Alexandre de Moraes e o ministro do STJ Benedito Gonçalves - Uma dupla a serviço do ex-presidiário Lula - Foto: Rafael Luz/STJ
Pela primeira vez no Brasil deste século, um parlamentar foi cassado por ter combatido a corrupção institucionalizada
“Será o Benedito?”, perguntaram-se incontáveis brasileiros espantados com a cassação do deputado federal Deltan Dallagnol, vítima da mais recente invenção do Poder Eleitoral: condenar alguém pelo crime de não ter sido condenado antes porque não houve motivos para julgá-lo. Pois tinha sido o Benedito — Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça em ação também no Tribunal Superior Eleitoral, Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral e relator do caso do ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato. Tudo isso graças a Lula, que enxergou um magistrado talhado para grandes missões no companheiro satisfeito com o cargo de delegado de polícia. Ainda grávido de gratidão aos 69 anos, Benedito não perde nenhuma chance de alegrar o padrinho.
Vislumbrou mais uma na confissão feita por Lula naquele sarau com jornalistas de confiança: “Só vai tá tudo bem depois que eu fodê o Moro”. Embora o alvo principal do pote até aqui de cólera seja o ex-juiz e agora senador Sergio Moro, qualquer punição imposta a protagonistas da Lava Jato deixa o atual presidente em estado de graça. Número 2 da mais eficaz ofensiva anticorrupção da História, Dallagnol vem logo depois de Moro no ranking dos que Lula gostaria de, digamos, ferrar. Para proporcionar tal prazer ao chefe que o cumprimenta com tapinhas no rosto, Benedito não hesitou em desferir um formidável tapa na cara do Brasil.
Com um só parecer, o relator do caso conseguiu seviciar a Constituição, jogar no lixo normas que regulamentam a cassação de mandatos parlamentares, inaugurar o que o jornalista Merval Pereira batizou de “interpretação premonitória” e mandar às favas os mais de 340 mil eleitores que fizeram de Dallagnol o deputado federal mais votado do Paraná. Benedito nunca descuida de Lula, mas sabe cuidar de si próprio. Há três meses, lançado por entidades subordinadas ao PT, entrou na disputa pela vaga no Supremo Tribunal Federal aberta pela aposentadoria de Ricardo Lewandowski. O favorito ainda é Cristiano Zanin, advogado de Lula. Mas Benedito é negro. E, como o ministro que acaba de sair, jamais ousará contrariar os interesses do PT em votações no Pretório Excelso.
Pela primeira vez no Brasil do século 21, um deputado federal foi cassado por ter combatido a corrupção institucionalizada por quem se julgava condenado à perpétua impunidade
(Só nesta semana, aliás, o país ficou sabendo dos dois motivos que induziram Lewandowski a cair fora do Supremo um mês antes da data limite. Primeiro: ele queria preparar com calma e requinte o jantar de despedida num hotel cinco estrelas em Paris. Segundo: assinou um contrato multimilionário com a J&F, e precisa preparar com urgência dois pareceres que a usina de bandalheiras controlada por Joesley Batista vai apresentar ao — parece mentira — Supremo Tribunal Federal. Um palavrório sustenta que a J&F tem razão no caso da Eldorado, fábrica de celulose que vendeu e nunca entregou à Paper, pertencente a um grupo indonésio, que a comprou em 2017 sem desconfiar de que entrara na selva da litigância de má-fé. No segundo parecer, Lewandowski tenta provar que, embora se recusem a pagar a multa estabelecida no acordo de delação premiada que os livrou da cadeia, os irmãos Batista não são caloteiros nem criminosos. São gente fina.)
Além de tornar mais musculosa a candidatura de Benedito ao STF, a pornográfica pirueta jurídica avisou que não há limites para a abjeção no faroeste à brasileira. Em seu começo, essa deformação obscena do original americano limitava-se a mostrar o bandido querendo culpar o mocinho. Nas produções seguintes, os vilões passaram a perseguir o xerife. Agora, os chefões da quadrilha mobilizam os juízes da capital para condenar defensores da lei à danação perpétua. Um dos símbolos da Lava Jato, Dallagnol foi instalado no Congresso por centenas de milhares de brasileiros entusiasmados com o combate à corrupção. Acaba de ser demitido por sete julgadores indignados com quem ousou enfrentar a roubalheira institucionalizada.
Performances recentes dos titulares confirmam que Benedito tem tudo para fazer bonito no Timão da Toga. Continua fazendo sucesso nas redes sociais, por exemplo, um vídeo que mostra o ministro Gilmar Mendes louvando a Lava Jato por ter desbaratado a roubalheira promovida pelo governo do PT. Há dias, sem compromisso com a coerência, o agora decano rebaixou Curitiba ao status de capital brasileira do fascismo. No momento, anda comovido com o livro que transformou Emílio Odebrecht em forte candidato a campeão mundial de produção de fake news. Numa passagem do desfile de vigarices, o empreiteiro que mais distribuiu propinas no mundo garante que confessou crimes jamais ocorridos por ter sido brutalmente pressionado. “Esse homem foi torturado!”, vem recitando Gilmar. (Como quem ficou engaiolado foi o filho Marcelo, o pai precisa explicar o que fez para se transformar no único dos vilões do Petrolão submetido a torturas na sala da empresa ou no recesso do lar.)
Parceiros de Benedito na execução sumária de Dallagnol, aprovada por unanimidade, também o recepcionarão com tambores e clarins os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e, para surpresa de ninguém, Nunes Marques, um dos dois indicados por Jair Bolsonaro. Em poucos meses no STF, tanto ele quanto André Mendonça fizeram o suficiente para merecer o avesso da frase famosa do presidente Juscelino Kubitschek: “Deus me poupou do sentimento do medo”. Ambos nasceram desprovidos de coragem. André Mendonça emudece quando aparteado pela voz abaritonada do feitor do Supremo. Nunes Marques só recupera a voz quando as sessões terminam.
Pela primeira vez no Brasil do século 21, um deputado federal foi cassado por ter combatido a corrupção institucionalizada por quem se julgava condenado à perpétua impunidade. O presidente da Câmara finge que não houve nada de mais. Ressalvados alguns bravos combatentes, a reação do plenário foi tíbia. Até os índios das tribos isoladas sabem que a próxima ofensiva terá como alvo Sergio Moro. Se não estiver contaminado pela pandemia de pusilanimidade, se entender que a bancada dos rodrigos pachecos não pode controlar a instituição, a maioria dos senadores vai impedir o que será mais que uma abusiva invasão do território do Legislativo pelo Poder Judiciário. Será o fim do regime democrático.
Parceiros de Benedito na execução sumária de Dallagnol, aprovada por unanimidade, também o recepcionarão com tambores e clarins os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e, para surpresa de ninguém, Nunes Marques, um dos dois indicados por Jair Bolsonaro. Em poucos meses no STF, tanto ele quanto André Mendonça fizeram o suficiente para merecer o avesso da frase famosa do presidente Juscelino Kubitschek: “Deus me poupou do sentimento do medo”. Ambos nasceram desprovidos de coragem. André Mendonça emudece quando aparteado pela voz abaritonada do feitor do Supremo. Nunes Marques só recupera a voz quando as sessões terminam.
Pela primeira vez no Brasil do século 21, um deputado federal foi cassado por ter combatido a corrupção institucionalizada por quem se julgava condenado à perpétua impunidade. O presidente da Câmara finge que não houve nada de mais. Ressalvados alguns bravos combatentes, a reação do plenário foi tíbia.
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Com Revista Oeste