sábado, 2 de julho de 2016

"Por falar em violência", por Zuenir Ventura

O Globo

Enquanto em Istambul, segundo depoimentos, é possível andar tranquilamente pelas ruas, no Rio é difícil recomendar aos visitantes um lugar absolutamente seguro


Brasileiros que estavam ou que moram em Istambul contaram que, no dia seguinte à tragédia que matou 43 pessoas no aeroporto, os habitantes voltaram à vida normal como se nada demais tivesse acontecido. Depois de 14 atos terroristas nos últimos 12 meses, “virou rotina para eles”, explicaram. Lá, a violência é por atacado: matam logo 40 ou 50 de uma vez. Aqui, é no varejo: mata-se um pouco a cada dia. Os turcos se espantam quando sabem que se cometem quase 60 mil assassinatos por ano no país. Não entendem por que não nos escandalizamos.

De fato, aqueles atentados causaram um total de 246 vítimas fatais, enquanto os assaltos no Rio produzem em média 16 assassinatos diariamente e assim, em pouco tempo, superamos as estatísticas deles. Ontem mesmo ficamos sabendo, oficialmente, que em maio houve recrudescimento. Os casos de vítimas em confronto com a polícia, por exemplo, aumentaram mais de 90%. Triste mundo esse em que a disputa é para ver onde há mais insegurança. Nesse ranking, que é organizado com os piores índices, o Brasil é o 11º país com a maior taxa de homicídios do mundo.

Pode-se alegar que os terroristas não discriminam vítimas, atingem até crianças. Mas o Rio consagrou a instituição das “balas perdidas”, que só em 2015 fizeram 52 mortos e 86 feridos, aleatoriamente, com inocentes como alvos preferenciais. Contra a acusação da ONU de que a polícia brasileira é responsável por cinco mortes a cada dia no país, o presidente da Associação Nacional dos Praças afirma que aqui há “um número seis vezes maior de mortes de policiais do que nos EUA, que comumente é utilizado como exemplo”.

Às vésperas da Olimpíada, preocupa o fato de que, enquanto em cidades como Istambul, segundo os depoimentos, é possível andar tranquilamente pelas ruas, no Rio é difícil recomendar aos visitantes um lugar absolutamente seguro. Esta semana fui entrevistado por dois jornalistas franceses encarregados pelo site da Fundação Cognacq-Jay, de Paris, de escrever sobre iniciativas inovadoras de solidariedade social no Rio. Impressionados com os projetos socioculturais que visitaram em várias comunidades, como o Redes da Maré, a Orquestra de Cordas da Grota, de Niterói, o Nós do Morro, do Vidigal, entre outros, eles não entendem por que o programa de pacificação teria fracassado até em favelas com UPPs, onde os traficantes voltaram a infernizar a vida dos moradores. É possível que não tenha fracassado, apenas não se completou, pois continua faltando o que o secretário Beltrame sempre cobrou: invasão de cidadania, mais do que policial. É pelo menos a esperança, que essa a violência não consegue matar.