quinta-feira, 11 de agosto de 2016

"Câmara é incoerente ao resistir à responsabilidade fiscal", editorial de O Globo

Rejeitar a contenção de gastos com o funcionalismo nos estados é dar espaço a desmandos como os que levam o Congresso a aprovar o julgamento final do impeachment


No trânsito dos temas pela pauta do Congresso, enquanto o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, aproxima-se da fase final, para sair da agenda dos parlamentares e entrar na História, há todo um trabalho de extrema importância, em torno do ajuste fiscal, que se encontra no início. Uma agenda do passado, outra do presente e futuro. Não se trata de assuntos desconexos. Por motivos políticos, o governo interino de Michel Temer aguarda a unção no cargo, com a condenação final de Dilma por crimes de responsabilidade, para ter poderes que o permitam negociar as reformas no Congresso sem vulnerabilidades.

No campo de batalha do impeachment, tudo parece bem encaminhado: as manobras protelatórias dos aliados de Dilma chegaram à fronteira da bizarrice; os argumentos do “golpe” e outros, esgrimidos por José Eduardo Cardozo, não se relacionam com a vida real, e por isso o plenário do Senado despachou o processo de Dilma para o julgamento final.

Era preciso apenas maioria simples dos presentes, mas os 59 votos dados contra Dilma ultrapassaram em cinco o mínimo necessário para ela ter de devolver as chaves do Alvorada.

Falta o julgamento propriamente dito, para o Congresso impedir a presidente devido a crimes de responsabilidade cometidos contra o Orçamento e o equilíbrio fiscal. Não deveria, então, pela lógica, haver maiores dificuldades para a Câmara, por exemplo, aprovar o acordo entre União e estados sobre a renegociação de dívidas, prevendo sensatas contrapartidas.

Não é coerente a Casa que aceitou a denúncia contra Dilma, por ela ter triturado princípios pétreos da responsabilidade fiscal, resistir a fazer o ajuste neste mesmo campo, para tirar o país da crise.

É o que transparece na dificuldade do governo Temer em aprovar o acordo com os estados, incluindo uma adequada moratória de dois anos nos reajustes salariais do funcionalismo. 

Até por justiça, o funcionalismo deveria dar esta contribuição ao controle dos gastos, porque, enquanto ele vive em um mundo à parte, por ter emprego garantido, mais de 11 milhões de brasileiros assalariados no setor privado estão nas filas do desemprego. E quanto mais tarde for feito o ajuste, mais tempo eles continuarão neste inferno social.

Na votação em plenário do projeto do acordo, a moratória foi retirada do texto aprovado. As corporações sindicais do funcionalismo demonstram mais uma vez grande força junto aos parlamentares.

Fique claro para os deputados que, ao dificultarem o ajuste, atrapalham o país na luta para sair da crise, como também atuam a favor de desmandos fiscais como aqueles que condenaram ao votar pelo prosseguimento do impedimento de Dilma. Falta na Câmara visão ampla da realidade. Os deputados são presa fácil de corporações.