sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

'Reforma da Previdência é ambiciosa', diz economista-chefe do Itaú

Mario Mesquita, em 2016 Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo
Mario Mesquita, em 2016 Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo

O economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, classificou como ambiciosa a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro, mas pondera que o relevante é saber qual será a economia efetiva que o projeto conseguirá alcançar após a tramitação do texto pelo Congresso Nacional.
Em sua avaliação, é possível que a economia em dez anos caia dos R$ 1,164 trilhão da proposta original para algo em torno de R$ 650 bilhões. Mas reforça que só a reforma, mesmo que seja pouco desidratada nas discussões com parlamentares, não garante o ajuste fiscal necessário para o equilíbrio das contas públicas.
"O ponto importante a observar é que a reforma é condição necessária para estabilizar as contas, mas não suficiente. Sem reforma, não tem chance de ajuste. Com reforma, tem chance, mas vai depender de outras medidas", disse.
Mesquita considerou acertada a estratégia de comunicação do governo para a apresentação da proposta, uma vez que ela ficou focada na necessidade de criar um sistema mais justo e não apenas na sustentabilidade das contas públicas, que tem menor apelo junto à população.
Confira os principais pontos da entrevista:
Qual a avaliação da proposta de reforma da Previdência apresentada nesta quarta-feira pelo governo? A economia de R$ 1,164 trilhão em dez anos vai ter um efeito positivo para a economia?
Mário Mesquita  – É uma proposta ambiciosa, de mais de R$ 1 trilhão e maior em relação a outra alternativa que tínhamos, que é o que ficou no Congresso Nacional da proposta do governo Temer. O texto apresentado hoje tem aspectos interessantes do ponto de vista da equidade, já que induz a uma contribuição maior de quem recebe mais e um ajuste mais intenso nas contribuições do setor público, uma vez que possuem um sistema de aposentadoria mais vantajoso. O que precisa agora é ver como será a recepção dentro do Congresso. Vamos ver se a ideia de trabalhar com um regime mais justo, sem privilégio, vai favorecer a tramitação. A sociedade já mostrou que quer isso, mas as corporações que se beneficiam desses privilégios devem se articular.
O Itaú Unibanco esperava uma economia de R$ 550 bilhões com a reforma da Previdência. Agora, com o texto completo de conhecimento público, já é possível esperar uma mudança nesse número?
Vemos um viés de alta para esse número. O Congresso vai aperfeiçoar a reforma, mas em geral isso não significa fazer uma economia maior. Vemos algum grau de desidratação, mas talvez seja menor do que a gente vinha esperando. A economia pode ficar um pouco maior, em R$ 650 bilhões ou talvez até R$ 700 bilhões. O governo vai trabalhar para que não haja desidratação. Quanto mais tiver êxito, melhor será a reação dos mercados.
Uma tramitação rápida contribuiria para a continuidade da reação positiva por parte dos mercados?
A gente trabalha com a ideia de que a reforma vai ser aprovada na Câmara dos Deputados no início do segundo semestre. Muito por conta dos prazos tradicionais, que inclui baixo quórum em junho e recesso em julho. Se o governo se articular muito bem, até poderia aprovar em junho, mas é mais provável que seja no início do segundo semestre. Chegando no Senado, a tramitação é mais rápida, então talvez entre o final de setembro e o começo de outubro possa ser votada.
Qual o destaque dessa proposta?
O caráter progressivo das alíquotas foi importante. É um jeito de fazer um regime mais progressivo, que favoreça mais os que vão se aposentar com menos recursos e dispensa valores maiores aos grupos que em geral são mais favorecidos. E em uma discussão interessante, que é a capitalização no futuro. Isso torna cada trabalhador mais responsável pela própria aposentadoria e reduz o papel do Estado. Vai ser um debate enriquecedor.
O trecho da reforma que trata dos militares será apresentado só em 30 dias. Isso não causa um mal-estar?
Já foi sinalizado que eles serão incluídos e isso é positivo. Se daqui a 30 dias isso não acontecer, aí pode ter algumas reações políticas.
O quanto da reforma da Previdência vai ajudar a melhorar o preço dos ativos brasileiros, como ações, juros e o câmbio?
Isso agora vai depender do início da tramitação e da recepção dentro da classe política. O montante de R$ 1 trilhão já era conhecido e já estava na visão do mercado há umas duas semanas. Isso foi positivo, mas para animar ainda mais os negócios, vai precisar ter sinais de que o Congresso vai acolher bem essa proposta.
Essa proposta da reforma é suficiente para estabilizar a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB)?
Não temos um novo número para essa projeção. O ponto importante a observar é que a reforma da Previdência é uma condição necessária para estabilizar a relação da dívida em termos recorrentes, ou seja, sem contar com receitas extraordinárias, como aquelas que são conseguidas com leilões. Mas só a reforma não é suficiente, mesmo que se aprove a proposta que é ambiciosa. Sem a reforma não tem chance de ajuste. Com a reforma, tem chance, mas vai depender de outras medidas, como estabelecer políticas para o reajuste do salário mínimo e dos servidores públicos.
O governo optou por trocar o termo reforma por "nova" Previdência. Esse tipo de mudança tem algum efeito prático?
Isso é uma consequência do ensinamento do processo de discussão da reforma durante o governo Temer. É muito importante garantir a solvência e sustentabilidade do regime. Vemos isso no caso do Rio, que está em crise e com efeitos sociais graves. Mas esse tema de sustentabilidade não tem tanto apelo político como o combate aos privilégios. Isso tem um valor e mostra que se trabalha por uma sociedade menos desigual. Essa mudança deve ajudar na batalha da comunicação.

Ana Paula Ribeiro, Epoca