domingo, 10 de abril de 2016

Da esperança à crise: a esquerda latino-americana



Maduro, Cristina, Morales e Correa: reviravoltas - Reprodução


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BOGOTÁ - No início dos anos 2000, uma forte corrente política chegou querendo ficar, materializada — cada país à própria maneira — como o “socialismo do século XXI”. A chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, em 1999, foi o primeiro sinal do que viria em países como Equador, Bolívia, Brasil, Argentina e Uruguai, onde movimentos de esquerda de diferentes naturezas e plataformas ideológicas chegaram ao poder, compartilhando um ideal político que, de certa maneira, os aproximou. Mas os últimos resultados eleitorais em Venezuela, Argentina e Bolívia mostram que o pêndulo começou a virar à direita, evidenciando o desgaste dos modelos. Se a bonança econômica provocada pelos preços dos hidrocarbonetos alimentou os sucessos sociais desses governos, agora que o dinheiro acabou, o projeto soa insustentável e a Justiça começa a caçar o fenômeno da corrupção em vários países.

Este especial dos jornais do Grupo de Diários América (GDA) mostra um panorama da esquerda latino-americana, dos cenários que ela enfrenta e de qual seria seu futuro.
*Com colaboração dos jornais do Grupo de Diários América, formado por O GLOBO (Brasil), “La Nación” (Argentina), “El Mercurio” (Chile), “El Tiempo” (Colômbia), “La Nación” (Costa Rica), “El Universal” (México), “El Comercio” (Peru), “El Nuevo Día” (Porto Rico), “El País” (Uruguai), “El Nacional” (Venezuela) e “La Prensa Gráfica” (El Salvador).
Chavismo perdeu a batalha da economia na Venezuela

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Maduro conversa com professores e representantes do setor de educação no Palácio Miraflores - HANDOUT / REUTERS


CARACAS - Em março de 2013, quando o presidente Hugo Chávez morreu, vítima de um câncer, 55,9% dos entrevistados pela empresa de consultoria Venebarómetro se declaravam chavistas. Três anos depois, a situação mudou radicalmente. Em fevereiro de 2016, 29,8% dos questionados pela mesma firma se mostraram inclinados ao oficialismo, uma queda de 26,1 pontos percentuais.

Além da morte do líder carismático, há várias razões que explicam o enfraquecimento do movimento, que até 2015 só havia perdido uma eleição em 16 anos. As causas também podem ser evidenciadas por outras quedas percentuais abruptas. Em 2013, o preço do barril de petróleo do tipo Brent (referência internacional) era de US$ 110,30, que permitiu um aumento sustentável dos preços e deu a Chávez possibilidades não só de financiar um modelo de governo clientelista — que ele chamou de “socialismo do século XXI” —, mas também garantiu que ele fosse exportado para a região, com o intercâmbio de petróleo barato por comida ou serviços, sendo Cuba e as ilhas do Caribe os principais beneficiários.

A morte de Chávez coincidiu com uma queda dos preços do petróleo de 76%, até chegar ao custo médio atual de US$ 26,50. Isto influenciou no gasto público real do governo, uma das peças fundamentais do chavismo. Quando seu líder passava por seus piores momentos, em 2003, logo depois de um golpe de Estado, uma greve nacional e às vésperas de um referendo revogatório, criou com o cubano Fidel Castro as chamadas “missões sociais” como forma de distribuir renda entre os mais necessitados mediante programas de saúde, alimentação e educação. Isto aumentou a aprovação de sua gestão a níveis inéditos e lhe permitiu manter o poder até sua morte.


Pessoas esperam na fila para comprar papel higiênico em supermercado de Caracas - JORGE SILVA / REUTERS


A queda do preço do petróleo reduziu o fluxo de dólares que entram no país, reduzindo a capacidade de o Estado importar produtos. O resultado foi uma aguda escassez, porque a produção nacional estava debilitada pelo próprio modelo chavista, que impôs férreos controles à economia. A isto, soma-se o fato de a Venezuela ter hoje a maior inflação do mundo: em 2014, foi de 68,5%, e em 2015 chegou a 180,9%.

No ano passado, quando a maioria dos venezuelanos começou a identificar a economia como o principal problema do país, a oposição ganhou 20 circuitos eleitorais onde perdia por mais de dez pontos e conseguiu a maioria qualificada de dois terços da Assembleia Nacional. Uma vez que tomou o controle da Casa, os opositores prepararam uma série de leis para atrair setores tradicionalmente chavistas, como os beneficiários das missões. O chavismo, por sua vez, vem tentando manter sua base de apoio e evitar uma queda ainda maior.


Kirchenerismo perde peso político na Argentina

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Amigos em Havana: Maduro, Morales e Fidel se reúnem - Agencia Boliviana de Informacion / REUTERS



O populismo nunca vai acabar, nem na América Latina, nem no mundo. O populismo é de direita e de esquerda, dos políticos ambientalistas e daqueles que negam a mudança climática, dos protecionistas e daqueles que promovem a abertura econômica. Encontra-se entre os políticos mais religiosos e entre líderes laicos.

Enquanto há pessoas que querem ouvir promessas que lhes façam se sentir bem, haverá políticos que lhes dirão o que querem ouvir, ainda que sabedores de que o que estão prometendo não vão poder cumprir. Ou que, caso cumpram, farão mais mal do que bem. Em um mundo de mudanças tão aceleradas, de novas ameaças difíceis de entender e cheio de incertezas, quem promete segurança e certezas, dá garantias e alivia ansiedades, atrai seguidores.

É uma fórmula provada e que funciona. Juan Domingo Perón e Hugo Chávez são bons exemplos disto na América Latina. Mas nossa região não tem a exclusividade do populismo. Donald Trump nos oferece diariamente uma boa dose de promessas incumpríveis que, não obstante, têm seduzido milhões de pessoas em uma das democracias mais maduras do mundo.

O problema com o populismo que existiu na América Latina na primeira década e meia do século XXI é que foi amplificado pela bonança econômica que viveu a região. Populismo houve sempre, mas o populismo com tanto dinheiro e tanta concentração de poder foi menos frequente. Mas, agora, na América Latina, a bonança acabou e, com seu fim, também acabou a possibilidade de financiar o hiperpopulismo vivido na Venezuela, Argentina e, com menos excessos, no resto da região.

Não há dúvidas de que os resultados das eleições presidenciais na Argentina, das legislativas na Venezuela, a derrota do referendo através do qual Evo Morales buscou continuar na Presidência da Bolívia, assim como a queda do apoio popular a Rafael Correa se devem à fadiga dos eleitores com regimes que os têm governado por mais de uma década.

Mas, se estes regimes, agora debilitados pela impopularidade, houvessem seguido contando com os enormes recursos econômicos que dispuseram durante a bonança e assim seguir financiando suas iniciativas populistas, alguns deles quiçá teriam continuado ganhando eleições. Ou impedir que seu tempo à frente do país fosse truncado pelos protestos populares.

Mas há mais. A má situação econômica também diminuiu a tolerância da população à corrupção. A separação da Presidência da Guatemala por vias institucionais de Otto Pérez Molina, os massivos protestos populares pedindo a renúncia de Dilma Rousseff e os escândalos de corrupção que acossam Luís Inácio Lula da Silva e os presidentes de México e Chile são também sinais de que a impunidade dos corruptos é menos tolerada na América Latina.

Mas é importante entender que uma ameaça maior que o populismo é a reeleição presidencial. Se um governo é inepto, indecente ou insensível aos clamores da população, nas eleições seguintes os eleitores o substituirão. Mas um mal presidente que dá um jeito de se perpetuar no poder, perpetua o mal governo.

Esta regra sagrada da democracia, a alternância, vem sendo violada na América Latina. Os presidentes que chegam ao poder pelos votos, mas rapidamente buscam trucar normas, controlar o tribunal eleitoral, comprar legisladores, juízes e magistrados, ou usar desvergonhada e massivamente fundos públicos para sua reeleição, converteram-se num fenômeno frequente na América Latina.

Um truque comum é o de promover mudanças na Constituição do país. Geralmente é apresentado como uma iniciativa para lutar contra a corrupção e a exclusão social, modernizar o Estado e outros objetivos louváveis. Mas o verdadeiro objetivo de tais iniciativas tem sido o de concentrar poder na presidência, aumentar o período presidencial e, este é o primeiro prêmio, a bolada: permitir a reeleição do presidente que já está no cargo.

A América Latina está num momento no qual os governos já não terão tanto dinheiro como antes para gastar em programas populistas. E, se possível, que também entre numa etapa na qual nenhum presidente possa ser reeleito. O ideal seria ter um período presidencial de seis anos sem reeleição.
Isto pode ter custos, mas serão sempre menores do que os custos de ter presidentes que, em vez de governar para construir um país melhor, governam para prolongar sua estadia no palácio presidencial depois de vencido seu período constitucional.

Presidentes da América Latina: um período e, depois, fora do governo. Para sempre.


*Moisés Naím é membro do Carnegie Endowment e autor de “El fin del poder”. Seu próximo livro, “Repensando el mundo”, será publicado em abril.