sexta-feira, 19 de maio de 2023

'Porta-vozes da tirania', por Edilson Salgueiro

 

Foto: Shutterstock


Escanteados das redações jornalísticas, os funcionários das agências de checagem ignoram as notícias falsas da esquerda, distorcem os conteúdos verdadeiros da direita e publicam mentiras


Na noite de domingo, 14 de maio, os leitores que acessaram o perfil da Revista Oeste no Instagram se depararam com um alerta de “informação falsa” em uma das publicações. Aspas para a agência de checagem Aos Fatos, responsável pela sentença: “É falso que o PT pediu liminar para barrar o projeto de dessalinização de Bolsonaro. A mesma informação foi analisada por verificadores de fatos independentes em outra publicação”.

A reportagem-alvo dos checadores comenta os ataques da deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), aos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo. “É comovente o esforço do Estadão para parecer que ainda tem alguma relevância”, indignou-se a petista. “Não, Estadão… Seus editoriais raivosos, arrogantes, desinformados e mofados não vão atrapalhar o governo Lula na missão de reconstruir o país.”

Nem a reportagem de Oeste nem os editoriais do Estadão mencionam “projeto de dessalinização”. Para a agência de checagem subordinada à Folha de S.Paulo, contudo, escrever sobre a extração de sal da água do mar equivale a constatar os erros do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A justificativa para a censura é ilógica, mas foi o bastante para o Instagram chancelar a fake news propagada pela empresa que diz combater… fake news.

A Aos Fatos pôs uma tarja de “informação falsa” numa publicação de Oeste | Foto: Reprodução/Instagram
O Instagram e a Aos Fatos são parceiros | Foto: Reprodução/Instagram
A postagem censurada pela Aos Fatos | Foto: Reprodução/Instagram

Oeste interpelou a diretora-executiva da Aos Fatos, Tai Nalon, para alertá-la sobre o erro da agência de checagem. A resposta limitou-se a três palavras: “Procure a ouvidoria”. A reportagem enviou um e-mail para o setor indicado, que atribuiu à empresa Meta — dona do Instagram — a responsabilidade pelo equívoco. “A checagem em questão foi publicada em 2018, quando a própria Oeste sequer [sic] existia”, justificou a agência. “Quaisquer outros questionamentos devem ser encaminhados à assessoria da Meta.”

A resposta da Aos Fatos chama a atenção — e suscita dúvidas. Como uma checagem de 2018 poderia justificar o selo de “informação falsa” numa reportagem produzida cinco anos depois? Quem é responsável por qualificar veículos de comunicação independentes como propagadores de fake news? O algoritmo da Meta, reconhecido pela eficiência, seria incapaz de identificar tão abissais diferenças? Se a Aos Fatos é inocente neste caso, por que permite que o Instagram utilize sua imagem para classificar como fake news notícias comprovadamente verídicas? A revista procurou a assessoria da big tech, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Essas tentativas de monopolizar o entendimento sobre o que é verdade prejudicam a atividade jornalística, afirma Ewandro Schenkel, chefe de redação do jornal Gazeta do Povo. “As big techs estão promovendo o surgimento de uma nova classificação de credibilidade”, observou, referindo-se à ascensão das agências de fact-checking. “As empresas de tecnologia escolhem quais veículos podem determinar o que é verdadeiro e, com base nessas decisões, quais informações serão difundidas maciçamente para a audiência. Assim, os veículos escolhidos têm de fato a palavra final sobre os jornais tradicionais.”

Apesar da incapacidade demonstrada de distinguir verdades de mentiras, as agências de checagem mantêm o prestígio no consórcio de imprensa.

As próprias agências de checagem disseminam fake news | Foto: Reprodução/Pexels
Algozes de Bolsonaro

Desde 22 de julho de 2018, quando o extinto Partido Social Liberal (PSL) confirmou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República nas eleições daquele ano, as empresas de fact-checking atuaram de maneira obstinada para desmentir as supostas declarações falsas do então deputado. A megaoperação contra as fake news intensificou-se a partir de outubro, quando a maioria dos eleitores brasileiros decidiu eleger o ex-capitão do Exército.

Na ânsia de desmascarar Bolsonaro, as agências trocaram os pés pelas mãos: qualificaram como mentiras verdades facilmente atestáveis. Em 2 de junho de 2021, por exemplo, Bolsonaro ressaltou as estimativas do mercado financeiro sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Instituições como Goldman Sachs, Itaú Unibanco e XP Investimentos projetavam um crescimento econômico acima de 4% naquele ano. Horas depois, a Aos Fatos classificou a declaração do chefe do Executivo como falsa. Precisou corrigir o erro dois dias depois. “Diferentemente do informado na checagem do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, de fato há estimativas de mercado para o PIB superiores a 4%”, reconheceu. “A informação foi corrigida, e o tuíte correspondente, deletado.”

A pandemia de checagens chegou ao clímax com a “caça aos negacionistas”, mostra reportagem publicada na Edição 126 da Revista Oeste. Alguém pôs em xeque a necessidade de vacinação para certas faixas etárias ou perguntou sobre os efeitos colaterais dos imunizantes? Carimbo de fake news. Defendeu o tratamento precoce e falou de cloroquina ou ivermectina? Tarja de desinformação. Colocou em pauta a eficácia do lockdown? Cancelamento já.

As empresas de fact-checking ignoraram estudos da Universidade Harvard, por exemplo, que reconheceram a eficácia do uso preventivo de hidroxicloroquina no tratamento contra a covid-19. Depois que Bolsonaro defendeu o uso do medicamento, as agências descredibilizaram a droga. Mas não para aí. Os checadores tampouco enxergaram os estudos em laboratório da farmacêutica japonesa Kowa, que indicaram a ação antiviral da ivermectina contra a variante Ômicron. Qualquer assunto que pudesse remeter a tratamento precoce era rebaixado a “desinformação”. E ponto-final.

Foi a partir desse momento que Oeste entrou na mira das agências de checagem. Em 17 de março de 2021, por exemplo, a Aos Fatos tachou de fake news uma reportagem da revista sobre a covid-19 na cidade mineira de São Lourenço. Enquanto o restante do país era castigado pelo agravamento da tragédia, o município de 46 mil habitantes completava três semanas sem registrar mortes. Em 15 de março, não havia um único paciente internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Nossa experiência aqui foi exitosa”, concluiu o médico Walter José Lessa, prefeito da cidade. “Fazemos tratamento precoce já nos pacientes sintomáticos, no quarto dia, no máximo. Antes mesmo de chegar o resultado do exame, que às vezes demora dez dias. Essa antecipação do tratamento com azitromicina, dexametasona, ivermectina, vitamina D e zinco tem salvado nossa população.” Oeste ganhou a ação judicial contra a Aos Fatos.

O fim da pandemia impeliu as agências a procurar novos assuntos. Nesse sentido, a chegada da campanha eleitoral de 2022 serviria como uma injeção de ânimo. Mas o foco das agências seguiria o mesmo.

Bolsonaro foi um dos alvos prediletos das agências de checagem | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Amigos do consórcio

Em 27 de junho de 2022, o Estadão divulgou o que pretendia ser mais um escândalo dentro do governo federal. O jornal informou que o então presidente da Funai, Marcelo Xavier, não havia pisado em terras indígenas desde 2019, quando assumiu o cargo. Dezenas de outros sites reproduziram a notícia.

Foto: Reprodução/O Estado de S. Paulo

A nota divulgada no dia seguinte foi bem mais discreta que a primeira: “Diferentemente do que foi publicado na coluna do Estadão no dia 27 de junho, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, visitou territórios indígenas durante a sua gestão. Segundo a assessoria da Funai, há registro de dez viagens desde 2019, quando ele assumiu o cargo”. As agências de checagem não se pronunciaram.

Foto: Reprodução/O Estado de S. Paulo

Folha também tem licença para mentir. Em 12 de agosto de 2022, por exemplo, a jornalista Mônica Bergamo impulsionou uma reportagem mentirosa intitulada “Jair e Michele [sic] Bolsonaro almoçaram com Guilherme de Pádua, o assassino de Daniela Pérez”. Ela não apenas manteve a notícia falsa no ar, como também produziu mais textos sobre o assunto. Em nova publicação no jornal, Mônica informou: “Mulher de Guilherme de Pádua, assassino de Glória Perez [sic] e hoje pastor, diz que Michelle não sabia quem ela era ao tirarem uma foto”.

A propagação de notícias falsas da Folha e o silêncio das agências de fact-checking motivaram Juliana Lacerda, mulher de Pádua, a desmontar a farsa. “Gente, vazou uma foto minha com a primeira-dama, falando que sou amiga íntima dela”, relatou, num vídeo publicado nas redes sociais. “Isso é mentira. A imprensa consegue ser muito suja. Eu simplesmente estava em uma comemoração dos 50 anos do pastor Márcio, e Michelle estava na festa. Eu, como todos ali, estava na fila para tirar uma foto com a primeira-dama.”

Silêncio ensurdecedor

Implacáveis durante o governo Bolsonaro, as agências de checagem passaram a hibernar desde 1º de janeiro de 2023. Não por falta de serviço. Em 12 de maio, por exemplo, Lula disse que 700 milhões de brasileiros morreram de covid-19. E culpou a gestão Bolsonaro pela morte de 300 milhões. O palavrório desafia a matemática, visto que há pouco mais de 214 milhões de habitantes no Brasil. O silêncio das agências de fact-checking já dura sete dias.

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Não é a primeira vez que Lula mente neste ano. Em 23 de março, o petista acusou o senador Sergio Moro (União-PR) de orquestrar a Operação Sequaz, da Polícia Federal (PF), que descobriu um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) de assassinar o ex-juiz da Lava Jato. “Não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro”, disse o chefe do Executivo. “Acho que é mais uma armação, e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que vai fazer da vida, se continuar mentindo do jeito que está mentindo.” O petista fez a declaração poucos dias depois de conceder uma entrevista ao blog de extrema esquerda Brasil 247, financiado pelo Palácio do Planalto em governos anteriores do PT. Na conversa, Lula afirmou que não descansará antes de “f…” com Moro. Também confessou que pretende se vingar do ex-juiz. Até o momento, as agências de checagem não se manifestaram.

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Outros integrantes do governo também têm licença para divulgar fake news. Em janeiro, durante um painel no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que há 120 milhões de brasileiros passando fome. Esse número é mais da metade da população do país. “O mundo é desigual”, disse Marina. “Tínhamos saído do Mapa da Fome. Agora, temos 33 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia.” Contudo, um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) contradiz a ministra. O “Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional 2022” informa: o Brasil tem pouco mais de 4% da população subalimentada, equivalente a 9 milhões de pessoas. Apesar das fake news, a Aos Fatos e a Agência Lupa mantiveram o silêncio.

Dados do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional | Fonte: FAO

O antropólogo Flávio Gordon explica os motivos da inércia das agências de checagem. “Elas têm o poder de delimitar o perímetro do que pode ser dito e o que deve ser banido do debate público sob a pecha de fake news”, observou. “Como são compostas majoritariamente de militantes de esquerda, essa delimitação é política e totalitária.” Ao serem usadas pelas big techs como prova de veracidade para determinar a censura de postagens e perfis, as agências se tornam, segundo Gordon, parte fundamental de um mecanismo repressivo. “Gosto de chamá-las de agências de chekagem, com ‘k’”, disse. “Uma referência à Cheka, a antiga polícia política soviética, depois transformada em KGB.”

“As agências sempre estão ligadas a uma grande empresa de comunicação, que nunca é submetida à checagem”

O escritor e analista político Flavio Morgenstern endossa a explicação de Gordon e alerta para o perigo do conluio entre as agências de fact-checking e as big techs. “As agências sempre estão ligadas a uma grande empresa de comunicação, que nunca é submetida à checagem”, observou. “Há também a parceria delas com as big techs, que hoje são determinantes no alcance das notícias. A grande censura é feita justamente por essas empresas. Dessa maneira, as big techs escolhem como divulgar as publicações nas redes sociais com base na checagem das agências.”

É nesse cenário que o Projeto de Lei (PL) 2630/2020 pode ser aprovado pelo Congresso. Entre outras coisas, o texto prevê a criminalização de conteúdos “potencialmente ilegais”, a exigência de exclusão da “fake news” em até 24 horas e a punição às big techs que não cumprirem as determinações. E quem estaria à frente da checagem de informações falsas? As grandes agências de fact-checking. Esse é um dos motivos pelos quais a Aos Fatos e a Lupa acompanham entusiasmadas a iminente aprovação do projeto.

Escanteados das redações jornalísticas, os funcionários das agências de fact-checking ganharam uma importância que jamais teriam se exercessem verdadeiramente a profissão. Transformaram-se em censores, propagandistas da tirania e coveiros da liberdade de expressão. “O fracasso os reduziu a carrascos da informação”, observa o colunista Augusto Nunes, em artigo publicado na Edição 158 da Revista Oeste. “Não admitem a existência de jornalistas que veem as coisas como as coisas são e contam o caso como o caso foi. Acusam de golpistas os genuínos democratas. Às vezes o lado escuro parece perto da eternização no poder, mas acaba perdendo. Os farsantes perdem por ignorar que os fatos, embora frequentemente pareçam agonizantes, sempre prevalecem. A verdade não morre.”

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