sexta-feira, 28 de agosto de 2020

"Sobre bundões", por Guilherme Fiuza

Alguns elementos factuais sobre a relação entre Bolsonaro e a imprensa


Não é desejável uma relação hostil entre presidente da República e imprensa numa democracia. 

Bolsonaro formatou seu mandato para favorecer a proximidade com os jornalistas recebendo-os semanalmente — sem restrições — para cafés da manhã no palácio. 

Nem Lula nem FHC fizeram algo assim. 

Ao contrário, Lula não dava coletivas. 

Mas a estratégia foi desandando, com direito a provocações de parte a parte (Bolsonaro e imprensa) no cercadinho do Alvorada.

Após mais um episódio colocando em choque presidente e imprensa, Bolsonaro se referiu a parte dos jornalistas como “bundões”. 

Há algo errado aí, naturalmente, e não dá para topar essa descida ladeira abaixo no idioma em terreno que precisa de civilidade. 

E também é preciso verificar o contexto do qual provém o disparate presidencial.

Vamos à verificação de alguns elementos factuais desse contexto:

  • Produção de reportagens insinuando que a eleição de Bolsonaro resultou de uma manipulação da votação por meio de um golpe no WhatsApp;
  • Notícias associando o presidente da República com o assassinato de Marielle Franco a partir de falsos testemunhos;
  • Reportagens no Brasil e no exterior insinuando em contrariedade com os fatos que o governo iniciado em 2019 bateu recordes de destruição da Amazônia seguindo diretrizes de crime ambiental;
  • Especulações e pensatas na grande imprensa sobre um suposto golpe militar em articulação pelo presidente da República para o fechamento do regime, ignorando a reiteração pelo próprio presidente do seu compromisso incondicional com a democracia e a Constituição;
  • Omissão deliberada da negociação democrática do governo com o Congresso em reformas cruciais como a da Previdência e produção de reportagens — inclusive em grandes veículos estrangeiros — sugerindo que o Brasil resiste ao domínio fascista graças a um “parlamentarismo branco”;
  • Divulgação internacional de foto da primeira-dama fazendo tradução em libras com legenda transformando um dos gestos manuais dela em “continência militar”;
  • Usar o vídeo de uma menina palmeirense acenando negativamente aos seus colegas de escola corintianos para dizer que ela estava se recusando a cumprimentar Bolsonaro;
  • Tentar transformar o presidente numa pessoa insensível às vítimas da pandemia omitindo, inclusive, um ato oficial do governo em solidariedade aos mortos por covid-19;
  • Plantar especulações e notas por mais de um ano e meio “noticiando” que Paulo Guedes, o principal ministro do governo, está deixando o cargo;
  • Omitir o cumprimento de todas as metas no setor de infraestrutura para poder dizer que se trata de um governo inoperante;
  • Transformar contingenciamento de verbas orçamentárias em corte fascista na educação (e silenciar quando essas mesmas verbas são liberadas);
  • Espalhar fake news de que os Estados Unidos desistiram de indicar o Brasil para a OCDE para poder dizer que Bolsonaro é um capacho de Trump;
  • Espalhar fake news de que o STF não retirou do governo federal o poder sobre as diretrizes de funcionamento da sociedade durante a pandemia;
  • Escrever que manifestações de rua em apoio à agenda de reformas eram atos milicianos orquestrados pelo presidente contra a instituição do Congresso Nacional;
  • Publicar que um remédio para tratamento da covid que divide a classe médica é curandeirismo, apenas porque o presidente encampou a recomendação dos médicos favoráveis a essa terapêutica;
  • Silenciar sobre a violência de governadores e prefeitos contra cidadãos a pretexto de cumprir medidas sanitárias para fingir que o isolamento vertical com proteção dos vulneráveis é genocídio;
  • Minimizar o Covidão e preservar vergonhosamente governadores e prefeitos que estão no centro da roubalheira porque eles são oposição ao governo federal;
  • Silenciar sobre prisão arbitrária de jornalista em inquérito ilegal para fingir que isso é caçada a milícia fascista;
  • Apoiar censura ditatorial do STF a plataformas de alcance internacional para se fingir de justiceiro contra o fascismo;
  • Apoiar projeto de lei que finge combater fake news para instituir a mordaça nas redes sociais.

Vamos parar por aqui porque essa lista é interminável e você tem mais o que fazer. Vamos deixar só duas conclusões:

  1. Nenhum presidente deve tratar a imprensa de forma rude;
  2. Quem veiculou as fanfarras acima é bundão. No mínimo.

Sobre imprensa, lei também o artigo “Para onde vai o jornalismo”, de Selma Santa Cruz

Revista Oeste