sexta-feira, 10 de agosto de 2018

"O coro dos descontentes", por Nelson Motta

Não há ditadura boa, quem já viveu em uma, de direita ou de esquerda, não esquece jamais


Acho que vou parar um pouco de debochar e esculachar o Congresso e os políticos. 

Primeiro, porque não existe alvo mais fácil, todos os odeiam; depois, todo mundo já os conhece e sabe bem quem são e do que são capazes. E ainda assim votam neles. Sim, eles são culpados pela desmoralização da representação democrática, mas não estão sozinhos, fazem parte da degradação ética que apodrece o Judiciário e o Executivo, cada um pior do que o outro. É inútil detonar só os políticos. E pode ser perigoso.

Para o cientista político espanhol Manuel Castells, “não é mais o embate entre direita e esquerda, e sim de partidos democráticos (ainda que corruptos) contra uma coalizão neoautoritária de interesses extremistas internacionais.”

Como discordar dele? O que é pior no poder: partidos corruptos ou extremistas neoautoritários? Não há mocinhos nem bandidos, tanto partidos como extremistas podem ser de esquerda ou de direita. De Trump a Bolsonaro, da Hungria à Venezuela, os que foram traídos pelos seus representantes e governos, os que testemunharam a desmoralização das instituições pela ação de seus próprios membros, pela corrupção dos partidos e dos políticos, formaram um grande coro dos descontentes, que não acreditam mais na democracia representativa. E estão dispostos a embarcar em qualquer aventura sem avaliar o preço que pode custar.

O que fazer?, perguntaria Lênin.

É possível, embora improvável, que, para evitar a extinção, um ou outro partido político possa ser saneado, que seus fins não justifiquem seus meios, que aprenda a viver numa democracia em que a vontade da maioria tem que se harmonizar com os direitos das minorias, e todos são iguais perante a lei, o resto é detalhe. Todo poder hegemônico é abominável.

Quanto aos extremistas neoautoritários, não há esperanças nem argumentos. São pessoas que perderam uma fé, e encontraram outra, ainda mais fanática e irracional. Não há ditadura boa, quem já viveu em uma, de direita ou de esquerda, não esquece jamais.


O Globo