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O cientista político Marcus Melo, da Federal de Pernambuco |
PATRÍCIA CAMPOS MELLO - Folha de São Paulo
O sistema político brasileiro vai emergir do processo de impeachment ainda mais fragmentado, porque os dois partidos que eram sua coluna vertebral, PT-PSDB, estão em declínio e saem enfraquecidos. Esse é o alerta de Marcus Melo, que é professor titular de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e foi professor visitante em Yale e no MIT.
Melo se diz pessimista em relação a um possível governo de Michel Temer. "No curto prazo, o governo Temer terá uma lua de mel em uma ilha sujeita a tsunamis", diz. "O que pode surgir da Lava a Jato é imprevisível, em relação ao próprio Temer e a caciques do seu governo, como Romero Jucá." Além disso, Melo acredita que há grande possibilidade de o TSE cassar a chapa Dilma-Temer.
Mas, mesmo assim, o PMDB sairia ganhando, diz. "A cassação só deve ocorrer após 1º de janeiro de 2017, o que implicaria eleições indiretas; o mesmo grupo de Temer vai dominar o processo, porque domina o Congresso."
Folha - O que o senhor espera de um eventual governo de Michel Temer?
Marcus Melo - Sou pessimista em relação a um governo Temer, tanto nas possibilidades políticas quanto econômicas, por causa da magnitude do problema fiscal. No curto prazo, o governo Temer terá uma lua de mel em uma ilha sujeita a tsunamis. O que pode surgir da Lava a Jato é imprevisível, em relação ao próprio Temer, e a caciques do seu governo, como Romero Jucá. Além disso, a quantidade de pessoas que têm foro privilegiado e serão submetidas ao conselho de ética está na casa dos 50, 60, e isso paralisa a agenda do Legislativo.
Há chance de um impeachment de Temer ou cassação da chapa pelo TSE?
Há mais chance de cassação da chapa, porque as evidências das delações premiadas são fortes, de uso massivo de dinheiro do petrolão na campanha de 2014. Aí, seguindo a linha sucessória, assumiria o Cunha. Mas é demorado. A cassação só deve ocorrer após 1º de janeiro de 2017, o que implicaria eleições indiretas; o mesmo grupo de Temer vai dominar o processo, porque domina o Congresso.
Temer teria de apresentar reformas críveis e formar um ministério forte para ganhar credibilidade. Como conciliar com a distribuição de cargos e ministérios para partidos da coalizão como PP, PSD, PTB?
Em todo governo de salvação nacional, em que há uma calamidade em curso, a tolerância para custos se eleva. Não quer dizer que a barganha vai desaparecer, mas o limiar para receber um 'não' aumenta. Na população a tolerância para sacrifícios no curto prazo também aumenta. Mas, passados seis meses, esse limiar volta ao que era.
Pode ter feito parte do cenário do impeachment um acordão, baseado na aposta de que Temer seria capaz de desacelerar a Lava Jato?
Eu acho plausível a ideia de que eles tenham querido fazer um acordão, mas acho que ele não terá efetividade. Porque, malgrado toda a oposição que foi feita à Lava Jato, ela foi em frente e fez tarefas dificílimas, como colocar uma das pessoas mais ricas da América Latina na cadeia.
O PT teria poder de mobilizar movimentos sociais e inviabilizar um governo Temer?
Acho que vai haver mobilização intensa. Se ela terá impacto importante é difícil estimar; provavelmente não. O Brasil tem uma institucionalidade robusta; se não houver forma de reverberar essas demandas no Congresso, no Judiciário, haverá muita fumaça, mas pouca efetividade.
Se o PT conseguisse formar um bloco de aliados, poderia barrar reformas impopulares?
Acho que não. Um governo de centro-direita como o de Temer vai ter capacidade maior de aglutinação. Deve haver isolamento razoável dos setores ligados ao PT.
Além do PMDB, quem se beneficia no processo de impeachment? Fala-se no PSOL, na "direita de Jair Bolsonaro" [deputado federal e presidenciável pelo PSC].
O Bolsonaro pode ter uma votação individual muito grande, mas a agenda dele não é para votação majoritária, ele é um candidato para eleições proporcionais. Essa preocupação com o Bolsonaro é mais peça retórica do que ameaça real. Se tivesse que escolher um partido que se beneficia, seria o PSOL. O petrolão gerou um tsunami informacional sobre corrupção nas entranhas do poder e teve impacto muito forte sobre o PT. O PT vai se reduzir ao que ele era em 1989. O partido ainda tem um apelo programático grande, mas nisso ele disputa com o PSOL, porque alguns acham que o PT traiu muitas das bandeiras históricas, que o PSOL resgata. Do outro lado do aspecto ideológico temos o PSDB, que está em declínio, sem líderes. Estamos assistindo ao inconcebível, um sistema político já muito fragmentado vai se fragmentar ainda mais. O PT fragilizou-se de forma espetacular, e isso também aconteceu com o PSDB, um partido que, embora pequeno, era a "coluna vertebral" da competição. Antes havia um caos organizado, com dois campos muito competitivos, e esse eixo PT-PSDB do sistema partidário quase deixa de existir. Estamos em maus lençóis.
Há possibilidade de o PT e o ex-presidente Lula se fortalecerem com o discurso de vítimas de um golpe?
A melhor estratégia do ponto de vista do PT é a atual. Montar um enfrentamento com o máximo de repercussão midiática, a narrativa do golpe, na expectativa de ser derrotado. E, ao ser derrotado, conquistar uma narrativa de vitimização que pode ser a base da refundação do partido.