos? Falar do filme Ainda Estou Aqui, Luiz Inácio Lula da Silva Jornalismo Supremo Tribunal Federal (STF) Gleisi Hoffmann Nenhum comentário para este artigo, seja o primeiro. Assine ou cadastre gratuitamente para comentar que ganhou uma categoria minúscula no Oscar (leia artigo de J.R. Guzzo nesta edição). Mas também aí eles caíram numa armadilha, porque o longa de Walter Salles, Fernanda Torres e companhia trata do regime militar, que terminou com a Anistia de 1979, “ampla, geral e irrestrita”, assinada pelo presidente João Baptista Figueiredo. O PT foi criado no ano seguinte, em 1980, por uma legião de anistiados. O Brasil tem hoje centenas de presos políticos à espera de anistia, e quem não quer é justamente o consórcio PT-STF.
O esforço é grande. Mas defender Lula e o STF se tornou uma tarefa praticamente indefensável.
Sílvio Navarro - Revista Oeste