quinta-feira, 23 de agosto de 2018

"Brasil precisa restituir confiança na política", diz Laura Chinchilla, observadora da OEA para as eleições


Laura Chinchilla, cientista política e ex-presidente da Costa Rica, em São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Pela primeira vez, o Brasil receberá um observador internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA) para acompanhar um processo eleitoral. A chefia da missão coube a Laura Chinchilla, presidente da Costa Rica de 2010 a 2014, que executou o mesmo trabalho nos Estados Unidos, em 2016.

Em entrevista a ÉPOCA, Laura fala sobre a influência de redes sociais nas eleições, a falta de participação de mulheres na política brasileira e diz que, observando os últimos resultados eleitorais da América Latina, dá para concluir que surpresas "estão na moda": 

"Candidatos que não lideram nas pesquisas no fim das contas ultrapassam os demais. É difícil antecipar quem vai avançar no Brasil".

Formada em ciências políticas, Laura faz um apelo para que o eleitor não deixe de voltar e declara que, após um momento conturbado, o Brasil "precisa restituir a confiança na política".

Como funcionará a primeira missão da OEA em uma eleição presidencial no Brasil?
Laura Chinchilla: As missões, em geral, têm o mesmo formato. Analisamos o acesso dos cidadãos à votação e temas delicados como financiamento eleitoral e o uso de tecnologias digitais. Teremos cerca de 60 especialistas em diferentes pontos do país.

O convite tem a ver com o momento político do Brasil, depois de uma eleição seguida de impeachment da presidente Dilma?
LC: Temos casos de países que nos convidaram pela primeira vez e nos quais se levantou que [o convite] teria a ver com alguma particularidade da eleição em questão. Não é verdade. O convite do Brasil foi feito antes que se definisse a conjuntura eleitoral. Nos Estados Unidos, em 2016 [missão também liderada por Laura], a OEA foi convidada antes que se soubesse quem seriam os candidatos. Mas é preciso reconhecer que alguns países vivem momentos complexos. E é a complexidade própria da democracia nestes tempos modernos. Não é exclusividade do Brasil.

Mas diante da comunidade internacional, após uma eleição conturbada, não seria interessante uma visita da OEA?
LC: Claro que gostaríamos de ter vindo antes. Mas viremos agora. Às vezes se confunde até onde vai o papel de uma missão de observação eleitoral. Nosso trabalho é nos concentrarmos nos processos. Se essa eleição tem alguma controvérsia já na dinâmica da campanha, das discussões dos debates e das figuras que se candidatam, é algo que devemos separar do que é a missão fundamental, que é observar como as regras e os procedimentos são aplicados, e comparar aos padrões internacionais.

Como compara a experiência nas eleições de 2016 nos EUA com essa no Brasil?
LC: Existe cada vez mais preocupação com os processos eleitorais. O Brasil tem um sistema assentado, confiável. Mas surgem outros temas que colocam em xeque os processos eleitorais. Talvez o mais crítico seja o uso das tecnologias digitais e das redes sociais. Vamos observar isso no Brasil. Assim como o tema de financiamento eleitoral, que passou por uma reforma importante no país. Nos EUA, a maior preocupação foi que se chegou um pouco tarde para enfrentar uma incidência desses novos fenômenos de tecnologia digital nas eleições. O caso americano marcou um antes e um depois na geração de alertas das autoridades eleitorais sobre isso. A lição serviu. Órgãos eleitorais estão criando regras para evitar que algo similar aconteça em outros países.

No Brasil, temos um candidato a quem muitos chamam de "Trump brasileiro", que é o Jair Bolsonaro. Já ouviu falar dele?
LC: Entramos em contato com as campanhas de todos os partidos que concorrem às eleições presidenciais. São muitos candidatos concorrendo no Brasil, 13, e todos merecem igualmente nossa atenção. Claro que há mensagens e mensagens, mas não cabe a nós, como missão, julgá-las.

Há algum candidato que chame sua atenção?
LC: Não posso dizer. Tendemos a acompanhar muito de perto quem participa dos debates e as tendências nas pesquisas. Mas, observando os resultados recentes de eleições na América Latina, vemos que as surpresas estão na moda. Candidatos que não lideram nas pesquisas no fim das contas ultrapassam os demais. É difícil antecipar quem vai avançar no Brasil. Mas ao que tudo indica haverá um segundo turno e teremos de vir para o processo eleitoral não só uma, mas duas vezes.

Considerando eleições recentes na América Latina, existe uma tendência na região?
LC: Ideologicamente, não. Alguns gostam de dizer que damos um giro à esquerda, depois para a direita, e depois de novo para a esquerda. Na verdade, com poucas exceções, a regra que parece prevalecer é a oscilação não ideológica, mas de mudanças nos governos. Como cresceram a antipatia e a irritação do eleitorado com problemas sem resolver, é como se os cidadãos jogassem a conta para os partidos que estão governando. E buscam outras alternativas. É um padrão que temos observado. Se vai acontecer o mesmo com o Brasil é difícil dizer, ainda mais com a indefinição no quadro de candidatos. Tomara que isso não se manifeste em baixa votação nas urnas.

O que a experiência recente do México nas urnas pode ensinar ao Brasil?
LC: Alguns elementos que preocupam o eleitorado são comuns entre os dois países. Principalmente violência e corrupção. Isso poderia levar a um voto motivado mais por reação ao status quo. No final, o México foi numa direção, e a Colômbia, por exemplo, em outra. Mas por isso mesmo os candidatos têm a obrigação de fazer uma campanha de ideias consistentes, para garantir que os eleitores estejam bem informados.

No atual momento político do Brasil, de indefinições e movimentos que pedem intervenção militar, que importância ganham as atuais eleições?
LC: Todas as eleições são importantes. Às vezes tendemos a minimizar sua importância quando um país vive um estado de normalidade da democracia, e então é aí que nos descuidamos dela e tomamos as maiores surpresas. Há muito em jogo no Brasil. E um eleitorado com grandes expectativas. Isso torna essa eleição, sem dúvida, uma das mais importantes que o Brasil já teve. Sem contar que são muitos cargos em disputa, não só o de presidente. Da noite para o dia haverá mudanças no Congresso, parte do Senado, governadores...

Nesse cenário, qual diria que será o maior desafio do próximo presidente do Brasil?
LC: Existem desafios em termos de violência, área criminal, reativação econômica, integridade no exercício da função pública. Mas resumiria tudo isso em restituir a confiança na política. Quando isso não acontece, as pessoas perdem a fé na democracia. E a culpa não é da democracia, mas de quem representa as instituições da democracia.

A senhora é titular da cátedra José Bonifácio, na Universidade de São Paulo (USP), e em uma das aulas tratou sobre a responsabilidade dos governantes. Não parece uma preocupação em baixa entre os políticos de hoje?
LC: São momentos cada vez mais complexos para governar. Isso não exime [de culpa] a deterioração na qualidade de liderança em alguns países da região, mas também é preciso reconhecer que é cada vez mais complexo governar uma nação. Seja por fatores externos que limitam o alcance das decisões soberanas de um país em um mundo globalizado, seja por reformas em nossos sistemas políticos. O que vemos são sistemas presidencialistas que se caracterizam por uma grande rigidez governando em um marco de excessiva atomização de representação política nos Congressos. A construção de acordos e consensos se tornou um processo muito mais difícil. Isso faz com que se limite cada vez mais a decisão dos governantes e com que haja cada vez mais distância entre vontade política, possibilidade real de fazer algo e expectativa dos cidadãos. E quando se perde a fé na democracia aumenta o risco de governos de características antidemocráticas, o que já vemos em países como Venezuela e Nicarágua.

A senhora foi a primeira mulher presidente na Costa Rica. No Brasil, criaram-se cotas para mulheres na política. Estamos longe de uma igualdade de gênero nessa área?
LC: Chama a atenção que o Brasil, ao contrário da maioria dos países da região, tenha ficado tão atrasado em abrir espaços para a representação feminina no exercício de cargos políticos. Brasil e Guatemala estão nas posições mais baixas. Isso num momento em que 15 países da região estão em ciclo eleitoral até 2019 e em que temos quatro ou cinco países com níveis quase de igualdade entre homens e mulheres na política: Bolívia, Costa Rica, México, Argentina... Não costumamos adiantar recomendações, mas é um caso tão evidente que é muito provável que, como missão, recomendemos ao Brasil que preste atenção a que outros países fizeram bem. E quase sempre passa, inevitavelmente, por impor um sistema de cotas. É muito difícil que de maneira voluntária se consiga esse convite à participação das mulheres. A política é competitiva. Quem já está dentro não quer sair. E quem esteve até então, tradicionalmente, são homens. Há que forçar essa mudança.

Algum país na América Latina conseguiu desapegar-se de seu passado colonial e caminhar para um cenário de mais igualdade, avanços na economia e desenvolvimento?
LC: Há mudanças importantes. Nas últimas duas décadas, vários países trilharam caminhos de inserção na economia global, como México, Costa Rica, Chile. São economias com produção fortemente ligada às grandes cadeias globais de valor e muito competitivos na atração de investimentos em setores de alta tecnologia. Mas é fato que precisamos fazer mais para dar esse salto final. Talvez o principal pecado da América Latina seja que consegue avançar, mas se deixa prender em níveis de mediocridade. Ficamos na faixa média de desenvolvimento, de ingressos, de competitividade. A maior esperança na região é a Aliança do Pacífico. É um conceito de integração já não sobre bases ideológicas ou políticas, como de alguma maneira o Mercosul se inspirou, e não só pela proximidade geográfica, como o Caricom, mas sobre a base de elementos comuns que inspiram essas economias – estado de direito, inovação, competitividade...

No Brasil, temos 13 presidenciáveis. Se votasse aqui, votaria em algum deles?
LC: O que posso dizer é que certamentevotaria. Quando se fala em uma oferta de 13 candidatos, onde há de tudo do ponto de vista de formação profissional e trajetória pessoal, não há desculpas para não votar.


Elisa Martins, Epoca