sábado, 25 de agosto de 2018

"O Brasil no clube dos frágeis", editorial do Estadão

Jackson Hole, uma pequena cidade na região montanhosa do Wyoming, foi um dos centros mais importantes do mundo financeiro ontem, quando o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, defendeu mais uma vez a estratégia de elevação gradual dos juros nos Estados Unidos. Embora seja uma estação de inverno, ponto de atração de esquiadores, Jackson Hole é internacionalmente mais famosa no verão, quando abriga a conferência anual do Federal Reserve, a mais influente autoridade monetária do mundo.
Qualquer pista sobre a evolução dos juros e da política de crédito na maior potência econômica e financeira mexe com todos os mercados, afeta os fluxos de capitais e movimenta o câmbio. Num ano de severa turbulência cambial, com tem sido 2018, a política do Fed é especialmente importante para as economias mais vulneráveis a choques por suas fraquezas externas ou internas. O Brasil é uma delas.
Enquanto o mundo acompanhava o discurso de Jerome Powell, o Dansk Bank, um dos maiores da Europa do Norte e um dos grandes do mercado global, divulgava uma lista de “cinco novos frágeis entre os emergentes”. A relação inclui o Brasil, ao lado de Argentina, África do Sul, Rússia e Turquia. No primeiro conjunto de cinco frágeis, elaborado em 2013 por um analista do banco americano Morgan Stanley, apareciam Brasil, África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia. Várias vezes citado em listas desse tipo, o Brasil continua no grupo, embora seu balanço de pagamentos esteja saudável, a dívida externa seja pequena e o País disponha da segurança de reservas superiores a US$ 370 bilhões.
Rússia, África do Sul e Turquia têm problemas diplomáticos com os Estados Unidos, estão sujeitas a pressões e, em alguns casos, até a sanções econômicas. O caso da Turquia é agravado pela má condição de suas contas externas, pela inflação elevada e pela sujeição do banco central à influência do presidente Recep Tayyip Erdogan.
No caso do Brasil, a instabilidade cambial tem sido acentuada, segundo o banco, pela presença do ex-presidente Luiz Inácio da Silva nas pesquisas de intenções de votos e pelo risco de eleição de um político sem compromisso com a recuperação das finanças oficiais. O comentário destaca a dívida pública próxima de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e o risco de fortes pressões do mercado no caso de vitória de Lula. O cenário básico, segundo o informe, é de vitória de um candidato conservador, mas de muita instabilidade do real antes da eleição.
A inclusão do Brasil na lista dos frágeis é relevante, mesmo num relatório sem grande novidade, porque mais uma vez chama a atenção para a imagem do País no mercado financeiro global. O texto é especialmente significativo por causa da menção à dívida pública. A referência a uma proporção próxima de 90% do PIB é baseada no critério do Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelo critério brasileiro, o número está pouco abaixo de 80%. Por qualquer padrão, o endividamento é muito alto para um país emergente. Problemas desse tipo indicam risco de insolvência. Não é um risco imediato, mas está no radar do mercado financeiro e todos os candidatos à Presidência deveriam estar conscientes disso.
Antes da divulgação da lista do Dansk Bank, o Brasil já estava sujeito a fortes pressões cambiais. O real foi uma das moedas mais depreciadas neste ano. Não houve grandes danos até agora, nem o Banco Central foi forçado a elevar o juro básico para enfrentar o problema cambial. Mas o perigo permanece e pode aumentar, mesmo se o Fed continuar elevando os juros americanos muito devagar e sem transformar os sustos, frequentes até agora no mercado financeiro, em pânico.
Candidatos com algum bom senso e uma visão menos provinciana deveriam esforçar-se para tranquilizar os mercados e atenuar a turbulência cambial. Seria uma forma de evitar, entre outros efeitos, uma inflação maior e uma alta provável dos juros. O presidente eleito seria um beneficiário desse cuidado – e o País também. Mas a maioria dos candidatos parece viver em outro mundo, onde nenhum desses problemas existe ou importa.