terça-feira, 1 de setembro de 2015

"Onde está a honestidade?", por Carlos Heitor Cony

Folha de São Paulo


A troca de dossiês, jornais contando os podres de uns e outros, a suspeita generalizada e, em parte, confirmada de que o clima geral é de corrupção, obrigam-me a uma paráfrase de Stendhal –autor de minha devoção.

Fez um de seus personagens dizer: "Na França, cometem-se crueldades, mas sem crueldade". Adaptando a frase para a nossa vida pública: no Brasil, cometem-se desonestidades, mas com honestidade.

Podia ser um paradoxo, mas quando Marco Antônio, no funeral de César, disse que todos os conspiradores eram homens honrados, estava sendo lógico e não havia contradição no que dizia. Um pouco de ironia, talvez, mas, no fundo, elogiando a honestidade de Brutus "and the rest", inclusive o poeta Cina pelos seus "bad versus".

Um décimo, um centésimo de verdade nas acusações que andam por aí, de um lado para outro, bastaria para configurar a progressiva decadência moral de nossa vida pública. Certo que as exceções são muitas, mas os homens verdadeiramente honrados nunca sabem o que pode vir pela frente. Na dúvida, cada um fica na sua.

A cobertura que a mídia vem dando aos futuros sobas, que esperam as próximas eleições, demonstra a voracidade de alguns políticos que se consideram a reserva técnica para o que der e vier. Lula, Temer e FHC, cada um a seu modo, e a própria Dilma, que atravessa a escura noite da alma (estou citando San Juan de la Cruz), esperam as surpreendentes voltas do destino e da política para se colocarem à disposição da pátria.

E enquanto se discute em generoso destaque e com suspeita insistência a linha de partida, como na Fórmula Um, brotam as informações de que tudo vai mal para alguns e nunca o Brasil esteve tão próspero para outros. Não pagamos as dívidas velhas e deixamos que as novas se tornem velhas.