Presidente, o senhor quer saber se uma tese jurídica é moralmente decente e válida? Só analisá-la à luz da lógica formal e informal. Um simples exemplo para elucidação:
Consideremos a tese “o STF tem a última palavra sempre.” Comecemos pela lógica formal, que apenas verifica a coerência interna do silogismo. Ou seja, pouco importa se as premissas são verdadeiras ou falsas, mas somente se a conclusão dedutiva está em sintonia com os seus enunciados. Ao argumento hipotético:
Premissa maior: O STF é guardião da CF.
Premissa menor: Tudo o que o plenário do STF decide é válido.
Conclusão: O STF diz: pedofilia é doença, e não, crime, sendo gravidez de sobrinha de 10 anos pelo titio, um ato denotativo tão só de incontrolável excesso de amor, ínsito à união estável constitucional.
Analisemos. A premissa maior é verdadeira (CF, 102); a menor, falsa. Os onze ministros são falíveis, muito falíveis (e como!), e não estão acima das leis. A conclusão é igualmente falsa: viola o CP (217-A, §1.º), a CF (227) e o ECA (lei 8069/90).
E o fato de a pedofilia ser doença (psicopatia também o é), por si, não impede a punição dura e indispensável para a garantia da segurança individual cognitiva (CF, 5.º,caput), segurança esta que traduz a confiança da pessoa no sistema jurídico, suficiente para impedi-la de cogitar fazer a justiça concreta com as próprias mãos, o que é crime (CP, 345).
Pelo contrário: apesar de ser doença incurável, o criminoso psicopata não deixa de sê-lo, por ter a plena capacidade de compreender o que faz e agir conforme este entendimento, constituindo risco permanente à segurança individual, pública e ao convívio pacífico. A pena deve ser aplicada “para ontem”. Psiquiatras de excelência que o digam.
Agora, sob a lógica informal. Dentre os parâmetros de verificação, peguemos a “coerência à luz dos fatos”. Nova hipótese, testando a tese-carcinoma “o STF tem a última palavra sempre”.
Premissa maior: O STF é guardião da CF.
Premissa menor: Toda decisão do STF deve ser cumprida pelo presidente da República, sob pena de impeachment (CF,85,VII).
Conclusão: O presidente da República, para usar a ABIN, tem que se ajoelhar e pedir clemência aos onze supremos.
Análise. Iniciemos com uma pergunta: como dizer que Jair Bolsonaro é chefe de Estado se, para ter acesso a informações de inteligência, precisa de aval prévio de onze sujeitos faticamente ilegítimos, sem votos, que, para “decidirem”, teriam que acessar, antes do próprio chefe de Estado, as informações colhidas pelo serviço de inteligência? A conta não fecha. Ao argumento:
A premissa maior é verdadeira. Porém, semanticamente, “ser guardião” da Constituição absolutamente não implica “poder para governar o país, usurpar competências e ter imunidade criminal”. Tampouco “ser o único guardião”. A premissa menor é falsa: só decisões lícitas obrigam o presidente da República, como chefe de Poder, de Estado e mandatário da soberania popular (LINDB,3.º; lei 8112/90,116,IV;CP,21; CPM,38,§2.º).
Como “especialistas” dizem, “não se interpreta a CF em tiras.” Pena que só falam isso para tentarem vulgarmente ferrar com Bolsonaro e o governo da ocasião. Não admitem até hoje a derrota nas urnas. Mas, felizmente, a desonestidade intelectual é obstáculo às suas autopretensões nefastas e inconfessáveis (salvo por um tal deputado psolista), dissimuladas de “democráticas” e “jurídicas”.
Por fim, a conclusão: falsa. Quem é titular da soberania popular e chefe supremo das Forças Armadas, responsável pela defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e segurança nacional, não é o STF (CF,1.º,parágrafo único; 84,XIII; 142).
Considerações finais. Diferentemente do que uma grande massa acrítica replica por causa de falácias entranhadas no inconsciente coletivo, não existe a ínfima possibilidade jurídica de o colegiado ou plenário do STF “constitucionalizar” invalidades, ilicitudes, crimes ou aberrações quaisquer. Isto é desconhecimento ou imaginação de conveniência de “especialistas”, insustentável na Constituição, em leis, nos fatos. Basta olhar o que vivenciamos. Enquanto não se entender isso, o país não terá jeito.
Algo “ser interpretado pelo STF” não quer dizer absolutamente nada, se a “interpretação” for mera vontade que atropela regras, usurpa competências, dissimula ilicitudes. Infelizmente, quase ninguém fala a respeito. Explicável: a “cegueira” é fruto da prisão jurídico-cognitiva e do temor reverencial supremo, derivados do politicamente correto. Prisão construída e avalizada pelos “especialistas” lambe-botas de praxe.
Descumprir ilicitudes é dever do chefe de Estado. Tão somente será crime de responsabilidade, se a decisão judicial ou a lei descumprida for lícita! Direito é lógica formal e informal. Os que negam isso, fazem-no por ao menos uma de duas razões: ignorância (não sabem lógica) ou má-fé (com a lógica, o arbítrio acaba e, junto com ele, o pseudopoder, que ainda ilude quase todos).
Como os fatos demonstram, é perigoso o presidente da República aceitar absurdos em silêncio, pois este só se presta a alimentar a tirania da toga. De modo contraintuitivo, pode-se tranquilamente afirmar que a crise institucional pelo enfrentamento do sistema de “justiça” e Congresso Nacional, na quadra atual tupiniquim, é solução para o Poder Executivo e o Brasil; jamais, problema.
Achar que romper o caos e se abrir ao novo horizonte é perigoso, é opinião que advém da inconsciência, do medo da incerteza e da comodidade inerente à zona de conforto que vem sendo assegurada pela cleptocracia socializante há anos, ao vir permitindo o exercício relativo das liberdades individuais. Relativização que, cada vez mais, está tendendo à restrição das liberdades fundamentais via totalitarismo judicial capenga, porque, na hora do “vamos ver”, a força das armas ainda pertencerá ao presidente da República.
Moral da história. Presidente Bolsonaro, já passou da hora de “virar o disco arranhado”. A música, além de supremamente tenebrosa, está desafinada e incompreensível. Os ouvidos do povão de bem já estão muito inflamados. Será cada vez mais arriscado flertar com o risco de surdez popular.
Dr. Renato Rodrigues Gomes é jurista há mais de vinte anos, Mestre em Direito Público pela UERJ, autor do livro Conscientização Política e Jurídica e também do livro Desmistificando a Falácia da Presunção de Inocência, entre outras obras. Em junho desse ano, o Dr. Renato Gomes participou de uma transmissão ao vivo do Crítica Nacional sob o título O QUE BOLSONARO PRECISA FAZER PARA GARANTIR A LEI & O EXERCÍCIO DO PODER, e que pode ser vista no vídeo abaixo.
Crítica Nacional