domingo, 23 de agosto de 2020

"O vírus e o homo sapiens. Ou como a Covid colocou de joelhos o planeta", por Marco Angeli Full

 

O cara não tinha entrega de pizza delivery, internet, camisinha, pasta dental, computador, celular...nada dessas maravilhas modernas que temos hoje.

Prova de nossa evolução estonteante, diremos nós, orgulhosos.

Afinal, somos ou não os reis do planeta, com nossa inteligência maravilhosa, dominando o resto dos pobres animais?

Para os mais otimistas, somos até uma espécie de maravilha da natureza, coisa de abençoados.

Então, o que aconteceu?

Como é possível que uma merda de um vírus tenha colocado nossa orgulhosa civilização de joelhos e feito o homem, tão orgulhoso de si próprio, voltar correndo para sua caverna, cagando - literalmente: viram a quantidade de papel higiênico que alguns estocaram? - de pavor?

Não parecia, evidentemente, que um medo primitivo, primordial, que acompanha o homem desde que ficou ereto pela primeira vez fosse capaz de desmantelar crenças e simplesmente mudar a estrutura da sociedade radicalmente.

Sim, esse medo jamais abandonou o homem orgulhoso e inteligente, rei do planeta.

O medo da morte.

Se foi um maluco dentro de um laboratório que criou essa peste ou a natureza revoltada não se sabe ao certo.

Mas não importa, realmente.

O fato é que o medo de desaparecer aterroriza o homem desde sempre, e foi usado por grandes e pequenos facínoras durante toda a história da humanidade.

As cruzadas católicas, Hitler, Stalin, Idi Amin Dada, Fidel, Maduro, o assassino Che Guevara... são só alguns exemplos dos que usaram esse medo para aterrorizar e manipular seus semelhantes e a sociedade.

Funciona bem até hoje, como se nota.

Hoje, enfiados em nossas cavernas, comendo pizza gelada, as benesses e tranqueiras que inventamos nesses milhares de anos são só um paliativo para disfarçar o fato de que, efetivamente, não somos em nada diferentes de nossos antepassados, enfiados em suas cavernas aterrorizados com medo dos trovões.

E dos outros animais.

Que, por falar nisso, hoje vivem bacaninha, em nada afetados pela praga, vivendo e procriando como sempre fizeram desde tempos primordiais.

Música, pintura, literatura...valem muito ainda, é claro.

Mas uma máscara, objeto rudimentar, um paninho, vale mais.

Tanto quanto um pedaço de pele que nosso tataravô das cavernas poderia - e usava - para proteger o rosto e o corpo.

E daí? me perguntarão.

Em 1970, durante o incêndio do Joelma - eu estava lá - aprendi uma lição importante, que me acompanha até hoje.

Percebi, naquela tragédia, o quanto nós, tão orgulhosos de nossa sabedoria, somos frágeis.

O quanto a vida é preciosa.

Especialmente ao encararmos a morte iminente.

Esse medo primordial, se usado politicamente, é capaz de colocar de joelhos nações e civilizações.

Estamos vendo acontecer.

Se vamos sair dessas cavernas ilesos, é outra história.

Nosso tri tataravô das cavernas deve estar rindo, esteja onde estiver.

E meio invejoso, claro.

Afinal, ele não tinha papel higiênico para estocar.

Mas o medo é o mesmo.

E as cagadas idem.

Marco Angeli Full

https://www.marcoangeli.com.br

Artista plástico, publicitário e diretor de criação.

Jornal da Cidade