ÉRICA FRAGA - Folha de São Paulo
A recessão contribuiu para um boom na criação de empresas muito pequenas por parte de trabalhadores que perderam seus empregos.
Essa tendência tem evitado o aumento do emprego informal. Mas o fato de a maioria dos novos empreendimentos se concentrar em atividades pouco sofisticadas pode prejudicar a eficiência da economia brasileira no futuro.
A fatia da população ocupada que trabalha por conta própria aumentou de 22,9% entre abril e junho de 2014 –quando a atual recessão teve início– para 25,2% no segundo trimestre deste ano, segundo dados do IBGE.
No mesmo período, o percentual da população ocupada atuando sem carteira assinada ficou praticamente estável, em torno de 11%.
Isso tem ocorrido porque milhares de profissionais que perderam seus empregos decidiram montar um negócio próprio, em uma tendência chamada "empreendedorismo por necessidade".
O incentivo para esse processo vem de uma legislação aprovada em 2009 que estabeleceu a figura do microempreendedor individual.
"Muitos profissionais que viram microempreendedores já têm um plano de negócios na cabeça. A legislação evita que eles desenvolvam isso na informalidade", afirma Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae.
A categoria dos MEIs engloba empresas com, no máximo, um empregado –que receba o piso da categoria ou um salário mínimo– e R$ 60 mil de faturamento anual. Os empreendimentos que se enquadram nessas características pagam R$ 50 de encargos ao mês (entre contribuição previdenciária e tributos).
Segundo dados exclusivos da Serasa Experian, oito em cada dez do pouco mais de 1 milhão de empresas que surgiram no país no primeiro semestre de 2016 são MEIs.
Entre os 20 ramos de atividade que concentram 80% dos novos negócios, 16 são de baixo valor agregado, termo usado para designar setores que contribuem pouco para o aumento da inovação e da eficiência da economia.
É o caso de segmentos como serviços de alimentação e de embelezamento pessoal.
"A vasta maioria dos novos negócios se concentra em ramos com produtividade muito baixa", afirma Luiz Rabi, economista da Serasa.
Esse é o lado negativo da tendência de expansão desses empreendimentos.
Um dos problemas graves que a economia brasileira já enfrentava antes do início da recessão era a expansão lenta de sua eficiência, ou seja, da capacidade de produzir mais com menos recursos. A crise agravou isso.
Serviços pouco sofisticados, com baixo uso de tecnologia e potencial de inovação, dificilmente contribuirão para reverter esse processo e podem, ao contrário, agravá-lo.
Segundo o economista Bernard Appy, para que isso não ocorra, é necessário criar incentivos a fim de que os pequenos empreendedores com maior potencial de inovação invistam para crescer.
Esse ímpeto, ressalta ele, é freado porque há um salto grande nos custos para manter uma empresa no Brasil conforme seu faturamento cresce. "O risco é que esses novos MEIs não evoluam", diz ele, que é diretor do Centro de Cidadania Fiscal.
A recessão também dificulta a expansão dos negócios e tem gerado o efeito contrário. De acordo com Afif, do Sebrae, há casos de microempresas virando MEIs. Isso ajuda a explicar o encolhimento na quantidade de empregadores no país, que caiu de 4,4% do total da população ocupada no terceiro trimestre de 2015 para 4,1% entre abril e junho deste ano.
A série "Marcas da Crise" mostra os impactos provocados pela recessão, talvez a mais profunda da história do país. Alguns dos efeitos podem afetar a capacidade de reação da economia. Veja as outras reportagens da série em: folha.com/marcasdacrise