Apenas uma nota de pé de página ha história
da mulher que sacrificou os seis filhos ao perder
tudo de “maravilhoso” da vida
“Não vale mais a pena viver nesse mundo e levei as crianças comigo, pois elas são boas demais para a vida que vem aí.” Com estas palavras, Johanna Maria Magdalena Goebbels, chamada pelo apelido de Magda, justificou um dos atos mais hediondos entre os tantos de incomensurável barbárie cometidos durante o nazismo.
O mundo em que ela não queria mais ver os filhos viver era, justamente, o da derrota da Alemanha nazista. “Nossa ideia gloriosa está arruinada e com ela tudo o que de belo e maravilhoso conheci na minha vida”, diz a carta de despedida.
Um dia depois do suicídio de Adolf Hitler no bunker de Berlim, em 30 de abril de 1945, Magda matou os seis filhos que tinha com Joseph Goebbels, o gênio maligno da propaganda nazista.
Os soldados soviéticos que entraram no bunker encontraram os corpos das crianças, cinco meninas e um menino. Existem fotos dos pequenos corpos e do início da autópsia da filha mais velha, Helga. Não é recomendável vê-las, sob nenhum pretexto.
As meninas estavam de camisola e fita nos cabelos, penteados caprichosamente pela mãe. Um dentista da SS que estava no bunker aplicou morfina nas crianças. Depois que ficaram inconscientes, Magda quebrou ampolas de cianureto em seus lábios. Esperou cerca de duas horas, para ter certeza de que haviam morrido.
Ela e o marido se suicidaram em seguida. Por um dia, ele havia sido Kanzler do Terceiro Reich, posto equivalente a primeiro-ministro.
Goebbels era de família pobre, feio e franzino. Mancava por causa de um defeito de nascença no pé. Seu aspecto físico sempre foi ressaltado por causa da ironia implícita ao fato de que o grande propagandista da “raça superior”, com sua coreografias de massas homogêneas e supostamente perfeitas, dificilmente passaria no teste dos arianos autênticos.
Magda era de família rica, educada em colégio de freiras, bonita, casada em primeiras núpcias com um industrial milionário – é ao filho desse primeiro casamento que ela escreveu para se despedir. A família dele até hoje é dona da BMW.
Por ter encarnado o ideal feminino teutônico e o papel de “mãe modelo do Terceiro Reich”, sempre pareceu irônico também que ela tivesse um padrasto judeu, Richard Friedländer, o segundo marido de sua mãe. Agora, o historiador Oscar Hilmes escreveu um livro para demonstrar um boato que já havia circulado antes: Friedländer era na verdade o pai de Magda.
Hilmes se baseia num documento deixado por Friedländer, o registro de residência, atestando a paternidade. Já divorciado da mãe de Magda, ele foi mandado para o campo de Buchenwald, um dos primeiros em território alemão. Morreu lá em 1939.
Pelas leis raciais de Nurembergue, adotadas em 1935, Magda Goebbels seria Mischling , pessoa de sangue misto. Uma das loucuras implantadas na Alemanha nazista, as leis raciais proibiam o casamento ou mesmo relações sexuais entre alemães “arianos” e judeus – depois foram incluídos na lista ciganos e negros.
Eram considerados judeus os alemães que tinham três ou quatro avós judeus. Os mestiços , com um ou dois avós judeus, tinham que seguir um teste complicadíssimo, incluindo a prática da religião, para ver em que categoria se enquadravam. Todos, evidentemente, perderam seus direitos como cidadãos e, para quem não conseguiu escapar, a vida.
Para entrar nas SS, a tropa de elite nazista, a exigência era maior: provas de ancestralidade ariana a partir de 1750. Estudantes do segundo grau recebiam como lição de casa vasculhar arquivos de igrejas para descobrir registros de batismo de judeus convertidos.
Magda Goebbels não foi criada na religião nem na cultura judaicas. Era católica e virou protestante para se casar com o primeiro marido. Abraçou apaixonadamente a causa nazista. Seu marido foi um dos pilares ideológicos não só do anti-semitismo como da guerra total, que praticamente escravizaria os próprios alemães em nome da causa já perdida.
Se o pai de Magda era ou não judeu, isso hoje é apenas uma curiosidade histórica, uma nota de pé de página. À época, poderia fazer a diferença entre a vida e a morte. Inclusive para as crianças, que ela e o marido sacrificaram de qualquer maneira.