quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"Famílias desestruturadas são fábricas de desajustados?", por Leandro Narloch

Pesquisas mostram que filhos criados sem o pai são muito mais propensos à criminalidade


Muita gente criticou o general Mourão, vice de Bolsonaro, por ele ter afirmado que a família dissociada, “eminentemente de áreas carentes, onde não há pai nem avô” é “uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas”.  
Me pareceu oportunismo de Marina Silva e Kátia Abreu se irritarem com a declaração. O general não quis culpar as mulheres pela delinquência dos jovens, mas reforçar um valor conservador: a importância de uma família bem-estruturada na criação dos filhos.
General Hamilton (PRTB), candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), concede entrevista após encontro com empresários e apoiadores da campanha
General Hamilton (PRTB), candidato a vice-presidente na chapa
de Jair Bolsonaro (PSL), concede entrevista após encontro com 
empresários e apoiadores da campanha
Michael Dantas - 14.set.2018/Folhapress
Se a afirmação for verdadeira, a culpa pela criminalidade do filho não seria da mãe, mas do homem que a abandonou sozinha com filhos nas costas. Ora, uma das reivindicações das feministas é justamente que o pai divida com a mãe o fardo da criação dos filhos.
Nesse ponto, portanto, o general e as feministas concordam –ou pelo menos deveriam concordar. Agora, se o general está certo ou errado, é difícil dizer. Depende do estudo, da estatística e da interpretação que se dá a ela.
É exagero afirmar que famílias desestruturadas são fábricas de desajustados porque, mesmo nesse tipo de família, a incidência de delinquentes é baixa. Apesar da violência não sair do noticiário, criminosos violentos ainda são uma parte pequena da população.
No entanto, uma abundância de pesquisas mostra que filhos criados sem o pai são muito mais propensos à criminalidade que os provenientes de famílias regulares. Desse ponto de vista, o general estaria certo.
Segundo o “Handbook of Crime Correlates”, um compêndio de pesquisas sobre variáveis relacionadas ao crime, “a vasta maioria dos estudos revela que crime e delinquência são mais comuns entre pessoas que vem de famílias desunidas que de famílias intactas."
No caso das metanálises, "todos os estudos concluíram que famílias desunidas parecem provocar pelo menos um leve aumento nas taxas de criminalidade, especialmente nos casos de violência grave e persistente”. Mesmo quando se controla a renda, filhos que cresceram sem o pai parecem mais propensos ao crime.  
A relação entre mães solteiras e filhos criminosos foi por muito tempo um fato consolidado. Uma dúvida surgiu no fim dos anos 1990, quando pesquisadores perceberam que nenhum estudo tinha isolado a variável genética. Filhos criados sem a figura paterna poderiam ser mais agressivos porque herdaram genes violentos do pai, que também seria mais ausente e abusivo. 
Um estudo de 2015 analisou o comportamento de filhos adotados que foram criados por mães solteiras. Não encontrou relação do tipo de família com a criminalidade. Jogou água, assim, na teoria defendida pelo general Mourão, mas abriu espaço para uma teoria ainda mais polêmica: a influência dos genes no autocontrole e no comportamento violento. 
Leandro Narloch
Jornalista, autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”. 
É mestre em filosofia pela Universidade de Londres
Folha de São Paulo