domingo, 16 de agosto de 2020

As estratégias dos empresários que expandiram seus negócios na pandemia

 

(Getty Images)

Mesmo em meio à crise econômica, com muitas empresas do país enfrentando problemas financeiros, e no limite, fechando as portas, alguns negócios estão atravessando a pandemia com certo fôlego. Inclusive, há empresários expandindo suas operações ou até abrindo novas empresas.

Quem está remando contra a maré diz que isso se deve a um conjunto de fatores conhecidos, mas que foram essenciais: tomada de decisão rápida, gestão do fluxo de caixa e adaptação aos novos formatos de atendimento.

Apesar de conceitos comuns no dia a dia do empreendedor, colocá-los em prática de forma adequada nem sempre é fácil, ainda mais durante a crise, quando o receio e a incerteza jogam contra.

Os depoimentos sobre a estratégia utilizada estão alinhados: primeiro o controle financeiro para depois focar em abrir o novo negócio ou expandir. Sem fórmula mágica e cada um lidando com as vantagens de seus respectivos segmentos.

Agilidade e negociação com fornecedores na gestão da crise

Em 15 de março, Gabriel Fullen, que é dono das duas unidades do restaurante japonês Oguru Sushi&Bar, estava prestes a apostar em um novo estabelecimento: uma cafeteria.

“O segredo foi agir rápido. No dia 17 de março, o isolamento social – e o pânico – já eram realidade. Pausamos a inauguração, começamos a analisar como estava nosso caixa e vimos que precisaríamos de mais dinheiro. Decidimos, então, vender cupons promocionais de rodízio japonês já no dia seguinte por meio do nosso site. Era um sistema compre um, leve dois para consumir até o fim de 2021”, explica Fullen.

A estratégia funcionou: foram vendidos quase seis mil vouchers, que geraram um faturamento de cerca de R$ 600 mil para o negócio ainda em março. “Não sabíamos que a pandemia ia durar tanto, mas a decisão nos deu espaço para respirar, manter os funcionários nas duas unidades ativas e planejar os próximos passos”, explica Fullen.

Outra etapa do processo de gestão financeira foi a negociação com os fornecedores. “Combinamos novos prazos de pagamentos para nos mantermos saudáveis. A boa relação que tínhamos com os fornecedores fez diferença quando nós precisamos de ajuda. Apesar do faturamento quase 60% abaixo do normal, a partir dessas primeiras medidas, começamos a redesenhar em paralelo a abertura da cafeteria com o dinheiro que havia entrado no caixa”, contou Fullen.

Em 27 de maio, a Locale Café foi inaugurada no Itaim Bibi, em São Paulo, funcionando apenas com delivery e com o chamado grab and go, quando o cliente retira o pedido no estabelecimento e consome posteriormente em outro local.

“No primeiro mês faturamos quatro vezes o que esperávamos. Além da gestão de crise e o atendimento à distância, investimos também em dois pilares: valores compatíveis com o público-alvo e praticidade, como oferecer embalagens adequadas para viagem de cafés, salgados e doces. Unimos valor agregado e custo-benefício e vem dando certo”, afirma Fullen.

A hamburgueria Cabana também entrou no rol de empresas que está atravessando a crise com ânimo. Na última semana de julho, anunciou a inauguração de mais uma unidade na zona norte de São Paulo, totalizando nove no país, sendo oito delas na Região Metropolitana de São Paulo e uma no Rio de Janeiro. O novo restaurante teve o maior faturamento entre todas as unidades em sua primeira quinzena de operação.

“Fizemos um controle de custos violento rapidamente. Negociamos com todos os fornecedores prazos e condições e reduzimos ao máximo as despesas. Fizemos também adequações operacionais, como redução e nova gestão do estoque. Um dos maiores desafios foi ajustar o volume de ingredientes por dia. Tínhamos um padrão de quantidade, mas o delivery mudou o mix de venda: agora sai mais o básico, como hambúrguer e batata, e sobremesas, por exemplo, tiveram queda”, diz Paulo Assarito, CEO do Cabana.

Segundo ele, essa reorganização rápida em todas as unidades ajudou na retomada. Hoje o Cabana fatura 30% menos do que antes da crise. “Chegamos a ficar com um faturamento 70% menor. Então, aos poucos a situação está progredindo”, diz. A empresa pretende inaugurar nos próximos 40 dias duas novas unidades, uma em Campinas, no interior de São Paulo, e outra em Niterói, no Rio de Janeiro.

Sobre a mudança na forma de atender, Assarito diz que já utilizava o sistema de delivery antes da crise, mas teve que aprimorá-lo, já que as entregas tiveram um aumento de 350%, na pandemia.

Ele explica que o Cabana já tinha uma plataforma própria, desenvolvida no ano passado, que integra todos os aplicativos de delivery parceiros e por meio da qual chegam todos os pedidos independentemente de onde vêm.

“Também já sabíamos quais produtos viajavam melhor. Então, não tivemos que correr para nos posicionar, mas tivemos que ajustar a capacidade produtiva e de atendimento nesse canal. Redirecionamos funcionários para atendimento online, execução dos pedidos e para o contato diário com os entregadores”, explica Assarito.

Retomada a todo vapor

Em um setor completamente diferente, Vandré da Cunha, diretor comercial de uma fabricante de peças de borracha em São Paulo, também compartilha que a agilidade para se adaptar à queda de demanda foi crucial. Mas hoje a empresa já está aguardando a aprovação de crédito com o objetivo de expandir a fábrica.

“Quando a crise começou nossos clientes praticamente paralisaram as operações. Em abril nosso faturamento caiu 70%. Agir rápido fez toda a diferença e isso só foi possível porque tínhamos conhecimento do mercado que atuamos e proximidade com os clientes. Quando eles sinalizaram que ia diminuir o ritmo, não esperamos para reduzir também o compasso na fábrica”, explica.

Por isso, ainda em março, a companhia adotou férias coletivas para 80% dos funcionários da fábrica e duas semanas depois voltou a funcionar, mas com redução de jornada de 50%.

“Operamos apenas para manter um pequeno estoque. Além disso, negociamos com todos os fornecedores o parcelamento do pagamento. Todo dia planejávamos o próximo passo em linha com o que estava acontecendo no momento porque os dias estavam imprevisíveis”, explica Cunha.

Depois de atravessar abril e maio com quedas na receita e medidas mais rígidas, em junho a companhia viu seu faturamento voltar a 100% do projetado, retomou as jornadas de trabalho integrais e já voltou até mesmo a contratar. De lá para cá, foram 15 novos funcionários, aumentando o quadro para 300 no total, e em julho a empresa bateu seu recorde de faturamento mensal – o maior em 20 anos.

“Do total dos nossos clientes, 60% deles são da construção civil. O setor desacelerou em abril e maio, mas para a nossa surpresa o movimento foi forte na retomada a partir de junho e o grande responsável pelo salto nas vendas acima do esperado. Em julho não conseguimos atender a demanda de todos os clientes, por isso, a ideia é investir em novas máquinas para aumentar o volume de produção”, conta.  

O pior já passou?

Na avaliação Wilson Poit, diretor-superintendente do Sebrae-SP, o pior da crise já passou, embora a recuperação seja lenta.

“As empresas estão se adaptando bem ao novo cenário de transformação digital e às mudanças no comportamento do consumidor, cada qual em seu segmento. Quem teve uma postura de buscar a solução está se saindo melhor. É verdade que o processo de retomada não será rápido, mas vai acontecer”, afirma.

Um estudo do Sebrae sobre o impacto do coronavírus nos micro e pequenos negócios revela que o nível do faturamento está melhorando. Na média, considerando os 21 setores analisados, a queda do faturamento em relação ao patamar pré-crise passou de 70% na primeira semana de abril, para 51% na última semana de junho.

De maneira geral, a expectativa dos empresários ouvidos é otimista. “Esse é um ano de sobrevivência e de agarrar as oportunidades. Temos uma expectativa de voltar ao nível de faturamento que tínhamos antes da crise no segundo trimestre de 2021, mas já considero um bom resultado conseguirmos manter dois negócios diferentes durante a pandemia”, afirma Fullen.

Assarito, do Cabana, ressalta que a situação está melhor do que ele esperava, mas que só será possível entender os reais efeitos da pandemia depois da imunização. “Apenas com a vacina vamos saber o que fica para o setor de fato e o que foi mudança momentânea. Mesmo o delivery, que é a nova tendência, pode não manter a mesma força com o fim da pandemia”, diz.

De qualquer maneira, ele avalia que o cenário foi surpreendente. “Nos preparamos para até fechar a operação temporariamente, se o delivery não estivesse permitido. Mas como não houve esse lockdown tão rígido, foi melhor do que esperávamos”, admite.

Cunha projeta que o faturamento da fábrica vai crescer 15% em 2020 na comparação com o ano passado. “Em janeiro a projeção era de crescimento de 10% ao fim do ano. Com o início da crise, revisamos para uma queda de 10%. Mas hoje já vemos que além de não cair, vamos crescer ainda mais do que imaginávamos no pós-pandemia. A retomada está acontecendo rapidamente para o nosso segmento”, afirma.

Falta crédito

Apesar do otimismo, milhares de empresas seguem enfrentando problemas durante a pandemia. Vale lembrar que cerca de 522 mil empresas tiveram que fechar as portas só na primeira quinzena de junho diante da extensão da crise e da dificuldade de acesso à crédito, segundo dados mais recentes do IBGE.

Os empresários ressaltam que também lidam com esse problema: as linhas anunciadas pelo governo não estão disponíveis nos bancos e, quando chegam, há uma exigência alta de garantias, além da cobrança de juros considerados por muitos deles abusivos (entenda as dificuldades de acesso ao crédito dos pequenos empresários).

Fullen, da Locale Café, conta que tentou pedir um empréstimo por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), mas sem sucesso. “Seguimos aguardando a análise do Bradesco desde junho. Tivemos muitas dificuldades para entender os programas e atender às burocracias necessárias”, explica.

Cunha conta que os ajustes internos foram muito mais rígidos do que ele gostaria justamente porque a fabricante de borracha não conseguiu acesso às linhas de crédito. “Não chegou na ponta. O banco dizia que a linha ainda não estava disponível, ou quando estava cobrava juros absurdos, que chegaram a 17,5% ao ano, e garantias que não tínhamos como dar”, disse.

Giovanna Sutto, InfoMoney