quarta-feira, 3 de julho de 2019

Há 15 anos, morria Marlon Brando - Um mito sem crepúsculo

A morte do astro Marlon Brando, aos 80 anos, não apaga a imagem de um ator que gerou várias vidas na tela e já era lenda



Nenhum ator teve um estilo tão influente quanto Marlon Brando. Sua voz sussurrante, os gestos estudados, a expressão entediada de quem interpretava com um pé nas costas e a mão nos bolsos, sem desafios a sua altura, tiveram centenas de alunos. Quase todos os intérpretes formados no Actor's Studio, a escola de Lee Strasbergh, baseada nos preceitos de Konstantin Stanislavski - teatrólogo russo que defendia a interpretação naturalista do personagem -, têm parentesco com o estilo de atuar de Brando, com seu jeito moderno de compor personagens sem parecer interpretá-los, dando marca pessoal a todos eles e criando a categoria do ator autoral. É possível detectar seus trejeitos em sucessos diversos, de Robert De Niro a John Malkovich, de Paul Newman a Sean Penn, mas nenhum deles tem a mesma autenticidade. Seu magnetismo não tem precedentes ou sucessores do mesmo porte.
O ator não decorava para não perder espontaneidade
Se criou pelo menos três mitos culturais, o motoqueiro rebelde Johnny Strabler de O Selvagem (1953), o mafioso Vito Corleone de O Poderoso Chefão (1972) e o Coronel Kurtz de Apocalypse Now (1979), sem falar na galeria de tipos históricos e étnicos variados (Napoleão Bonaparte, Emiliano Zapata, Júlio Cesar e até um japonês em Sayonara, de 1957), Brando morreu em baixa. Quando fechou os olhos pela última vez, na madrugada da sexta-feira 2, amargava a depressão e a ruína. Sua dívida era de US$ 20 milhões. Vivia da aposentadoria e morava sozinho em Los Angeles, em um malcuidado apartamento. O buraco financeiro foi gerado tanto pelo consumo desenfreado - do tipo alugar o Atol de Tetiaroa, na Polinésia Francesa, onde morou por 30 anos - como pelos gastos com os advogados do filho Christian, condenado em 1990 pelo assassinato do namorado da irmã Cheyenne, que, por sua vez, se enforcou em 1995 no Taiti. A família e os advogados negaram-se a revelar a causa da morte de Brando. Alegaram fidelidade à postura reservada do intérprete. Ele não enxergava bem e andava de cadeira de rodas, empurrado por uma assistente asiática. Passava horas na internet e trocava e-mails com a famosa apresentadora de TV Oprah Winfrey sobre dietas.
Brando teve uma vida movimentada e gênio de pit bull. Suas glórias na tela contrastam com os prejuízos pessoais. Filho de um casal de alcoólatras, usava o tumulto emocional como inspiração. Na adolescência, sofreu colapsos nervosos. Ao atingir a juventude, foi expulso da escola militar, depois de muitas brigas. Também vivia às turras com os diretores. Não lhes obedecia e interferia na direção. Brando não decorava nada para não sacrificar a espontaneidade. Seu método consistia em usar uma frase-chave em cada cena e improvisar quase todo o restante. Seus colegas, se mal preparados, perdiam o rebolado. Na montagem de Um Bonde Chamado Desejo, sua primeira peça importante nos anos 40 (depois adaptada para as telas, com ele como protagonista, lançada aqui como Uma Rua Chamada Pecado), enxertou cacos nas falas de Stanley Kowalski, o personagem criado pelo dramaturgo Tennessee Williams, que, ironicamente, lhe agradeceu pela melhoria do texto. Também escreveu em sua autobiografia que salvou Apocalypse Now do fracasso artístico. Teria sido dele a idéia de ficar careca e aparecer no escuro. Os admiradores não eram econômicos. "É um anjo como homem, um monstro como ator", disse certa vez Bernardo Bertolucci, que o dirigiu em O Último Tango em Paris. 

Apocalypse Now (1979) 
Deu a idéia de aparecer careca e na penumbra
Superman (1978) 
Ganhou US$ 14 milhões por poucos minutos na tela
O poderoso chefão (1972)
Imortal como Vito Corleone
O último Tango em Paris (1972) 
Momentos eróticos
O Selvagem (1953)
Início da imagem de rebelde mantida na tela e fora dela
Um Bonde Chamado Desejo (1951)
Onde Brando foi revelado no cinema
Fora da tela, além de colecionar mulheres, que nunca foram incompatíveis com seus três casamentos e nove filhos (mais dois não reconhecidos), estrelou várias polêmicas. A mais ilustre foi ao ganhar o segundo Oscar, por O Poderoso Chefão, quando mandou uma falsa índia receber o prêmio em seu lugar. Queria protestar contra as condições dos nativos americanos. Ele ganhara uma vez antes, por Sindicato de Ladrões (1954), e foi indicado em outras seis oportunidades. Tamanho prestígio nunca o levou a esconder seu objetivo: dinheiro. "A única razão para eu ainda estar em Hollywood é falta de coragem moral para recusar os cachês. Dou risada de quem me define como artista. Sou uma formiga operária que se inspira na conta bancária." Cobrava, nos últimos filmes, US$ 300 mil por dia para dar o pesado ar de sua graça. Com dificuldade para carregar seus 160 quilos, peso sustentado à base da compulsão por sorvete e fast -food, só fez personagens coadjuvantes nos últimos 25 anos. Seu derradeiro papel foi em A Última Cartada - título profético. Atuou por 15 minutos. Para interpretar o pai do Superman, ganhou US$ 3,7 milhões, mais 11% das bilheterias. No total, recebeu US$ 14 milhões. Não decorou as falas para as filmagens e pediu que fossem escritas em cartolinas para poder lê-las. Ergueu seu mito em vida e sobreviveu à ditadura da fama ligeira. Pertencia a uma linhagem hoje extinta nas telas. 

Cleber Eduardo, Epoca
Texto publicado em 02/07/2004


Mais sobre Brando

O Selvagem, 1953.






















O filme que inspirou o visual clássico do Rock N’ Roll (jeans, camiseta e jaqueta de couro). Brando interpreta Johnny, o líder de uma gangue de motoqueiros chamada “Beetles”, nome que inspirou uma certa “bandinha” inglesa...

Brando coloca humanidade e até mesmo sensibilidade no papel, interpretando um delinquente, que por fora, aparenta brutalidade e violência, mas que por dentro, em seu íntimo, é apenas um cara desorientado na vida, que procura desesperadamente por afeto.

O filme não é, digamos, um primor de roteiro e direção, mas a atuação de Brando é imortal.






Uma Rua Chamada Pecado, 1951.
 

O papel que elevou Brando ao status de ícone de beleza e sensualidade masculina.  Ao interpretar o personagem Stanley Kowalski, que era um bruto, beberrão, que vivia ás turras, com a esposa, mas que se entendia com ela na cama, Brando imortalizou sua figura usando uma camiseta e gritando “Steeeeellaaaaaa!!!!” no meio da rua, em uma cena do filme.

Vivien Leigh que interpreta sua cunhada no filme, dizem que além de encenar uma forte atração pelo personagem, a sentiu na vida real pelo ator.

O filme foi o primeiro grande papel de Brando no cinema, já que há alguns meses, Brando interpretava Kowalski no teatro, e foi escolhido para representar o personagem na versão para o cinema.





Viva Zapata!, 1952.
 

Brando interpreta o líder revolucionário mexicano Emiliano Zapata, neste brilhante filme, que tem como seu coadjuvante, o também genial ator Anthony Quinn.

Sob o comando do grande diretor Elia Kazan (e parceiro em outros filmes), Brando consegue algo extremamente raro na arte da interpretação, ele se torna a figura de Zapata, literalmente. Já vi fotos e gravuras de Zapata em livros de História, mas para mim, quando penso no revolucionário mexicano, me vem a figura de Brando à cabeça.

Brando em uma atuação quase que “espírita”, interpreta Zapata desde a adolescência, até a vida adulta, de forma impecável.

A atuação de Brando é memorável, e ele sempre disse ter gostado muito de interpretar o papel.





Sindicato de Ladrões, 1954.






















Para mim, uma das maiores atuações de Brando e do Cinema. O ator encena a vida de Terry Malloy, um ex boxeador que agora trabalha de cobrador de agiotas, que comandam um sindicato de estivadores no porto da cidade.

A cena que Brando chega ao terraço onde cria pombos, e vê os mesmos mortos por vingança, e cai em um choro desesperado é indescritivelmente bela e pungente... todos os “atores” da Rede Globo deveriam ser obrigados a assistir esta cena 1400 vezes, antes de pensarem em atuar em frente a uma câmera.

A cena no carro, onde confronta seu irmão, que foi enviado para mata-lo é outro grande momento da História do Cinema, pois além de Brando, o estupendo ator Rod Steiger brilha junto com o astro.

A beleza “indecente” e a ótima atuação da atriz Eva Marie Saint, são outros pontos fortes do filme.

Sindicato de Ladrões é com certeza, um momento sublime na carreira do astro.





O Poderoso Chefão, 1972.















O ponto mais alto da carreira artística de Marlon Brando Jr.

Depois de um período nebuloso na carreira, e na vida pessoal, como uma fênix, Brando ressurge de suas próprias cinzas, neste que é considerado pelos críticos especializados, O Maior Filme Americano de Todos os Tempos.

Brando não foi a primeira opção do estúdio, mas o diretor Francis Ford Coppola, foi irredutível na preferência por Marlon Brando no papel de Vito Corleone.

Com fama de difícil e temperamental, Brando era “persona non grata”, em Hollywood na década de 70, mas para o bem da humanidade, ele pode demonstrar todo o seu talento dando vida ao mafioso mais conhecido (e amado) do Cinema.

Acho que todo ser humano tem o dever de assistir os três filmes da saga “O Poderoso Chefão”, ao menos uma vez na vida... é uma espécie de “manual para a vida”.


Marlon Brando era um homem cheio de incertezas e inseguranças, que durante a vida, amou de maneira intensa e sincera, apenas uma pessoa, a sua própria mãe. Não me coloco na posição de juiz moral do homem, me coloco apenas na posição de grande admirador da arte, deste, que mesmo com tantos defeitos e falhas em seu caráter, foi pioneiro na luta pelos direitos civis de negros, índios, judeus, e foi uma das primeiras personalidades públicas a defender causas ecológicas e criticar o culto sem limites a fama e a "indústria das celebridades”.


“Sempre fiquei admirado com as propriedades da natureza humana que conseguem transformar uma multidão numa corja. Por algum motivo, queiram ou não, certas celebridades são tratadas como se fossem messias e são transformadas em mitos que afetam os mais profundos anseios e necessidades das pessoas. Acho hilariante o fato de o governo americano ter colocado num selo o rosto de Elvis Presley, que morreu porque tomou uma overdose de drogas. Os fãs dele não mencionam isso porque não querem renunciar ao seu mito. Deixam de lado o fato de Elvis ter sido viciado em drogas e afirmam que ele inventou o Rock n’ Roll, quando na verdade ele o retirou da cultura negra; os negros já cantavam assim havia muitos anos, até que surgiu um branco que os imitou e se transformou em astro.
É claro que a formação de mitos não se limita às celebridades nem aos líderes políticos. Todos nós criamos mitos relacionados aos nossos amigos e também aos nossos inimigos; não podemos evitar isso. Não importa se se trata de Michael Jackson ou de Richard Nixon: nós acorremos instintivamente em defesa deles porque não queremos ver os nossos mitos destruídos.
Nós inventamos qualquer desculpa para conservar os mitos que gostamos muito, mas o inverso também é verdadeiro; quando não gostamos de uma pessoa resistimos inflexivelmente a mudar de opinião, mesmo quando alguém nos mostra a sua integridade, porque é de importância vital mitificarmos deuses e demônios de nossa vida”. 




(Trovando Fiado)