Renan Calheiros acertou: o Senado virou um hospício. Não se trata mais de apreciar o impeachment de Dilma Rousseff, cujo placar foi antecipado pelos julgadores ao longo do processo e, com mais precisão, na sessão de pronúncia. Durante essa fase de julgamento, iniciada na quinta-feira, o que se quer é holofote e, se possível, escrever o nome na História. Nem que seja no rodapé.
Para tal, não se medem esforços e muito menos palavras. A maior parte delas não recomendável para menores. Bate-bocas sem fim, xingamentos, baixarias vexaminosas.
Ensandecidos, acusadores e defensores do mandato da presidente afastada se engalfinharam em troca de acusações que nem de longe se aproximavam do mérito da questão. E muitos deles escancararam o desapreço que têm pelo Parlamento e pela própria democracia, em que a chave é o contraditório.
Agrediram-se ao vivo na televisão, foram fotografados por todos os ângulos, e manchetados nos jornais impressos e noticiosos da internet. Brigaram pela audiência, não pelo país.
Aguerridos, os defensores de Dilma protagonizaram cenas que não são capazes de mudar um único voto em prol da presidente afastada, mas asseguraram o papel de coadjuvantes – e até com algum destaque -- no filme que está sendo preparado para o pós-impeachment. Com direito a cenas ao lado do ícone maior, o ex Lula, algumas delas, dizem, já rodadas.
Estrela da produção, Dilma Rousseff pretende que a História a reconheça como quem defendeu a democracia contra golpistas. Seu script começou há meses, quando iniciou a bateria de entrevistas para a mídia internacional. E terá como ponto alto o pronunciamento de amanhã, no Senado, em que pretende repisar no mesmo soalho.
A tática serve ao público cativo. Difícil será convencer historiadores sérios quanto a um golpe perpetrado contra os ditos da Constituição, com direito amplo de defesa, julgamento no Senado sob a batuta do presidente da Suprema Corte, e até pronunciamento da acusada.
Só um desavisado ou um mal intencionado acharia possível usar tanta lei para golpear a lei.
Pouco importa. A balela serve para animar a torcida – que também está no filme – e tentar um espacinho na História, ainda que com intelectuais de ocasião.
Fazer História, recheando a biografia, deve também ser a inspiração do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que, no afã de dar ares de Corte ao Senado, importou regras descabidas para o mundo da política. Como a de encarcerar testemunhas em hotéis, tornando-as incomunicáveis sobre um tema que há meses o país inteiro comunica e opina. Ou de proibir que, nesta fase, senadores se pronunciem sobre o mérito do crime. Algo só aplicável a advogados e promotores em um tribunal, ainda assim porque sobre eles paira a possibilidade real de punição em caso de desacato às ordens da Corte.
Sem a autoridade imaginada, à Lewandowski sobrou o recurso de cortar o microfone. E o extremo de suspender a sessão quando a temperatura sobe além da fervura, queimando as instituições.
A loucura que impera entre aqueles que se lixam para os males que causam ao país acaba por turvar a importância do processo. O impedimento de um presidente da República é fato que impacta o cotidiano. Tem lugar assegurado na História.
Mas o filtro da História é implacável.
Quem mesmo presidia o Senado quando Fernando Collor foi cassado? Quais foram os três senadores que votaram pela permanência dele? Como foram as sessões? Quantas horas duraram? Quem disse o quê? Informações difíceis de serem encontradas até mesmo nos anais do Senado.
Sábia, ainda quando demora, a História costuma ser cruel para os que acham que conseguem trapacear com ela.