Junto com a empresa do iPhone,
Amazon, Facebook, Google e
Microsoft serviriam como refúgio
contra a recessão causada pela
pandemia
Sob o comando de Tim Cook, a mais importante inovação da Apple nos últimos anos foi certamente sua capacidade de gerar lucro
A Apple levou 42 anos para chegar ao valor de US$ 1 trilhão. A partir daí, foram necessários apenas dois anos para se chegar aos US$ 2 trilhões. Ainda mais impressionante: todo o segundo US$ 1 trilhão da Apple veio nas 21 semanas mais recentes, enquanto a economia global encolhia a um ritmo nunca antes visto em meio à pandemia do coronavírus.
Na quarta feira, 19, a Apple se tornou a primeira empresa americana a alcançar o valor de US$ 2 trilhões quando suas ações subiram 1,2% nas negociações da manhã de segunda feira, chegando a US$ 467,78 cada. Foi outro marco para a fabricante de iPhones, computadores Mac e Apple Watches, consolidando-a como empresa de capital aberto mais valiosa do mundo e destacando os benefícios que a pandemia trouxe para as gigantes da tecnologia.
Até meados de março, o valor da Apple estava abaixo de US$ 1 trilhão, após uma queda acentuada no mercado de ações por medo do coronavírus. No dia 23 de março, pior momento do mercado esse ano, o Federal Reserve (banco central americano) anunciou novas e agressivas medidas para acalmar os investidores. Desde então, o mercado de ações (e particularmente as ações de Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, dona do Google, e Facebook) teve forte valorização, com o índice S&P 500 chegando a um novo ponto alto na terça feira, 18.
Os investidores despejaram bilhões de dólares nas gigantes da tecnologia, apostando que seu imenso tamanho e poder serviriam como refúgio contra a recessão causada pela pandemia. Somado, o valor dessas cinco empresas aumentou à razão de aproximadamente US$ 2,9 trilhões desde 23 de março, crescimento quase igual ao das 50 empresas seguintes no índice S&P 500, entre elas Berkshire Hathaway, Walmart e Disney, de acordo com a firma de análise de mercado S&P Global. Sozinha, a valorização da Apple cresceu ao ritmo de aproximadamente US$ 6,88 bilhões por dia, mais do que o valor da American Airlines.
“É uma nova rota de fuga em busca de segurança", disse o professor de finanças Aswath Damodaran, da Universidade de Nova York, que estuda o mercado de ações, a respeito da migração em massa dos investidores para as grandes empresas de tecnologia. Empresas ricas, flexíveis e digitais estão se beneficiando durante a pandemia - descrição que se aplica às gigantes da tecnologia, disse ele, acrescentando, “Essa crise reforçou posições que já eram sólidas".
A rápida ascensão da Apple até a marca dos US$ 2 trilhões é particularmente surpreendente porque a empresa não apresentou grandes novidades nos dois anos mais recentes. Ela foi simplesmente construída por um dos empresários mais bem-sucedidos da indústria da tecnologia, com tal entendimento de como as pessoas se comunicam, consomem entretenimento e fazem compras que a empresa não depende mais de inovações revolucionárias para manter seus negócios em alta.
Quando a Apple chegou à marca de US$ 1 trilhão em agosto de 2018, o resultado coroou décadas de inovação. Fundada em 1976 por Steve Jobs e Steve Wozniak, a empresa lançou produtos que transformaram o mundo, como o computador Macintosh, o iPod, a App Store e o iPhone.
Desde então, a empresa basicamente se limitou a refinar seus inventos anteriores, vendendo aparelhos com nomes como Apple Watch Series 5, AirPods Pro e iPhone 11 Pro Max. Também investiu em serviços como música, filmes e programas de TV via streaming, fornecendo notícias e vendendo assinaturas para tais serviços.
Sob o comando do diretor executivo Tim Cook, a mais importante inovação da Apple nos anos mais recentes foi certamente sua capacidade quase sem igual de gerar lucro. Cook construiu uma sofisticada cadeia global de fornecimento para produzir bilhões de dispositivos - a maioria deles montada na China - e se valeu de uma linha de produtos pensada para fidelizar os clientes no seu ecossistema, comprando novos aparelhos ao intervalo de alguns anos e pagando mensalidades para usar o conjunto de serviços digitais da Apple.
A Apple também cresceu desproporcionalmente por extrair mais dinheiro das empresas que funcionam com base em aplicativos do iPhone, acusada de cobrar 30% de algumas receitas, prática descrita como injusta.
Gigantes de tecnologia tiveram de depor no Congresso dos EUA em julho
Os negócios da empresa do Vale do Silício foram ainda mais fortalecidos com a pandemia, que obrigou a população a trabalhar, aprender e se socializar virtualmente. De abril a junho, mesmo desativado muitas de suas lojas do varejo por causa do vírus, a Apple teve lucro de US$ 11,25 bilhões, alta de 12% em relação ao resultado de um ano atrás. Todos os seus produtos tiveram alta nas vendas em todas as partes do mundo.
“Nossos produtos e serviços são muito relevantes para as vidas dos consumidores e, em alguns casos, a pandemia só acentuou essa relevância", disse Luca Maestri, diretor financeiro da Apple, em entrevista no mês passado.
Ainda assim, Maestri questionou a ideia segundo a qual a pandemia teria sido boa para os negócios. A Apple teria ganho bilhões de dólares a mais se nada disso tivesse acontecido, disse ele.
Na mais recente apresentação de resultados da empresa, Cook disse, “Nossa abordagem para a prosperidade não é de soma igual a zero". Ele acrescentou, “Nosso foco é fazer o bolo crescer, garantindo que o sucesso não seja apenas nosso, e que tudo que criamos, desenvolvemos e fazemos seja voltado para a criação de oportunidades para os demais".
A Apple não quis responder a mais perguntas.
Amazon, Microsoft, Facebook e Alphabet (proprietária do Google e do YouTube) também seguiram faturando bilhões de dólares em meio à pandemia. Sua influência desproporcional atraiu intensos esforços de investigação nos doze meses mais recentes, incluindo uma audiência envolvendo congressistas de ambos os partidos sabatinando quatro dos diretores executivos dessas empresas no mês passado.
O congressista democrata David Cicilline, de Rhode Island, presidente da subcomissão parlamentar que investiga possíveis abusos de poder das gigantes da tecnologia, alertou durante a audiência que essas empresas se tornaram poderosas demais.
“Sua capacidade de ditar termos, definir regras, subverter setores inteiros e instigar medo representa os poderes de um governo privado", disse ele. “Por mais que seja difícil de acreditar, é possível que nossa economia saia dessa crise ainda mais concentrada e consolidada do que antes.”
A Apple é a segunda empresa de capital aberto a alcançar a marca de US$ 2 trilhões. A estatal saudita Saudi Aramco, do setor do petróleo, abriu seu capital em dezembro e ultrapassou brevemente a marca de US$ 2 trilhões. Ela continuou sendo a empresa mais valiosa do mundo até ser ultrapassada pela Apple no mês passado.
Outras esperam chegar aos US$ 2 trilhões em breve. As próximas candidatas a alcançar essa marca são… Microsoft, Amazon e Alphabet. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Por Jack Nicas - The New York Times