Com popularidade em alta, o presidente vira cabo eleitoral em redutos históricos do PT e aproveita os impactos positivos do programa Casa Verde e Amarela na região
Na última quarta-feira, 25, o presidente Jair Bolsonaro assinou em cerimônia no Palácio do Planalto uma medida provisória que dá novas cores a um programa habitacional de alto impacto nas camadas de baixa renda do país, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste. O Minha Casa Minha Vida foi rebatizado de Casa Verde e Amarela. A meta é contemplar 1,6 milhão de famílias até 2024.
Na prática, haverá uma redução maior das taxas de juros de financiamento para as duas regiões — de 4,5% para 4,25% ao ano para cotistas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A intenção é disponibilizar R$ 25 bilhões do FGTS e R$ 500 milhões do Fundo de Desenvolvimento Social para o programa. Segundo a Caixa Econômica Federal, a menor taxa do Minha Casa Minha Vida é de 5%. Outro detalhe: conforme o texto da medida provisória, o Casa Verde e Amarela permite a renegociação de dívidas dos mutuários de baixa renda, o que o Minha Casa Minha Vida não permitia — a inadimplência nessa faixa de renda é de cerca de 40%.
“Deixei a minha casa com 16 anos quando entrei na Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas (SP). Até aquele momento, meu pai, com sete filhos, não tinha uma casa própria. Lembro de nos mudarmos três vezes em um ano dentro da mesma cidade porque ele precisou renegociar o aluguel”, disse o presidente, em discurso breve.
Coube ao ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, protagonista no redesenho da Previdência Social no ano passado, e ao presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, dois nomes de confiança do presidente, detalhar a ação. “Teremos um tratamento diferenciado para as regiões que historicamente têm uma condição menor em relação aos seus índices de desenvolvimento humano”, afirmou Marinho.
A medida é mais um passo de Jair Bolsonaro para avançar em um terreno do eleitorado onde o PT e seus satélites ergueram barreiras históricas para a direita no país. E a aposta parece certeira: de acordo com o último levantamento do instituto Datafolha, a aprovação ao presidente no Nordeste atingiu a marca de 33% — o mesmo índice era de 17% em agosto de 2019. Além disso, a taxa de rejeição caiu de 52% para 35%.
“O nordestino está encantado”, diz o ex-lulista Ciro Nogueira (PP-PI)
O crescimento do presidente fica ainda mais evidente durante suas agendas pelos Estados da região. Nos últimos trinta dias, Bolsonaro passou por Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte e Bahia.
Uma coletânea de fotos das recentes viagens ao Nordeste ajuda a traduzir os dados das pesquisas de opinião. A cavalo, com um chapéu de cangaceiro no aeroporto de São Raimundo Nonato, no Piauí, ou carregado nos ombros no desembarque em Aracaju (SE), foi cercado por apoiadores que há dois anos estavam do lado oposto.
“O nordestino está encantado com a atenção que o presidente vem dedicando ao Nordeste. Ele vem sendo recebido por uma multidão de pessoas, e isso é resultado do trabalho e da atenção que tem dado para o povo da região”, afirmou à Revista Oeste o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), um ex-lulista.
O novo Casa Verde e Amarela, por se tratar de uma medida provisória, ainda depende do aval do Congresso — integra uma lista que reúne também o trecho do Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco (responsável por conduzir as águas do Velho Chico ao Ceará, na barragem de Jati, região do Cariri) e a usina termelétrica de Sergipe (converte gás natural em energia elétrica), a maior obra da América Latina no seu segmento, com capacidade para atender até 16 milhões de pessoas.
Portão de embarque
No último dia 21 de agosto, Bolsonaro desembarcou no Rio Grande do Norte para inaugurar 300 unidades habitacionais na cidade de Mossoró. No mesmo dia, seguiu para Ipanguaçu, com pouco mais de 15 mil habitantes no semiárido potiguar, onde entregou 23 sistemas dessalinizadores do Programa Água Doce. Foi recebido com gritos de “Mito”, bandeiras do Brasil flamulando e faixas com aquilo que hoje o presidente tem revelado aos assessores mais próximos ser seu novo apego: “O Nordeste é Bolsonaro”. Nas palavras de um dos auxiliares que o acompanham nas viagens, chegou a brincar: “Não era só o Lula que chegava assim aqui?”. No Estado, aproveitou para anunciar que o auxílio emergencial para enfrentar a pandemia seria estendido até dezembro.
O mesmo ocorreu quando o chefe do Executivo passou por Sergipe. Emocionado com a recepção, afirmou que precisaria de todos para “fazer a diferença”. “Meu muito obrigado a todos vocês, aos que votaram e aos que não votaram em mim, porque nós juntos podemos sim fazer a diferença”, discursou. Enquanto isso, seus apoiadores respondiam com “Nossa bandeira jamais será vermelha” e “O melhor presidente do Brasil”, coro até então ouvido somente no Centro-Sul do país.
Dentro do Palácio do Planalto, a avaliação é que o presidente já conseguiu conquistar popularidade em parte significativa da faixa eleitoral na qual recebeu menos votos nas eleições de 2018. Portanto, a intenção do núcleo estratégico do governo é tentar manter a proa de subida — outras visitas ao Nordeste estão na planilha de embarques futuros até novembro.
A despeito das faíscas com a equipe econômica de Paulo Guedes, Jair Bolsonaro também recebeu notícias alvissareiras do Congresso Nacional. Alguns líderes sugeriram ao governo o redirecionamento de parte dos recursos destinados para o combate à covid-19 para financiar obras no Nordeste e no Norte: um montante de R$ 10 bilhões. Os valores integram o pacote de recursos liberados para Estados e municípios por meio dos créditos extraordinários durante a pandemia.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta orçamentária de 2021, avalia que vai sobrar dinheiro destinado ao enfrentamento da pandemia. “Não tem como a verba da covid-19 chegar a todos os Estados na ponta. Deve haver uns R$ 10 bilhões que não devem chegar. Foi muito dinheiro. O Acre, o meu Estado, não deve gastar tudo o que recebeu em saúde, vai sobrar para investimento.” Ou seja: o bolo de recursos emergenciais disponibilizado não deverá ser todo utilizado — porque o pior já passou.
Cabo eleitoral
Tão logo foram divulgadas as primeiras pesquisas indicando o crescimento da aprovação ao governo em plena pandemia, uma série de políticos que vão às urnas em novembro no Nordeste passou a disputar o apoio do presidente — oficialmente, ele afirma que não recomendará votos a nenhum candidato nas eleições municipais.
“O povo não quer saber se o candidato é de esquerda, direita ou centro. O povo quer política pública, e isso Bolsonaro tem feito, seja com a entrega de obras ou até mesmo com o auxílio emergencial. Isso se reflete em apoio”, avalia Acácio Miranda Filho, especialista em direito eleitoral do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
Em Natal (RN), o pré-candidato bolsonarista, Coronel Hélio (PRTB), apadrinhado do deputado federal General Girão (PSL), aposta que o pleito deste ano será uma extensão de 2018. “Desde que Bolsonaro se elegeu, começamos um trabalho de interiorizar as bandeiras e as ideias defendidas pelo nosso presidente. Ocupamos um espaço que antes era dominado pela esquerda, mas agora vamos ter a oportunidade de eleger prefeitos alinhados com o governo federal”, diz o pré-candidato. “Bolsonaro tem um carinho muito grande pelo Rio Grande do Norte e queremos contar com esse apoio para ter êxito no nosso projeto para Natal.”
O deputado estadual e pré-candidato a prefeito do Recife (PE) Alberto Feitosa (PSC) despeja todas as suas fichas no tabuleiro eleitoral na imagem de Bolsonaro. “Tenho certeza de que o candidato que o presidente apoiar vai conseguir vencer aqui. Se ele fizer uma visita à capital antes das eleições, a chance de esse candidato vencer ainda no primeiro turno será ainda maior”, afirma Feitosa.
Em Aracaju, onde o presidente desembarcou recentemente, Lúcio Flávio (Avante) se apresenta como a opção “bolsonarista”. Ao lançar sua pré-candidatura, afirmou categoricamente que seu projeto de governo está alinhado com o Executivo federal.
“Cada passo dado será previamente alinhado com os interesses do governo federal. Não há nenhuma dúvida de que estaremos no segundo turno, disputando as eleições com um candidato da esquerda. Com a força do povo conservador de Aracaju, daremos um basta no círculo vicioso do poder nesta cidade”, declarou.
Para o especialista em direito eleitoral Acácio Miranda, ter a imagem associada à do presidente será um fator determinante para os pré-candidatos. A equação é simples: num cenário polarizado, o patamar de largada pode levar um bolsonarista ao segundo turno em uma polarização com a esquerda.
“Na minha avaliação, essa popularidade do presidente vai ser revertida em votos. Mesmo no Nordeste, os candidatos querem estar atrelados ao atual presidente. Então, quem tiver esse apoio terá uma grande vantagem”, diz.
Oficialmente, Jair Bolsonaro diz não apoiar nenhum nome nas urnas neste ano porque seu horizonte eleitoral é 2022. Mas o que as recentes pesquisas indicam é que o avanço em terreno adversário já em 2020 deixou de ser uma missão impossível — e já pode trazer frutos (votos).
Sobre o assunto, leia também a reportagem “O fator Nordeste nas eleições de 2022”
Revista Oeste