domingo, 26 de agosto de 2018

John McCain era um dos políticos mais respeitados dos Estados Unidos

WASHINGTON — Um dia após anunciar que desistia do tratamento contra o câncer cerebral que o afligia há um ano, o senador John McCain morreu na noite deste sábado aos 81 anos. Herói de guerra, candidato à Presidência em 2008 e uma espécie de consciência crítica do Partido Republicano — se opôs a políticas de Donald Trump e de George W. Bush que considerava em desacordo com as tradições liberais americanas —, era um dos políticos mais respeitados dos Estados Unidos.

A história de McCain foi definida pela Guerra do Vietnã, onde passou cinco anos e meio como prisioneiro de guerra, o que o tornou um herói militar. Sua experiência no país do Leste asiático,onde durante muito tempo foi mantido em confinamento solitário, o tornou um opositor firme da tortura de suspeitos de terrorismo, quando a prática foi adotada depois do 11 de Setembro pelo governo de George W. Bush.

Filho e neto de almirantes, John McCain nasceu no Canal do Panamá em 1936. Entrou na política em 1982 e foi muito respeitado por correligionários e opositores, sendo classificado como um “maverick”, apelido dado a políticos independentes e com voz própria.

Por 36 anos representou o Arizona no Congresso, primeiro como deputado e depois como senador, onde apareceu pela última vez em 7 de dezembro, em cadeira de rodas. Nesta última fase, foi um dos nomes mais críticos a propostas consideradas populistas de Donald Trump, a ponto de muitos verem em sua figura o verdadeiro “líder da oposição”. McCain nunca apoiou o magnata, que chegou a afirmar que não respeitava “prisioneiros de guerra”, em um dos episódios que mais estranheza gerou dentro do partido em relação a Trump.

Senador John McCain, que luta contra tumor no cérebro, em novembro de 2017 - CHIP SOMODEVILLA / AFP

UMA VOZ DA RAZÃO

Na sexta-feira, sua família anunciou que ele deixaria de tratar seu câncer. "No ano passado, John superou as expectativas de sobrevivência. Mas o progresso da doença e o avanço inexorável da idade dão seu veredito. Com sua força de vontade habitual, ele agora decidiu descontinuar o tratamento médico", afirmou o comunicado assinado pela família do senador. "Nossa família é imensamente grata pelo apoio e carinho de todos os seus cuidadores ao longo do último ano, e pelo envio constante preocupação e carinho de muitos amigos e associados de John, e os muitos milhares de pessoas que estão mantendo-o em suas orações. Deus abençoe e agradeça a todos."

Em um tom de despedida, McCain postou uma mensagem de agradecimento no Twitter no fim da manhã de ontem: “Minha família está profundamente agradecida por todo o amor e generosidade que você nos mostrou durante o ano passado. Obrigado por todo seu apoio contínuo e suas orações. Nós não poderíamos ter chegado tão longe sem você - você nos deu força para continuar", escreveu aos cidadãos americanos. Foi sua última mensagem na rede social. O senador descobriu o câncer em julho de 2017, após a retirada de um coágulo sobre o olho esquerdo.

McCain tornou-se mundialmente famoso ao disputar as eleições americanas de 2008, quando acabou derrotado por Barack Obama. Na época, segundo especialistas, ele previu a força da nova direita no partido ao escolher Sarah Palin, então governadora do Alasca e considerada uma política radical, como sua candidata a vice-presidente.

Mesmo estando fora dos planos do partido para a disputa de 2012, se manteve como uma poderosa força de oposição ao governo de Barack Obama. Mas, moderado e independente, não seguiu automaticamente a radicalização do Partido Republicano, que parou o governo por falta de acordo sobre o Orçamento e deixou o país com um membro a menos na Suprema Corte.

"Compartilhávamos, apesar de todas as nossas diferenças, uma fidelidade a algo maior: os ideias pelos quais gerações de americanos e imigrantes lutaram, marcharam e se sacrificaram igualmente. Nós víamos este país como um lugar onde nada é impossível", disse Obama em nota de pesar.

Formado na Guerra Fria, McCain manteve uma linha dura em relação à Rússia depois do fim da União Soviética. Em julho, ele criticou o presidente Trump por não tomar uma posição mais dura em relação ao presidente russo, Vladimir Putin, na cúpula de Helsinque, criticando o desempenho do presidente como "vergonhoso" e a própria cúpula como um "erro trágico". No mês anterior, McCain criticou as políticas comerciais de Trump, dizendo a aliados após a cúpula do G7 que "os americanos estão com vocês, mesmo que nosso presidente não esteja".

McCain afirmava que sua visão de país foi definida quando era criança, em parte pela inspiração militar da família:

— Eu fui criado em uma família militar, dentro do conceito e crença de que o dever e a honra ao são um símbolo do comportamento que temos que exibir todos os dias — disse ele a Lesley Stahl do programa“ 60 Minutes ”da CBS no início deste ano.

Namorador na juventude, McCain citou um romance breve com uma carioca no seu livro de memórias “Faith of My Fathers”. Considerado leal e digno, recebeu na noite de sábado condolências do desafeto Donald Trump nas redes sociais: “Minhas mais profundas simpatias e respeito vão para a família do senador John McCain. Nossos corações e orações estão com você!”, escreveu o presidente no Twitter.

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Henrique Gomes Batista, O Globo