As vistas são colossais, e impressionantes: a antena que se ergue da superfície terrestre até a estratosfera, e da qual o astronauta Roy McBride (Brad Pitt) despenca quando um pico de energia destrói a estrutura; o prateado do solo lunar no qual um comboio é perseguido por piratas antes de mergulhar no breu absoluto da face oculta; a beleza remota e azulada dos anéis de gelo que circundam Netuno. Em um filme sobre jornadas espaciais, o essencial tem de estar nas imagens — na maneira como elas evocam o desconhecido infinito que assombra e atormenta a imaginação humana. E, em Ad Astra — Rumo às Estrelas (Ad Astra, Estados Unidos, 2019), já em cartaz no país, as imagens são fantasticamente bem realizadas. Trabalhando com o cinegrafista Hoyte Van Hoytema, de Interestelar e Dunkirk, o diretor James Gray submerge o espectador em um futuro mais ou menos próximo, no qual a viagem ao espaço é já algo corriqueiro: no voo até a Lua, pode-se pedir um cobertor e um travesseiro por 125 dólares (pelo jeito, as companhias nunca vão desistir da política de cobrar por qualquer extra) e, na chegada, o que se encontra não é um corpo celeste misterioso, mas um enorme misto de aeroporto e shopping center com as mesmas marcas da Terra. Para Marte, vai-se só a trabalho, mas também a burocracia foi exportada do solo nativo para o deserto vermelho, assim como as diferenças sociais e outros vícios. E, no entanto, mesmo nesse futuro de distâncias cósmicas encurtadas, o mistério sobrevive, e se alarga e se aprofunda à medida que se viaja: os limites externos do sistema solar permanecem inexplorados e aquela grande pergunta — estamos sós, ou não? — continua sem resposta.
Astronauta exemplar, que mantém a calma em qualquer crise e põe de lado tudo o que não seja pertinente à sua missão, Roy McBride é filho de um mito da exploração espacial: Clifford McBride (Tommy Lee Jones), que décadas antes partiu para Netuno, nos confins do nosso universo próximo, justamente para tentar responder àquela pergunta. Há dezesseis anos Clifford é dado como morto e sua missão, perdida. Mas os violentos picos de energia que vêm atingindo a Terra sugerem que Clifford sobreviveu e está causando intencionalmente o estrago com a antimatéria que servia de combustível à sua nave. Por isso Roy tem de seguir para Marte, e adiante — para mandar uma mensagem ao pai que mal conheceu.
Ad Astra pode parecer um corpo estranho na filmografia do nova-iorquino Gray, cineasta de dramas íntimos como Fuga para Odessa (1994), Os Donos da Noite (2007) e Era Uma Vez em Nova York (2013), todos passados no quintal de sua casa, por assim dizer. Mas, nos filmes de Gray, o “onde” é sempre o fator que exerce pressão decisiva sobre os personagens — e, entre estes, figuram quase sempre um pai e um filho em colisão emocional. Assim, tanto o trabalho anterior de Gray — Z: A Cidade Perdida, de 2016, sobre a expedição de 1925 à Amazônia em que o inglês Percy Fawcett e seu filho desapareceram — quanto Ad Astra se mantêm atados aos seus temas básicos: o ambiente determinante e o conflito geracional.
Todo filme que equacione viagens cósmicas com jornadas existenciais, porém, trava um diálogo obrigatório com 2001 — Uma Odisseia no Espaço. Assim como Gravidade (2013), Interestelar (2014) e O Primeiro Homem (2018), Ad Astra toma a iniciativa dessa conversa na ambição, no tom e em cenas que citam o clássico de 1968 de Stanley Kubrick. Esse é o aspecto em que Gray tem êxito notável: quando confere todo o poder e a primazia aos cenários fabulosos que criou, e à fisicalidade dos atores (vale anotar que Brad Pitt tem aqui seu segundo grande momento deste ano, depois da atuação excelente em Era Uma Vez em… Hollywood). Nem todo diretor, porém, tem o sangue-frio de Kubrick para o silêncio e o que ele pode sugerir — e deixar em aberto. É aí que Gray às vezes banaliza a própria criação, com as falas e a narração em voice over que soam ora grandiloquentes, ora expositivas. No espaço, não se deveria ouvir ninguém remoer a relação.
Isabela Boscov, Veja