Em um novo capítulo do embate com a Lava Jato, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta terça-feira (28) que a força-tarefa em Curitiba é uma "caixa de segredos".
"Em todo o MPF [Ministério Público Federal] no seu sistema único tem 40 terabytes. Para o funcionamento do seu sistema, a força-tarefa de Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositados, que ninguém sabe como foram escolhidos", afirmou Aras.
"Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos."
A fala do chefe do MPF ocorreu durante a webconferência Os Desafios da PGR em Tempos de Pandemia, promovida pelo grupo Prerrogativas.
Aras disse que recentemente foram descobertos 50 mil documentos invisíveis à corregedoria.
"Não podemos aceitar 50 mil documentos sob opacidade. É um estado em que o PGR não tem acesso aos processos, tampouco os órgãos superiores, e isso é incompatível", afirmou.
Ele fez o comentário ao abordar a proposta de criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) em discussão no MPF.
Críticos do modelo citam risco de excessiva centralização de poder. Um outro ponto seria também a concentração de informações de inteligência em um órgão. O coordenador dessa unidade seria escolhido por Aras, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo conselho do Ministério Público.
O pano de fundo da discussão é a desconfiança com que em geral procuradores veem Aras. Ele assumiu o comando da Procuradoria por indicação direta do presidente Jair Bolsonaro, sem ter disputado eleição interna da categoria, como seus antecessores.
O Ministério Público Federal atravessa uma crise que opõe a cúpula da instituição em Brasília e integrantes das forças-tarefas da Lava Jato.
No mês passado, a PGR tentou ter acesso aos dados armazenados pela investigação no Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo.
A força-tarefa em Curitiba recebeu a visita de Lindôra Araújo, uma das principais auxiliares de Aras, mas se recusou a entregar os dados, questionando a legalidade da busca e acusando o procurador-geral de “manobra ilegal”.
Segundo a força-tarefa, não houve comunicação de qual seria a pauta da reunião. Os procuradores afirmaram que "não foi formalizado nenhum ofício solicitando informações ou diligências, ou informando procedimento correlato, ou mesmo o propósito e o objetivo do encontro".
Sob o argumento de que o acesso tem respaldo em decisões judiciais, incluindo despacho de 2015 do então juiz Sergio Moro, Aras recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
O presidente da corte, Dias Toffoli determinou o compartilhamento de dados. Ao expedir a ordem, o ministro afirmou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público.
O procurador-geral disse nesta terça que não é dono dos destinos de 38 mil pessoas. E defende “que todo o MPF possa, de forma fundamentada, justificar para o que quer saber da vida alheia, para que isso não sirva de chantagem, extorsão”.
Em dez meses à frente do MPF, declarou Aras na live, sua gestão procurou reconduzir a instituição à sua unidade contra o que chamou de aparelhamento ocorrido em gestões anteriores.
"A nossa maior preocupação foi reconduzir [o MPF] à sua unidade", afirmou. "Não permitir que haja um aparelhamento desta instituição, que importa em segregação de muitos membros, que não concordam com este modus de fazer política institucional."
Aras ressaltou ainda que o Ministério Público vinha sendo muito mais uma instituição de independência individual de seus membros do que propriamente de unidade.
Ele ainda afirmou que buscou construir essa compreensão de unidade para, entre outros objetivos, acabar com "privilégios que alcançaram pequenos grupos, que partilharam de viagens internacionais, partilharam de favores, de cursos, de cargos".
De acordo com Aras, a atual gestão abriu todas essas oportunidades para que distintos segmentos da carreira pudessem mostrar sua capacidade e ter realização profissional.