sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"Agora querem queimar os livros de J.K. Rowling", escreve Brendan O'Neill, da Spiked

O ódio por Rowling ultrapassou o limite de louco para neofascistoide




Eis que os astros pop John e Esward Grimes, cantores e apresentadores de TV, com seus topetes arianos e seus maneirismos estranhamente intensos, não só parecem uma dupla de membros da Juventude Hitlerista que foi às compras na cadeia de lojas TK Maxx. O modo como falam só aumenta a sensação. Na semana passada, sempre ávidos por entrar na onda, mesmo que seja uma onda de ódio misógino, os gêmeos do pop irlandês sugeriram a seus seguidores do Twitter queimar o novo romance de J. K. Rowling quando for publicado. “Alguém precisa de lenha neste inverno?”, dizia o tuíte. “O próximo livro de J. K. é perfeito para queimar em uma fogueira romântica. Oh, acomodem-se, não vemos a hora.”

Deixemos de lado os níveis industriais de ousadia necessários para dois rapazes que não sabem a diferença entre um ponto de exclamação e um ponto de interrogação tentar atacar a escritora britânica mais bem-sucedida de todos os tempos. A coisa mais impressionante sobre o tuíte dos irmãos é sugerir que a queima de livros está de volta. O grito dos jovens fascistas para que o novo livro de Rowling seja queimado foi retuitado e curtido milhares de vezes, por exércitos de supostos aliados das pessoas trans que se voltaram contra a autora como ela fosse um Voldemort da vida real: uma figura maligna e desprezível cujos trabalhos deveriam ser jogados em enormes fogueiras, enquanto a multidão politicamente correta grita de prazer.

O ódio por J. K. Rowling está fora de controle. Ele vai muito além das tentativas de cancelamento diárias e dos estridentes ataques das hordas do Twitter contra qualquer um que ouse desviar-se do pensamento das elites politicamente corretas. O ódio por Rowling é muito mais cru, muito mais intenso, muito mais irracional.


O “ativismo” envolve insultar e assediar sexualmente a autora


O pecado intelectual da autora, seu crime verbal, claro, é acreditar no sexo biológico. Ela acredita que existem diferenças entre homens e mulheres. E acha que homens biológicos deveriam cair fora de espaços de mulheres em vestiários, torneios esportivos, prisões, centros de apoio a vítimas de estupro e outros. Muitos de nós concordam com ela. E por isso ela é frequentemente bombardeada com ameaças de estupro e morte. “Chupe meu pau!”, vermes sexistas tuítam para ela. Eles conclamam que a autora morra no fogo. Enviam-lhe pornografia explícita. A hashtag #RIPJKRowling repercutiu na semana passada no Twitter. Essas pessoas estão loucas. Quando seu “ativismo” envolve insultar e assediar sexualmente uma mulher por ter um pensamento que é diferente do seu, você precisa ter uma conversa séria consigo mesmo.

O ódio transtornado contra Rowling se intensificou depois que foi relatado que seu próximo romance da série Strike — a série de romances policiais que ela escreve sob o nome Robert Galbraith — terá, de pano de fundo, a história de um homem que se veste de mulher e sai por aí assassinando mulheres. “Transfobia”, as massas iluminadas e conscientes do Twitter previsivelmente gritaram. Não pela primeira vez, a fúria sexista que se volta contra Rowling foi, em grande parte, inflamada por Pink NewsA revista gay on-line empenhou-se em aplicar a mulheres céticas em relação a certos aspectos da transgeneridade o rótulo de “TERFs” — isto é, bruxas, cretinas e mulheres arrogantes que, na verdade, deveriam fazer o que os editores da Pink News mandam.

O filistinismo cego da multidão anti-Rowling se confirma no fato de que ninguém leu o romance. Ele ainda nem foi lançado. Mas, quando as hordas da censura pararão para ler, observar ou pensar de fato sobre o livro, a pintura ou o filme que querem boicotar ou queimar? A turba não é conhecida por um engajamento racional. Então, assim como os nacional-socialistas da Alemanha queriam apagar a arte degenerada, e figuras como Mary Whitehouse queriam banir peças rudes, as massas anti-Rowling também têm fantasia de atear fogo a um romance que ainda não leram porque foi escrito por uma mulher que elas desprezam irracionalmente.


Rowling lança dúvidas sobre a crença do século 21 de que a identidade do indivíduo é sacrossanta


Por que o ódio por Rowling é tão inflamado, tão instável? Parece-me haver duas razões. Primeira, a própria natureza não cancelável de J. K. Rowling enfurece essas turbas que estão tão acostumadas a extrair um mea-culpa de toda figura pública contra a qual se voltam. Rowling é grande demais, bem estabelecida demais, global demais para ser massacrada facilmente pela polícia do politicamente correto. A recusa dela a abandonar suas crenças e opiniões sobre sexo e gênero enlouquece esses autoproclamados guardiões da moral, porque os faz lembrar as limitações de seu poder censor. Sua firmeza também é um lampejo para todos os demais, um lembrete de que mesmo nesta era sombria de censura você pode manter seus princípios. E isso é intolerável para as hordas politicamente corretas que não querem nada além de conformidade inabalável de toda a sociedade a seus dogmas políticos e morais.

Em segundo lugar, a rejeição da autora da ideia de que as pessoas podem se autoidentificar com o sexo que prefiram representa um desafio para toda a igreja do identitarismo. Pode ser um desafio involuntário — tenho certeza de que Rowling não é totalmente contra as políticas identitárias —, mas, mesmo assim, é um desafio. O ceticismo em relação à transgeneridade põe em questão não apenas o direito de homens serem legalmente reconhecidos como mulheres e acessarem espaços para mulheres, mas também as culturas no narcisismo, da validação terapêutica e do conformismo — que são as pedras fundamentais da perspectiva identitária. Ela lança dúvidas sobre a crença do século 21 de que a identidade do indivíduo é sacrossanta e que a sociedade e todos os seus habitantes têm o dever de validar e se curvar a essa identidade.

Ao levantar questões contra a ideia louca de que pessoas com pênis podem literalmente ser mulheres, Rowling está questionando implicitamente o hiperindividualismo e a altíssima consideração pela política identitária. Ela ajuda a reintroduzir na discussão pequenas questões da razão coletiva e realidade objetiva — nesse caso, o fato de que a sociedade e a biologia têm uma compreensão de sexo e gênero que você não pode simplesmente eliminar como “transfobia”.

É por isso que eles a odeiam. É por isso que odeiam TERFs. Essas mulheres questionadoras são as moscas na sopa da visão de mundo identitária. A insistência de Rowling em pensarmos nos direitos das mulheres, na realidade biológica e na razão objetiva ao discutir a transgeneridade representa um golpe contra a irracionalidade da política identitária de modo mais amplo. “Queimem os livros dela!”, gritam eles, porque sabem que essa bruxa ameaça derrubar sua religião.

Leia outros textos escritos por articulistas da Spiked:

“A polêmica em torno das crianças que querem mudar de gênero”

“A nova religião dos antirracistas”

“A tirania da cultura do cancelamento”


Brendan O’Neill é editor da Spiked e apresentador do podcast da SpikedThe Brendan O’Neill Show. E siga Brendan no Instagram: @burntoakboy

Revista Oeste