terça-feira, 28 de agosto de 2018

Com empate, julgamento de denúncia por racismo contra Bolsonaro é adiado


O ministro Marco Aurélio Mello, durante sessão da Primeira Turma do STF - Jorge William / Agência O Globo

O julgamento da denúncia por racismo contra candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, foi interrompido nesta terça-feira, e deve ser retomado na próxima semana pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o momento, dois ministros votaram pelo recebimento da denúncia, e dois foram contra. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, pediu vista. Ele prometeu devolver o caso na próxima terça-feira, quando a votação será concluída.

Os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux votaram pela rejeição da denúncia, com o arquivamento do caso. Para eles, tratou-se de uma crítica contundente a políticas públicas brasileiras. Ambos ressaltaram que a Constituição Federal proíbe a censura e garante a liberdade de expressão de todos. Marco Aurélio acrescentou, ainda, que Bolsonaro está protegido pela imunidade parlamentar – e, portanto, tem a garantia de manifestar suas ideias livremente.

Os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber votaram pelo recebimento da denúncia por racismo na forma como mencionou quilombolas e gays. Eles acrescentaram também as práticas de apologia e incitação ao crime, que não haviam sido incluídos na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em relação aos estrangeiros e às mulheres, os ministros concordaram em não enquadrar as falas em prática criminosa.

Se a denúncia for recebida, Bolsonaro será réu pela segunda vez. Ele já responde a uma ação penal por ter dito que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada, por ser “muito feia”. Mas os processos não terão impacto direto na candidatura dele. Pela Lei da Ficha Limpa, condenados não podem concorrer às eleições. No caso de Bolsonaro, ele ainda não foi julgado, está apenas sendo investigado.

Bolsonaro foi acusado da prática de racismo a partir de uma palestra que ele deu no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em abril do ano passado. Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ele foi preconceituoso contra quilombolas, refugiados e gays.
— Eu fui em um quilombo em Eldorado Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais _ disse o parlamentar no evento.

Em relação aos estrangeiros, Bolsonaro disse que o Brasil não pode virar “casa da mãe Joana”:

— Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma indiscriminada.
Na mesma ocasião, o deputado afirmou que, se visse dois homens se beijando na rua, bateria em ambos. E que preferiria ver o filho morto do que assumindo eventual homossexualidade. Por fim, Bolsonaro disse que tem quatro filhos homens e, na quinta, deu uma “fraquejada”, porque nasceu uma mulher.

A PGR afirmou, na denúncia, que o uso da palavra “arroba” para se referir ao peso dos quilombolas, assim como a declaração de que eles não serviriam “nem para procriador”, revelam que o deputado comparou um povo a animais. Para Marco Aurélio, o candidato não tentou desumanizar os quilombolas.

— A utilização do vocábulo não configura ato de desumanização dos quilombolas. Tratou-se de crítica à política de migração adotada pelo governo, não configurando conduta discriminatória ou xenofóbica — disse Marco Aurélio.

Barroso, por outro lado, considerou que rejeitar a denúncia seria passar uma "mensagem errada":

— Eu penso que o modo como nessas declarações foram tratados negros, quilombolas e gays comportam recebimento da denúncia e o prosseguimento do processo para que se verifique o dolo, para que se ouçam as pessoas que estavam presentes. Acho que não receber essa denúncia diante da gravidade dessas alocuções significaria passar para sociedade a mensagem errada de que se pode tratar com menosprezo as pessoas negras e homossexuais, e eu não gostaria de passar essa mensagem — disse.

O ministro afirmou que o direito constitucional brasileiro não admite discurso de ódio contra grupos minoritário historicamente vulneráveis. Ele acrescentou que, em 2016, 343 pessoas da comunidade LGBT foram assassinadas no Brasil. No ano seguinte, o número saltou para 444.

— A homofobia mata e, portanto, não podemos tratar com indiferença um discurso de agressão física de pessoas que já sofrem outras dificuldades na vida — concluiu Barroso.

Em sua defesa, os advogados de Bolsonaro alegaram que as afirmações não foram preconceituosas ou discriminatórias e, mesmo que sejam consideradas dessa forma, seriam protegidas pela imunidade parlamentar. Pelas mesmas declarações, Bolsonaro já foi condenado, pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, a pagar R$ 50 mil por danos morais coletivos para comunidades quilombolas e à população negra em geral, em uma ação movida pelo Ministério Público Federal no estado.


 

Carolina Brígido, O Globo