No início do seu segundo mandato, Dilma Rousseff encantou-se com um conselho do grão-petista Aloizio Mercadante. Achou que era hora de futigar o PMDB. Converteu o vice Michel Temer em versa. Encomendou a dois ministros —Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação)— a costura de uma nova maioria congressual que não fosse tão dependente do PMDB. E instigou o petista Arlindo Chinaglia a disputar o comando da Câmara com Eduardo Cunha. Deu no que deu.
Dilma inaugurou um novo sistema de governo: o presidencialismo sem presidente. Como poder vazio é algo que não existe, Eduardo Cunha tratou de ocupar o espaço. E a criatura de Lula foi apresentada a uma evidência histórica: no Brasil pós-redemocratização, inaugurado em 1985, sempre que um presidente achou que poderia engolir o PMDB, foi mastigado. Quando joga a favor, a legenda fornece estabilidade congressual. Contra, torna-se uma força desestabilizadora.
Temer acordou neste domingo, 17 de abril de 2016, com a mão na poltrona da presidente. Kassab demitiu-se do ministério, jogou o seu PSD na trincheira do impeachment e ajuda a puxar o assento de Dilma. Quanto a Cid, virou pó em março de 2015. Soou numa gravação assim: há na Câmara “uns 400, 300 achacadores.” Chamado a se explicar, apontou para Cunha. Virou um ex-ministro instantâneo. A pasta da Educação agora é ocupada por Mercadante. Expurgado da Casa Civil, o ex-conselheiro é, no momento, um inquérito esperando para acontecer na Lava Jato.
Antes de chegar a essa condição, Mercadante dinamitou a última tentativa de Dilma de acertar-se com o PMDB. Aconselhada por Lula, a suposta presidente delegou a coordenação política do seu governo a Michel Temer. Absteve-se, porém, de retirar Mercadante do caminho do vice. Temer deu por encerrada sua missão e trancou-se em seus rancores.
Em dezembro do ano passado, Temer endereçou uma carta a Dilma. “…Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, anotou. A carta funcionou como um spray de gasolina na fogueira do impedimento. Abandonado pelo PT no Conselho de Ética da Câmara, Cunha empinou o pedido de empeachment que a Câmara vota neste domingo.
Neófita em política, Dilma teve de lidar com um PMDB que desafia a Teoria da Evolução pela Seleção Natural. Uma passada de olhos pelo quadro de lideranças do partido, que supostamente representa o que o PMDB tem de melhor, inspira pavor. Noutros tempos, o PMDB tinha a cara de Ulysses Guimarães. Ficou com o semblante do Quércia. Foi adornado com o bigode de Sarney. Ganhou a sobrancelha de Jáder, a lábia de Jucá, a testa larga de Renan e, finalmente, o estômago hipertrofiado de Cunha. O PT sofreu o mesmo processo degenerativo. Com a diferença de que as deformações concentraram-se em Lula, a face única da legenda.
Vivo, Charles Darwin diria que a política brasileira converteu-se em prova de que o ser humano parou de evoluir. Pior: já começou a involuir. Mas foi assim, afrontando a ciência, que o PMDB aproveitou-se da empáfia do PT para aproximar Dilma, uma carta fabricada por Lula, da condição de coisa “fora do baralho''.