Passada a Copa, a corrida eleitoral começou de verdade. Treino é treino, jogo é jogo, mas como no clássico de Antonio Candeia, imortalizado por Cartola, o brasileiro está tão perdido que parece cantarolar “deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar”. Com a devida vênia aos futurólogos, a eleição de 2018 é a menos previsível das últimas décadas. A velha polarização PT-PSDB é coisa do passado (ainda bem!), mas o futuro, só Deus sabe.
Por mais questionáveis que sejam as pesquisas, sem contar a volatilidade do humor do brasileiro com os políticos, temos um quadro que desafia qualquer palpite. Em quase todas as eleições presidenciais após 1989, o líder das pesquisas um ano antes do pleito colocou a faixa verde e amarela no peito. Como o “preferido” de um terço dos eleitores, segundo alguns institutos de pesquisa, está vendo o sol nascer quadrado em Curitiba, e outro terço se declarando indeciso, como fazer uma previsão minimamente confiável? Impossível.
O ex-presidente, atual presidiário, apontou seu dedo para Fernando Haddad, o poste eleito por ele em 2012 para a prefeitura de São Paulo que perdeu a reeleição já no primeiro turno para João Dória, um outsider da política que sequer era unanimidade no próprio partido, uma derrota avassaladora e humilhante em praticamente todas as zonas eleitorais da capital. A malfadada gestão Haddad é lembrada obrigatoriamente todos os dias pelos paulistanos por conta das horrendas ciclovias que cortam a cidade até hoje. Com Lula preso e indicando um candidato pouco popular para o Planalto, com sua sucessora deposta por impeachment, este será o maior teste para sua capacidade de transferência de votos até hoje.
Em segundo lugar, o grande azarão desta eleição: o indeciso. Sem o inquilino VIP da carceragem da Polícia Federal na disputa, um em cada três brasileiros pesquisados diz não ter idéia para quem vai entregar o mais alto cargo público do país daqui a dois meses. Mesmo com a inclusão do nome de Fernando Haddad no lugar de Lula, o terço indeciso continua lá. E estamos falando de resultados da pesquisa estimulada, aquela em que uma cartela com os nomes dos candidatos é apresentada ao eleitor. A situação, na verdade, é ainda mais preocupante.
Na pesquisa espontânea, aquela em que o eleitor deve revelar sua preferência livremente, sem consultar uma lista pronta de candidatos, a quantidade de indecisos sobe para quase metade do eleitorado. Quando somamos os que dizem votar branco ou nulo, temos algo como 70% do total. É possível, considerando o resultado das últimas pesquisas espontâneas divulgadas, que até dois terços dos brasileiros ou não sabem em quem vão votar ou simplesmente não participarão da escolha.
O quadro não muda muito nas simulações de segundo turno. Sem considerar Lula, que está evidentemente inelegível e sua inclusão nas pesquisas serve mais a uma agenda política específica do que ao país, a quantidade de eleitores indecisos supera a soma de todos que revelaram preferência por algum candidato. A eleição está realmente começando agora, mas os resultados finais continuam tão imprevisíveis quanto possível. E isso não é bom.
Pelo “centrão”, Geraldo Alckmin tenta viabilizar seu nome ainda impopular com um discurso dissimulado e um conjunto de apoios que reúne parte da velha política que tanto sonhamos nos livrar. Álvaro Dias corre por fora como um nome alternativo para o bloco que reúne o maior número de políticos, tempo de TV e máquinas partidárias locais, mas nenhum acordo político funciona sem combinar com o eleitor que, até agora, não mostrou querer embarcar na canoa alquimista.
A grande novidade desta eleição é, sem dúvida, Jair Bolsonaro. Conseguirá o deputado unir os brasileiros que foram às ruas pedir o impeachment de Dilma ou falará apenas para sua base eleitoral já consolidada e terminará com uma votação não tão expressiva e sem apoios fora do próprio nicho político? Na primeira eleição presidencial após as garras certeiras e imperdoáveis da Lava Jato, difícil prever.
Seja qual for o resultado, um dia precisaremos discutir com seriedade a obrigatoriedade do voto, uma aberração de apenas 21 dos 230 países do mundo, segundo um relatório recente da CIA. Em países onde o voto é facultativo, o político precisa antes de qualquer coisa convencer o eleitor a sair de casa para votar, o que torna o processo ainda mais democrático e representativo. Com o voto facultativo, os currais eleitorais e os votos “de máquina” serão evidentemente esvaziados, dando oportunidade para que políticos mais representativos emerjam do lamaçal que vemos hoje.
Na noite da eleição presidencial americana de 2012, que reelegeu Barack Obama, eu estava num hospital de Los Angeles devido a um acidente do meu filho no treino de vôlei e que resultou num pequeno corte. Enquanto assistíamos a contagem de votos pela TV, o enfermeiro que dava pontos no queixo do futuro atleta nos contava que, embora tivesse votado em Obama em 2008, não havia votado na eleição que acompanhávamos ao vivo porque não se sentia devidamente informado e engajado. Ele reconhecia que, devido aos intermináveis plantões no hospital, havia acompanhado pouco a campanha e que, por isso, seu voto seria pouco informado e um desserviço à democracia americana. Esta maturidade só se conquista com mais liberdade e não menos, só quando o Estado é mínimo e não interfere na capacidade individual de questionar a própria aptidão, ou simples desejo, para votar.
O voto obrigatório pode ter a plasticidade da verdadeira democracia, mas não deixa de ser um poderoso alimento aos nossos algozes e à máquina corrupta que hoje infelizmente conduz as engrenagens do nosso país. Assim como lutamos pelo direito de votar, deveríamos também lutar pelo direito de não sermos obrigados a votar. O valor da multa para quem não vota pode parecer irrisório (R$3,51), mas eleitores que não foram às urnas em 2016 devem nada mais que R$ 98 milhões à Justiça Eleitoral, montante que vai diretamente para o Fundo Partidário. O inacreditável fundo que distribui recursos às siglas mensalmente, ainda que composto de outros recursos, tem a estimativa de receber R$ 780 milhões em 2018. O “direito” de não querer votar continua alimentando a máquina dos lobos.
Deixo algumas perguntas para um futuro debate: será que com o voto facultativo teríamos um número tão grande de indecisos em toda eleição? Será que nossos candidatos estão sempre verdadeiramente engajados com nossos anseios, necessidades e as mudanças que pedimos há décadas? Como se comportariam se a cada eleição a tarefa de cada um deles fosse nos tirar de casa e lutar, literalmente, para ter o nosso voto?
Mesmo morando fora do Brasil já há alguns anos, continuo tão interessada no futuro do país como sempre e no dia 7 de outubro estarei depositando meu voto na urna daqui mesmo, só assim temos a chance de mudar o país e nossas mazelas políticas. Enquanto isso, como diria Cartola, vamos sorrir pra não chorar.
O Estado de São Paulo