Foto: EFE/EPA/FILIP SINGER
O ingresso de Elon Musk na guerra entre os defensores da liberdade de expressão contra os entusiastas da censura no Brasil provocou um verdadeiro abalo nos até então autoconfiantes expoentes do regime de exceção (o Estado Excepcionalíssimo de Direito) ora vigente. Diante da exposição mundial da maquinaria de censura política montada pela esquerda (e, por mais excêntrico que isso possa soar, isso inclui a Suprema Corte brasileira) contra a direita no país, os que foram expostos reagiram de modo paranoico e provinciano, logo articulando teorias da conspiração sobre uma suposta trama da “extrema-direita” mundial e aconchegando-se no terreno alienante dos autoelogios e da bajulação mútua entre pares.
Talvez a manifestação mais exemplar desse estado de espírito paranoide, ensimesmado, defensivo e – por que não dizer? – provinciano, tenha sido a do ministro Gilmar Mendes, um dos grandes aliados de Alexandre de Moraes na empreitada de instrumentalização do aparato repressivo do Estado para a perseguição aos assim chamados “bolsonaristas”. Reagindo às críticas de Musk a Moraes, Mendes declarou que “há muito tempo, [Moraes] tem sido vítima de injustas agressões físicas e virtuais” (será que aqui ele se referia ao episódio do aeroporto de Roma, que terminou sem indiciamento, e de cujas imagens a sociedade continua privada?) e que “é preciso rechaçar com absoluta veemência declarações tendentes a indicar e insuflar o não cumprimento de determinações judiciais”. Não satisfeito, manifestou uma opinião que parece (essa sim) ter vindo de um alienígena recém-chegado à Terra, caracterizada, por assim dizer, por uma exagerada autoestima corporativa. Segundo Mendes, Moraes “enche de orgulho a nação brasileira, demonstrando, ao mesmo tempo, prudência e assertividade na condução dos múltiplos procedimentos adotados para a defesa da democracia”.
Num contexto em que não apenas boa parte do país, mas o mundo inteiro, começa a perceber o perigo da autoridade desenfreada concedida a Moraes nos últimos anos, chamar o colega de “orgulho da nação” parece ser uma clara demonstração da alienação do poder
Ora, o momento para uma tal opinião não podia ser o mais impróprio. Há coisa de dois meses, uma pesquisa da Atlas Intel já informava que 64% dos brasileiros reprovam o comportamento dos atuais ministros da corte. 47,3% chegam a dizer que o país “vive sob uma ditadura do Judiciário”. Após a guerra entre Musk e Moraes, uma pesquisa da Quaest mostrou que o STF tem o dobro de menções críticas do que o bilionário nas redes sociais. E até mesmo jornais até então sempre tolerantes com decisões judiciais autoritárias e “excepcionais” voltadas contra os “bolsonaristas”, hoje começam a endurecer o tom contra o atual presidente do TSE. Foi o caso do Estadão, que não hesitou em comparar Moraes à Rainha de Copas, a famosa personagem tirânica e temperamental concebida por Lewis Carroll. Num contexto em que não apenas boa parte do país, mas o mundo inteiro, começa a perceber o perigo da autoridade desenfreada concedida a Moraes nos últimos anos, chamar o colega de “orgulho da nação” parece ser uma clara demonstração da alienação do poder. Parece que faltou a Gilmar Mendes contar com o auxílio similar ao de uma antiga instituição romana, na qual, nas paradas de triunfo, um escravo conselheiro seguia atrás do imperador para lhe alertar sobre o perigo da húbris, e lembrar-lhe de sua natureza mortal.
Ao ver esse tipo de reação, espelhada pela maioria da imprensa dita “profissional” (com destaque para a Globo), não pude deixar de lembrar da Combray de Marcel Proust, símbolo do provincianismo em Em Busca do Tempo Perdido. Como escreveu a respeito René Girard:
“Combray é um universo protegido. Lá, a criança vive à sombra dos pais e dos ídolos familiares na mesma bem-aventurada intimidade que a aldeia medieval à sombra de seu campanário (...) Combray é uma cultura fechada, no sentido etnológico do termo, um Welt, diriam os alemães, ‘um pequeno mundo protegido’, nos diz o romancista (...) Combray se afasta das verdades perigosas, como o organismo sadio que recusa a assimilar o que pode ser prejudicial à sua saúde. Combray é um olho que rejeita as poeiras irritantes”.
Resta que, pela própria reação dos provincianos censores, aquilo que era apenas uma poeira irritante ameaça se tornar numa verdadeira tempestade de areia. Para olhos acostumados a ambientes ascéticos e ultraprotegidos, não deve estar sendo mesmo uma experiência agradável.
Gazeta do Povo