sexta-feira, 1 de abril de 2016

"Provas da despreocupação com o equilíbrio fiscal", editorial de O Globo

Na apresentação que fez à comissão do impeachment das razões técnicas que a levaram a assinar o pedido de impedimento da presidente, junto com Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, também juristas, Janaina Paschoal disse ter concluído que o governo “não considera a responsabilidade fiscal um valor”. A frase resume bem o pano de fundo da tragédia fiscal que começou a ser plantada no segundo governo Lula, quando a crise mundial agravada a partir de fins de 2008 serviu de pretexto para a adoção de uma política econômica “anticíclica”.

Na realidade, era a aplicação das antigas propostas petistas de aumento dos gastos sem cuidados com a inflação, sempre em nome, claro, do combate à pobreza e da redenção dos miseráveis. No primeiro mandato de Dilma, esta política, já batizada de “novo marco macroeconômico”, foi aprofundada, apesar de todos os alertas. A partir de 2013, técnicas de “contabilidade criativa” foram usadas para maquiar déficits e, em 2014, na campanha, tarifas públicas ficaram congeladas e ainda pressionaram, por meio de subsídios, o Tesouro. Estava preparado o terreno para a catástrofe iniciada logo após a posse da presidente reeleita num estelionato contra o eleitor — choque tarifário, inflação, recessão e consequente desemprego.

Os dados referentes às contas públicas em fevereiro e no primeiro bimestre do ano, divulgados quarta-feira, ilustram o aprofundamento do problema fiscal, dada a resistência de Dilma e do lulopetismo — agora mais unidos que nunca, na luta contra o impeachment — em fazerem as mudanças necessárias para evitar que os gastos continuem a crescer numa velocidade maior que as receitas. Quando estas não caem, devido à recessão.

É por isso que os números são e tendem a continuar dramáticos: em janeiro e fevereiro, juntos, os gastos do governo federal cresceram 16,8% e as receitas, 6,4%. Todo o setor público somado — União, estados e municípios — acumulou um déficit primário (sem incluir os juros da dívida) de 2,1% do PIB, considerando-se um período de doze meses. Não havia registro de um resultado negativo tão robusto.

Já no conceito de déficit nominal — aqui considerados os juros —, o saldo em vermelho chegou aos 10,75% do PIB, algo que faz lembrar a Grécia na crise em que ameaçou sair da zona do euro.

Mesmo assim, o governo insiste na política suicida: quer autorização do Congresso para acumular, este ano, mais um déficit primário, este de 1,5%. Está convencido, com base num keynesianismo mal digerido, de que a sucessão de déficits públicos resgatará a economia.

Será o contrário. Com a piora da percepção sobre a solvência da dívida pública, o crédito encarece. O câmbio sobe, a inflação ganha fôlego e os juros precisam ser elevados. Assim, a recessão se mantém, a arrecadação não reage e a bola de neve do pessimismo com o país não para de crescer. É a marcha da insensatez à vista de todos.