segunda-feira, 12 de outubro de 2015

"Lei Sergio Moro", Diego Dutra Goulart

Folha de São Paulo


O Congresso Nacional voltou a debater projetos de lei que buscam introduzir de forma expressa a possibilidade de uma condenação não transitada em julgado ser utilizada para fundamentar a prisão do réu.

Ninguém discute que no Brasil um indivíduo somente poderá iniciar o cumprimento da pena depois que a sua condenação for irrecorrível. Igualmente, não se questiona o fato de ser possível a prisão preventiva no curso de um processo no qual sequer haja condenação.

O que se debate é a possibilidade de uma condenação recorrível servir como um fundamento a mais para a prisão do réu.

É comum vermos réus que permanecem detidos cautelarmente durante o processo e que são soltos no momento em que são condenados. Ora, mas se alguém pode ser preso preventivamente mesmo sem sentença condenatória, com a sua prolação não é natural que a permissão legal para a prisão do acusado seja menos restritiva?

São duas as principais justificativas para a libertação (ou não prisão) do réu após ser condenado. A primeira tem assento na norma constitucional que assegura a presunção de inocência. A segunda tem a ver com o tempo que os recursos levam a ser analisados.

Dentro deste raciocínio, se alguém é presumidamente inocente, como pode permanecer preso até que os tribunais julguem seus recursos, sendo que isto por vezes demora? A ideia, apesar de sedutora, é equivocada.

Com relação à presunção de inocência, alguém só pode ser considerado "absolutamente" culpado quando houver contra si uma condenação irrecorrível. Assim, havendo uma condenação recorrível o indivíduo é considerado "relativamente" culpado.

Nesse sentido, uma pessoa só é presumidamente inocente até ser condenada em primeiro grau, quando se inverte a presunção, cabendo ao réu comprovar, em sede de recurso, que não é culpado, mas sim inocente.

Negar eficácia a uma condenação só por que contra ela cabe recurso resultaria, ao menos, em duas consequências. A primeira seria a de considerar a decisão "letra morta". A segunda seria fazer com que uma pessoa já condenada fosse aos olhos do Estado considerada presumidamente inocente ao invés de supostamente culpada.

O segundo fundamento para a soltura (ou não prisão) de réus condenados consubstancia-se no fato de que os recursos costumam demorar a ser julgados. Mas a possível demora no julgamento de recursos não autoriza, de imediato, a libertação de alguém.

Somente caso se verifique concretamente atraso exacerbado em julgamentos de recursos, poderá o réu ser solto por este motivo. O que não pode é o Estado, de antemão, soltá-lo só porque ele interpôs recurso, assumindo previamente que haverá excesso de prazo mesmo sem saber se naquela situação ocorreria, de fato, atraso.

Aliás, se o recurso em liberdade continuar como regra quase intangível, o réu, sabendo que meras interposições de recursos vão automaticamente resultar em sua liberdade, não pensará duas vezes antes de abarrotar os tribunais com infindáveis reclamos.

Desse modo, não há dúvida de que uma sentença condenatória deve ser fundamento apto a reforçar a necessidade de prisão preventiva. Em português claro, uma condenação, mesmo recorrível, deve ser antes um fundamento para a prisão do que para a soltura de alguém.

Contudo, como a decisão proferida por um juiz tem, por assim dizer, mais chance de conter algum equívoco, uma sentença condenatória deve ser considerada como fundamento para a prisão apenas depois de confirmada em segundo grau (por um colegiado de magistrados).

Enfim, ainda faltam muitos consensos em torno de eventual lei sobre esta matéria. No entanto, o importante é que este tema voltou à cena, sendo o momento de empenharmo-nos para a aprovação de uma lei que traga este avanço ao país. Se isto ocorrer, nada mais justo do que ser o novo diploma conhecido com o nome daquele que está dando "rosto" à presente iniciativa.

Assim, como nós temos no Brasil a Lei Maria da Penha, a nova lei, se aprovada, também deveria ser homenageada com o nome de seu maior expoente. Oxalá, pois, um dia tenhamos a Lei Sergio Moro.

DIEGO DUTRA GOULART, 33, é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo