quarta-feira, 24 de agosto de 2016

"As bases do Orçamento", editorial do Estadão

Evitar maior tributação ainda é, portanto, apenas um bom propósito, mas a insistência de altos funcionários nesse ponto é pelo menos animadora

O governo trabalha para fechar a proposta de lei orçamentária sem necessidade de aumento de impostos, informou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, em entrevista ao Broadcast, serviço de informações em tempo real da Agência Estado. Evitar maior tributação ainda é, portanto, apenas um bom propósito, mas a insistência de altos funcionários nesse ponto é pelo menos animadora. O projeto do Orçamento-Geral da União (OGU) para 2017 será enviado ao Congresso, de acordo com o ministro, no próximo dia 31, último dia do prazo legal. Se nenhuma surpresa ocorrer, nesse dia será concluído no Senado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Confirmada a mudança de governo, a restauração de alguma ordem nas contas públicas ficará bem mais provável – se o presidente Michel Temer mantiver a resistência, ensaiada nos últimos dias, a pressões por aumentos de salários e de outras despesas federais.
Para evitar aumento de impostos, o governo aposta na combinação de dois fatores, o corte de uma parcela dos gastos e uma elevação da receita. Haverá um corte nominal de R$ 10 bilhões nos gastos discricionários, adiantou o ministro do Planejamento. Essas despesas correspondem a uma pequena parcela do Orçamento – algo próximo de 10%, às vezes pouco mais que isso. A maior parte dos gastos é dificilmente redutível em termos nominais. Para as despesas obrigatórias está previsto um aumento de R$ 90 bilhões em relação ao valor estimado para 2016. O conjunto das despesas primárias – sem o serviço da dívida – deve subir a uma taxa pouco menor que a inflação deste ano, por enquanto projetada em 7,2%.
Há algum otimismo nas expectativas indicadas pelo ministro do Planejamento e em parte antecipadas, na semana anterior, pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton Araújo. Em primeiro lugar, a projeção oficial de crescimento econômico em 2017 foi revista de 1,2% para 1,6%. Na semana passada a mediana das previsões do mercado havia subido de 1,1% para 1,2%. Se a expansão de 1,6% se confirmar, a arrecadação tributária voltará a crescer, avaliam os economistas do governo. Por enquanto, os indicadores econômicos mais animadores ainda estão contidos nas sondagens de expectativas. Além disso, há sinais de estabilização da atividade em alguns setores, depois de um longo período de queda.
Em segundo lugar, a receita será reforçada, segundo o ministro do Planejamento, por meio de concessões nas áreas de petróleo, energia elétrica e aeroportos. Por enquanto, o programa de concessões continua emperrado. De toda forma, um programa de concessões bem-sucedido vai depender de uma revisão de critérios, com base numa concepção mais clara e realista da participação privada em setores básicos, como os de petróleo, energia elétrica e transportes.
Se a política avançar nessa área, o governo poderá conseguir no próximo ano um bom reforço de caixa. Com isso talvez seja possível atingir a meta fiscal de 2017 – um déficit primário de R$ 139,5 bilhões ou até menor – sem elevação de impostos e contribuições. Mas um ajuste efetivo exigirá bem mais que esse esforço, em mais de um sentido. Não se poderá continuar na dependência de receitas extraordinárias, como as de concessões. Além disso, o objetivo mais difícil só será alcançado em anos seguintes, quando houver superávit primário suficiente para o pagamento dos juros e para a contenção do endividamento.
A arrumação efetiva das contas públicas dependerá de outros fatores. O mais vistoso será a reforma da Previdência, classificada como uma das prioridades. Mas será preciso cuidar de outros aspectos da gestão. É tempo de pensar na eficiência da administração federal. Isso envolverá uma revisão tanto do sistema de programas e de projetos quanto da produtividade da máquina. Produtividade administrativa foi um tema seguidamente rejeitado pelos petistas. Nada mais natural, quando os detentores do poder consideram a criação de empregos públicos a função principal do governo.