quarta-feira, 22 de julho de 2020

"Governança, compliance e valor em startups", por Catarina Rattes e Guilherme Person

Catarina Rattes e Guilherme Person. FOTOS: DIVULGAÇÃO
O conceito de Startup pode ser compreendido como um negócio inovador e com alto potencial econômico em seu estágio inicial de operações. Normalmente, essas empresas focam suas energias em desenvolver produtos e/ou serviços que preencham lacunas de demanda no mercado, focadas em soluções atreladas à tecnologia ou não.
Diante do cenário atual, muitas Startups vêm propondo soluções para enfrentar desafios criados pela pandemia do coronavírus, oferecendo soluções para mitigar novos riscos e impactos negativos e, ainda, transformar o momento em uma oportunidade para alcançar crescimento pessoal e profissional.
Crises também podem significar oportunidades para muitos, especialmente, quando a empresa tem a capacidade de se (re)posicionar de forma rápida, demonstrando resiliência e celeridade na tomada de decisões estratégicas. Neste quesito, as Startups superam grandes empresas, pois conseguem lidar com as instabilidades e readequar sua estratégia de atuação com mais rapidez. No entanto, esse movimento deve ocorrer de maneira ordenada e alinhada a uma governança que, por menos sofisticada que seja, deve existir.
Apesar de Startups, normalmente, possuírem “alto potencial econômico” e desenvolverem seu planejamento estratégico focado em nichos de mercado pouco explorados, de acordo com o levantamento publicado pela Startup Farm em junho de 2016, 67% das Startups[1] não conseguem atingir seus objetivos corporativos e financeiros, encerrando suas atividades entre dois e cinco anos após sua fundação. Na maioria dos casos, a dissolução prematura das Startups é ocasionada por dissenso entre seus sócios e, principalmente, pela ausência de papéis e responsabilidades bem definidas, problemas de gestão que poderiam ser evitados com a adoção de alguns cuidados.
O desenvolvimento sustentável da Startup pode ser alcançado mediante aplicação de um sistema de governança corporativa e de mecanismos de compliance desde sua idealização. Essas ferramentas proporcionam cuidados eficazes para garantir que a Startup seja bem-sucedida. Além de contribuírem para o alinhamento de interesses entre seus sócios e colaboradores, auxiliam na preservação da imagem da empresa, proporcionando maior confiança durante a captação de recursos advindos de investidores-anjo, aceleradoras, fundos de investimento, capital semente, entre outros.
A governança corporativa consiste no sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas. A governança deve ser estruturada não apenas por grandes empresas como muitos acreditam, mas, em proporções necessárias, pode ser uma poderosa ferramenta também para Startups. Princípios de governança visam garantir uma boa comunicação interna e externa; o fomento do equilíbrio entre os interesses de sócios, colaboradores, clientes, fornecedores ou credores e os interesses da empresa; a promoção da devida manutenção dos registros contábeis; e, por fim, o respeito às leis e regulamentos (compliance).
De todos os princípios da governança corporativa, a adoção de mecanismos de compliance é uma das mais eficientes e, muitas vezes, exigida por investidores. Um sistema de compliance tem por objetivo garantir que a empresa tenha consciência dos riscos de descumprimentos legais e regulatórios aos quais está sujeita, bem como munir a empresa com as ferramentas necessárias para adequar sua atuação ao respeito às legislações e regulamentações que regem o setor em que está inserida, por meio da implementação de códigos, políticas e procedimentos para nortear a atuação de seus colaboradores.
Muitas vezes, empreendedores de Startups imaginam que a implantação de um programa de compliance representaria um custo desnecessário ou engessamento, que poderia impossibilitar o tão almejado crescimento constante e exponencial da empresa. No entanto, a implementação de um programa de compliance feito sob medida, desde a fundação da empresa, deve ser vista como um verdadeiro investimento, na medida em que torna a empresa mais atrativa e bem estruturada, sendo um verdadeiro catalizador de um processo de crescimento exponencial, orgânico e sustentável.
Ao mapear a legislação aplicável ao negócio e riscos relacionados, criar políticas, controles e procedimentos internos, treinar funcionários e definir parâmetros para contratação de novos colaboradores (know your employee) ou de fornecedores e parceiros (third party due diligence), o programa de compliance garante resguardo legal à atividade desenvolvida pela Startup. A desejada segurança jurídica é atingida a partir do desenvolvimento de procedimentos, monitoramento e controle de atividades de risco para uma atuação mais convicta e direcionada para a obtenção de resultados almejados e consequente expansão do negócio.
Não é necessário que todas as ferramentas acima sejam implementadas, e não existe “receita de bolo”. É sempre recomendável uma avaliação caso a caso para que a alocação de recursos e a construção de uma cultura de compliance sejam adequadas e capazes de gerar eficiência interna. Estas medidas são indicadas para evitar perdas e desvios da missão, visão e valores construídos no planejamento estratégico da Startup, a fim de posicioná-la em situação de vantagem em relação aos demais players do mercado.
Em suma, governança corporativa e compliance não são prerrogativas de empresas de médio ou grande porte e devem ser, sim, estratégias de gestão adequadas a qualquer modelo de negócio. Cada vez mais, a implementação de programas de compliance em Startups tem sido exigida por consumidores e, principalmente, investidores, portanto, gera credibilidade, eficiência, prevenção de perdas e consolidação de marca e reputação. A implementação de programas de compliance em Startups deve ser focada ao bem e valor agregado ao negócio, de modo a permitir a sua apresentação ao mercado como um ambiente promissor ao aporte de recursos.
*Catarina Rattes e Guilherme Person são especialistas da área de Compliance & Investigações do KLA Advogados

O Estado de São Paulo