Vivia cercado por cozinheiros, copeiros, arrumadeiras, garçons e seguranças, e convivia com um acervo de cerca de 3.500 obras de arte distribuídas pelo prédio. Desde que se afastou do cargo para concorrer pela segunda vez à Presidência da República, Alckmin passou a despachar num escritório alugado no bairro do Itaim Bibi, na região sul da capital.
Voltou a morar em seu apartamento no Morumbi, a alguns quilômetros dali. Modesto, o imóvel virou motivo de deboche entre aliados. “O apartamento do Geraldo precisa de um guarda de trânsito”, disse um apoiador, emendando um suspense antes de terminar a piada. “Senão a cozinha acaba invadindo a sala.”
Em apenas quatro meses longe do governo, Alckmin já teve incontáveis doses de realidade — e não só de ordem doméstica. Por enquanto, de acordo com as pesquisas, a fatia do eleitorado disposta a votar nele tem mais o tamanho de uma quitinete do que do palácio onde vivia. Na mais recente, divulgada no dia 22 pelo Datafolha, ele amarga a rabeira do primeiro pelotão, com 9% das intenções de voto, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), com 22%, de Marina Silva (Rede), com 16%, e de Ciro Gomes (PDT), com 10%. Aquela polarização PT-PSDB, que há 12 anos o colocou como candidato competitivo quase automaticamente, se esvaiu. Num quadro pulverizado, Alckmin não tem garantida a visibilidade que candidatos tucanos se acostumaram a ter nos 20 anos anteriores.
Alckmin está nessa posição desde que os levantamentos começaram a ser levados mais a sério. Apesar de ter governado São Paulo por três mandatos e deixado o governo com 36% de aprovação, ele aparece empatado com Bolsonaro no estado. Bolsonaro canibaliza seus votos. Fragilidades como essa e a imobilidade nas pesquisas enervam aliados tucanos e não tucanos — e até o próprio candidato. No início de junho, após ouvir lamúrias de meia dúzia de correligionários que o acompanhavam em um jantar em São Paulo, Alckmin jogou o guardanapo na mesa, elevou a voz e disse que o partido poderia buscar outro nome se quisesse. O sempre controlado Alckmin assustou os colegas.
A segunda candidatura à Presidência da República é mais difícil do que a primeira, em 2006. Sem o barulho feito por Bolsonaro nas redes sociais e o recall bonzinho de Marina Silva, Alckmin aposta tudo na propaganda na televisão para se fazer ouvir, crescer e chegar ao segundo turno. Sua maior conquista política até agora foi nessa direção, o apoio do centrão — o conjunto de partidos fisiológicos formado por DEM, PP, PR, PRB e SD —, que lhe rendeu mais de três minutos e a posição de candidato com a maior fatia de tempo de televisão.
A turma, no entanto, não é de fidelidades. Tempo de televisão é uma coisa, campanha na rua é outra. No dia 17, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira — alvo de quatro inquéritos na Lava Jato —, subiu num palanque em Teresina com Fernando Haddad, o vice que será candidato a presidente pelo PT. “Vamos em frente, é Lula, Haddad, Wellington, Regina, Ciro (Nogueira) e Marcelo, para o bem do Piauí, vamos em frente!”, disse em seu discurso. Ciro é Alckmin na televisão para o Brasil, mas é Lula no peito na hora de pedir votos no Piauí, onde o ex-presidente preso em Curitiba tem disparado a maioria das intenções de voto.
Traições explícitas assim são coisas da política, e o mico que elas representam é o preço alto a pagar por um ativo. “Temos um quadro pluripartidário e artificial. Não vejo nenhum problema nisso”, afirmou Alckmin dias depois. Um aliado foi mais pragmático e menos elegante. “De prostituta você não pode exigir fidelidade”, resumiu. Principalmente no Nordeste, deslealdades semelhantes podem ocorrer também por parte de outras siglas que compõem a coligação, como PPS, PTB e PSD. Alckmin acha que vale a pena. Há meses, ele prega que crescerá nas pesquisas quando seu rosto for exposto mais que o dos outros na televisão, durante 35 dias. Aliados aguardam com ansiedade a realização da profecia — se é que, nesta campanha impulsionada por redes sociais e WhatsApp, tempo de TV venha a fazer tanta diferença quanto nas passadas.
O fraco desempenho nas intenções de voto, algo incomum para um presidenciável tucano, sempre foi o principal entrave para Alckmin se viabilizar dentro e fora do partido. A vaga de presidenciável teve de ser conquistada no bico, como dizem no tucanato, numa disputa com quem ele menos esperava, o então aliado João Doria, que o próprio Alckmin ajudou a eleger prefeito de São Paulo em 2016. Não esperava que o afilhado político tentasse dar um salto e ser ele próprio o candidato. Gestos como um jantar de Doria com o presidente Michel Temer pioraram a relação. Conhecido tanto pela repetição das mesmas frases há anos como pela discrição, Alckmin não confidenciou sobre o entrevero com Doria nem mesmo às pessoas mais próximas.
Uma das raras demonstrações de sua insatisfação se deu em abril passado, durante uma visita de cortesia do deputado Campos Machado (PTB-SP), amigo e aliado político, ao Palácio dos Bandeirantes. Machado foi ao gabinete de Alckmin para se colocar à disposição para denunciar a falta de lealdade de Doria e o que chama de tentativa dele de boicotar o ex-padrinho — o que fez da tribuna logo depois. Segundo Campos Machado, entre outras manobras, Doria estava usando sua influência sobre parte da ala tucana de deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo para travar as pautas encaminhadas pelo governo.
Alckmin se manteve em silêncio durante quase toda a conversa. Então olhou para cima e citou um ensinamento do pai, o veterinário e ex-seminarista Geraldo José Rodrigues Alckmin, sua maior referência de vida. “Meu pai me dizia: ‘Traição é uma questão de escolha’”. E mudou de assunto.
Com a candidatura aceita, Alckmin repetiu a postura de 2006. Pegou muita fila em aeroporto para convencer outros partidos a apoiá-lo. Foram inúmeros voos de carreira para Brasília para negociações, em especial com o centrão. Vem dessas andanças uma baixa: a perda da carteira, durante um voo para a capital federal, na qual guardava um tesouro familiar — uma foto antiga do filho Thomaz, morto num acidente aéreo em 2015, e um bilhete escrito pelo pai, falecido nos anos 90.
Entre as diferenças em relação a 2006 está a Operação Lava Jato. Há 12 anos, Alckmin podia fazer o discurso da honestidade. Afinal, seu concorrente na ocasião, o então presidente Lula, tinha em seu encalço o mensalão. Se a Lava Jato prendeu Lula e dizimou o PT e muitos aliados, tem também como inquilinos parte do centrão que apoia Alckmin e o próprio ex-governador.
Alckmin é investigado em dois inquéritos, um civil e o outro criminal — este último convertido em eleitoral — por improbidade administrativa, suspeito de ter recebido R$ 10,3 milhões da Odebrecht para abastecer suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014, em forma de caixa dois. Seu cunhado, o empresário paulistano Adhemar César Ribeiro, irmão da então primeira-dama, Lu Alckmin, é um dos suspeitos de intermediar o recebimento do dinheiro vivo — quem acompanhou aquelas campanhas afirma que o cunhado era uma das duas pessoas que lidavam com empreiteiras e falavam apenas com Alckmin.
A outra pessoa é Marcos Monteiro, tesoureiro de Alckmin nas eleições de 2014 e secretário de Planejamento do governo tucano. Monteiro foi apontado por três delatores da empresa como o responsável pelo recebimento de R$ 8,3 milhões do Setor de Operações Estruturadas da empreiteira, o “departamento da propina”.
Alckmin tem outro aliado enrolado com a Justiça, Laurence Casagrande, ex-secretário de Transportes e Logística do tucano. Casagrande está preso, suspeito de desvios na Dersa, a estatal que cuida das estradas paulistas, durante a gestão de Alckmin.
Ele foi nomeado por Alckmin para “sanear” a Dersa, que estivera sob comando de Paulo Vieira de Souza, representante de José Serra na empresa. As duas turmas se estranham.
Como Casagrande, Souza é investigado e esteve preso. Casagrande, aliás, é dos poucos acusados que mereceram defesa enfática de Alckmin. “Tem uma denúncia, e o importante é investigar rápido. Agora, eu acredito que o Laurence é uma pessoa correta e pode estar sendo vítima de uma grande injustiça”, afirmou Alckmin. No dia 15, ele teve de depor em um dos inquéritos da Lava Jato. Sempre negou com veemência ter recebido contribuições em caixa dois ou qualquer irregularidade em suas campanhas.
Até agora, Alckmin se mostra como o candidato preferido do mercado financeiro. Pesquisas eleitorais feitas pelo Ipespe, contratado pela corretora XP, mostram desde o início da pré-campanha uma clara torcida de investidores, tanto pelo perfil político de seu partido como por seus colaboradores econômicos, como Pérsio Arida, um dos idealizadores do Plano Real. Denúncias como a que atingiu Casagrande, com potencial para abalar a candidatura do tucano, deram oportunidade para aqueles solavancos que agitam o mercado em anos eleitorais — e rendem dinheiro aos mais bem posicionados.
Aos 65 anos, Alckmin é o único dos concorrentes ao Planalto com uma experiência tão recente e longeva à frente do Executivo. Apresenta a vantagem de possuir algo a exibir e a desvantagem de ter flancos a ser explorados por adversários. O laboratório São Paulo será amplamente esmiuçado. Numa eleição em que a segurança pública tem mais destaque que nas anteriores, Alckmin tem um portfólio tão consistente quanto problemático para mostrar.
Seu ponto forte é a redução da taxa de homicídios. Diante de uma média nacional de 30,3 homicídios por 100 mil habitantes, segundo o mais recente Atlas da violência, o estado de São Paulo ostenta o menor índice do Brasil — 10,9. E boa parte dessa redução se deu durante suas quatro gestões. Uma reforma profunda na polícia paulista, desencadeada por uma crise, é uma das explicações aceitas para o fenômeno.
Índices de violência são, contudo, fenômenos resultantes de diversas causas. Alguns cientistas sociais atribuem parte da redução ao declínio do desemprego em anos recentes; outros, ao controle mais rigoroso do acesso ao álcool. Há quem afirme que a criminalidade diminuiu à medida que o Primeiro Comando da Capital, o PCC, a maior organização criminosa do país, ganhou a hegemonia do crime e impôs novas regras à periferia. O PCC criou uma justiça paralela, pela qual os conflitos — de briga de família a dívidas por drogas — são mediados por tribunais do crime. A lógica é que, quanto menos chamar a atenção da polícia, menor será o prejuízo ao tráfico de drogas, a fonte dos lucros da facção.
Se as taxas de homicídios são um cartão de visitas, o PCC é um incômodo para Alckmin.
Ele terá de explicar como a facção criminosa se expandiu debaixo de seu nariz, a ponto de empestear todos os estados e contribuir para a explosão dos homicídios em nível nacional.
O governo Alckmin já teve de explicar se fez um acordo com o crime organizado. A fama decorre de 2006, quando a facção paulista orquestrou ataques em resposta a uma decisão do governo de isolar seus líderes na chamada “tranca dura”, além de transferir de presídio outros criminosos violentos. Em maio de daquele ano, rebeliões em presídios ocorreram ao mesmo tempo que ações criminosas pipocaram nas ruas. Bandidos incendiaram ônibus, ousaram alvejar delegacias e mataram policiais. Diante de um toque de recolher, a capital paulista esvaziou.
Um documento revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo anos depois mostrou que, para pôr fim aos ataques, representantes do governo estadual negociaram com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe do bando, no presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes. “Foi um erro tremendo, talvez o maior desde que o PCC ficou visível”, afirmou o procurador Márcio Christino, do Ministério Público de São Paulo, na época na linha de frente do combate ao crime organizado.
“Primeiro porque o próprio estado reconheceu Marcola como a maior liderança do sistema prisional. Segundo porque, naquele momento, a gente estava ganhando. Eles estavam quase sem dinheiro e munição, não aguentariam mais dois ou três dias naquele ritmo. Esse erro permitiu que a organização voltasse mais forte, mais capaz e mais eficiente.”
No depoimento à Justiça, ao qual ÉPOCA também teve acesso, o delegado José Luiz Ramos Cavalcanti conta que foi um dos convocados pelo governo para participar do encontro em 2006. A reunião foi proposta pela advogada Iracema Vasciaveo, então presidente da ONG Nova Ordem, que defendia líderes do PCC e recebeu a incumbência dos criminosos. Segundo o delegado, o trato era que, se os bandidos responsáveis por ordenar os ataques fossem certificados pelo próprio Marcola de que estava bem, cessariam a baderna. A Vasciaveo caberia convencer o governo a permitir a conversa e garantir que Marcola transmitisse o recado — ele nunca fala ao telefone.
Na época, Alckmin estava afastado do governo para concorrer pela primeira vez à Presidência. Seu então vice, Cláudio Lembo, era quem ocupava a cadeira no Bandeirantes.
Lembo foi avisado e autorizou o encontro. Os responsáveis por costurá-lo foram os então chefes das secretarias de Segurança Pública e da Administração Penitenciária, Saulo de Castro Abreu Filho e Nagashi Furukawa. Abreu Filho é até hoje um dos braços direitos de Alckmin.
Cavalcanti e Vasciaveo, juntos ao corregedor da Secretaria da Administração Penitenciária, Antonio Ruiz Lopes, partiram num avião da PM do Campo de Marte, em São Paulo, até Presidente Bernardes. Lá, segundo o depoimento, encontraram-se com o comandante da região, coronel Ailton Brandão, e seguiram para o presídio, onde foram autorizados a entrar com celulares. Marcola foi levado por um agente penitenciário a uma sala onde todos o esperavam. Vasciaveo tentou convencê-lo a conversar por celular com outro criminoso, que comandava os ataques na rua. Como ele se recusou, mas aceitou a proposta, pediu para chamar outro preso, o LH, de sua confiança, para falar em seu lugar.
“LH ligou e conversou com uma pessoa desconhecida”, diz Cavalcanti no depoimento.
Então, declarou que “no fim daquele dia e no dia seguinte os ataques definitivamente pararam”. Meses depois, integrantes da ONG Nova Ordem, da advogada Vasciaveo, foram investigados pelo envolvimento em um sequestro executado pelo PCC. “O grupo que negociou dentro da cadeia praticou o sequestro. Era uma turma só”, disse Christino. Em nota, a assessoria de Alckmin nega veementemente o acordo. “São Paulo não faz acordo com bandido. São Paulo prende. Que acordo é esse em que toda a liderança do crime organizado está presa?”, diz o texto.
De lá para cá, o PCC multiplicou seu tamanho, travou uma briga sangrenta com a facção carioca Comando Vermelho e outras menores, fincou raiz em todos os estados do Brasil, além de Bolívia, Peru, Paraguai e Colômbia. Por estimativa, o Ministério Público de São Paulo calcula que o número de membros passou de 8 mil, em 2014, para 30 mil, em 2018. Para angariar “soldados” fora de São Paulo, a fim de lutar contra facções locais em busca do controle de outros estados, a cúpula flexibilizou as regras de aceitação de novos membros.
Como a crise financeira é geral, isentou os novatos do pagamento da mensalidade obrigatória — em São Paulo, a taxa é de R$ 900 por mês. Também criou uma campanha de marketing, com o slogan “Adote um irmão”, como são chamados os integrantes, para atrair mais gente. “Eles estão batizando qualquer noia, qualquer pé de chinelo, só para fazer volume e se fortalecer nesta guerra entre facções”, afirmou um promotor paulista.
Obviamente, não é tarefa exclusiva do governo estadual combater uma facção com as proporções do PCC. É quase unanimidade entre policiais e promotores a ideia de que isolar a cúpula do PCC em penitenciárias federais, distantes de São Paulo, quebraria sua cadeia de comando. “A única desvantagem é para o estado que manda, que perde o controle do que se passa na cúpula da organização”, afirmou Christino. Não foi prática do governo Alckmin enviar presos paulistas para outros estados. Embora tenha a maior população carcerária do Brasil em números absolutos, o estado é um dos que menos deslocam detentos para o sistema federal: apenas 17 dos 422 custodiados nos cinco presídios federais hoje são oriundos de São Paulo, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional.
Em 2016, a Polícia Civil de São Paulo recomendou ao governo a transferência de líderes da organização criminosa para presídios federais. Pouco antes, investigadores haviam descoberto que os advogados do PCC faziam dupla jornada como pombos-correio da facção. Depois que um juiz do interior não descartou a solicitação, o Tribunal de Justiça mudou para a capital a competência de julgar a causa. Em São Paulo, promotores reforçaram o pedido de transferência dos detentos, que foi indeferido em primeira e segunda instâncias.
Um parecer assinado por Lourival Gomes, secretário de Administração Penitenciária de Alckmin, sugeria ao juiz manter os presos no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que prevê isolamento rigoroso, mas dentro do próprio estado. O ofício reconhece a liderança de Marcola no PCC, mas afirma não ser necessário transferi-lo. Ao longo do cumprimento de sua pena, Marcola já ficou seis vezes no RDD — e nunca deixou de liderar o PCC, segundo investigadores. “O estado conta com uma unidade prisional para presos em Regime de Detenção Diferenciado onde estão as lideranças do crime organizado. E foi pioneiro na construção desse tipo de presídio”, diz uma nota da assessoria de Alckmin.
Um dos maiores desafios à imagem da gestão Alckmin veio de um adversário inesperado e politicamente inexperiente noutra área sensível, a educação. No final de 2015, o governo teve de lidar — e lidou mal — com ocupações de estudantes secundaristas em cerca de 200 escolas. O imbróglio começou com um movimento atabalhoado, quando o então secretário Herman Voorwald anunciou que a rede de ensino paulista seria reorganizada: 754 escolas passariam a ter um único ciclo de ensino — ou fundamental ou médio, por exemplo — e outras 93 seriam fechadas. O argumento do governo era que havia salas de aula ociosas e que escolas de ciclo único garantiriam melhores resultados para a educação.
Anunciado sem prévia discussão com a sociedade, o plano foi mal recebido. “Vários estados já haviam feito reorganizações semelhantes, mas sem alarde”, disse um funcionário que trabalhava na secretaria de Educação à época. “As intenções do Herman eram boas. Mas a comunicação foi mal organizada.” A mais de 20 quilômetros do Palácio dos Bandeirantes, os alunos da escola estadual Cefam, em Diadema, na região metropolitana de São Paulo, armaram barracas no pátio e anunciaram a intenção de não deixar o prédio até que a medida fosse revogada. No auge dos protestos, 191 escolas foram ocupadas, pelas contas da Secretaria de Educação. Em algumas escolas, como no Colégio Fernão Dias Paes, em Pinheiros, pais e estudantes se organizaram para exibir o documentário A rebelião dos pinguins, sobre a revolta estudantil que chacoalhou o Chile em 2006. Fez sucesso uma cartilha on-line intitulada “Como ocupar um colégio”.
A polícia paulista respondeu com bombas de gás lacrimogêneo aos protestos nas ruas. No dia 4 de dezembro, Alckmin anunciou que a reorganização estava suspensa. Aconteceu no mesmo dia em que foram divulgados os resultados de uma pesquisa Datafolha mostrando que a aprovação ao governo chegava a seu limite mais baixo até ali — 28% do eleitorado o classificava como ótimo ou bom. “Nas reuniões com a equipe, ele apresentava recortes de jornais do interior que traziam manchetes contrárias à reorganização. Estava preocupado com a Tribuna de Piracicaba”, disse um ex-assessor de Voorwald. No mesmo dia da suspensão, Voorwald pediu demissão. Entidades ligadas à educação sustentam que, depois disso, o governo empreendeu uma “reorganização branca” da educação paulista.
“Sem poder fechar escolas, o governo passou a fechar salas de aula”, afirmou Fábio Moraes, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Segundo a entidade, o governo paulista fecha em média nove salas de aula por dia e não reajusta o salário dos professores a contento.
O debate na Rede Bandeirantes de TV — o primeiro em que os candidatos à Presidência se enfrentaram — seguia morno, passados pouco mais de 30 minutos, quando Geraldo Alckmin recorreu, diante das câmeras, a um velho bordão. “Até pelo fato de ser médico...”, principiou, antes de responder a Marina Silva sobre seu planos para melhorar a saúde do brasileiro. A frase é antiga: variações dela surgiram em pleitos passados. E, dado o costume de Alckmin de sempre usar as mesmas frases, deve se repetir infindáveis vezes na campanha. A imagem de médico saudoso dos consultórios é uma que o ex-governador gosta de cultivar. Seu ex-secretário de Saúde David Uip contou que, em casa, Alckmin mantém uma caderneta com registros das anestesias que aplicou ao longo da curta carreira como médico. E que não é raro, ao fim de um jantar com amigos, vê-lo sacar o livro para fazer reminiscências.
Vender a imagem de Alckmin como médico deve ser uma das estratégias da campanha numa área delicada para o eleitor. Nos últimos dez anos, enquanto estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul viram recursos para a saúde oscilar ao sabor das crises de arrecadação, São Paulo manteve a cabeça acima do nível da água. A “sensibilidade do médico” garantiu que fossem destinados ao setor os valores mínimos cobrados pela legislação. Segundo as regras que hoje vigoram, aos estados cabe destinar 12% de suas receitas ao sistema. Nos últimos sete anos, São Paulo cumpriu o combinado — chegando a aplicar em saúde pouco mais de 13% do que arrecadava em 2016 e 2017, segundo dados do Sistema de Orçamentos Públicos em Saúde.
Uip conta que, ao longo dos últimos meses, participou de uma equipe multidisciplinar responsável por traçar uma espécie de diagnóstico da saúde no país. Na avaliação dos tucanos, há quatro problemas que devem ser atacados: a judicialização excessiva, as perdas por má gestão, a falta de informatização do sistema e — o principal — a falta de financiamento para o setor. “Precisamos reconhecer que o SUS está subfinanciado.
Criamos um sistema muito amplo, mas não pensamos em fontes de recursos estáveis para ele”, disse Uip. Das quatro questões principais, o programa de governo apresentado pelo PSDB ao TSE cita somente duas: o projeto de criar um prontuário eletrônico de todo paciente atendido no SUS e o de reduzir a perda de recursos por má gestão graças à informatização. A falta de financiamento não é mencionada.
Alckmin tem se mostrado saudoso do início da carreira política, quando a realidade se impunha com menos dureza. Numa conversa com jovens em São Paulo, no mês passado, recordou um episódio reconfortante. Era 1976, e Alckmin concorria ao cargo de prefeito de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo. A apuração caminhava para o final quando o jovem vereador ouviu o conselho da irmã mais velha e foi para a rádio do clube da cidade agradecer os votos recebidos. Pelos seus cálculos, ele perderia por 400 votos. Então um tumulto começou. As últimas urnas — eram menos de dez — haviam chegado para ser contabilizadas. Nelas, o Geraldinho, como Alckmin era conhecido na cidade, ganhava por 100, 200 votos de diferença do concorrente. Ao final, acabou na dianteira por apenas 67 votos. “Foi uma sorte danada”, contou Alckmin no evento recente. O experiente Alckmin de 2018 sabe que uma derrota em outubro fará a fila que ele encabeça no PSDB andar.
Dificilmente terá espaço para mais uma tentativa de chegar à Presidência — no máximo, conseguirá disputar uma cadeira ao Senado, se ainda quiser continuar na política.
Aline Ribeiro, Silvia Amorim e Rafael Ciscati, Epoca