domingo, 27 de setembro de 2015

"Metas de Dilma vão muito pouco além do que já está em curso", por Marcelo Leite

Folha de São Paulo


A "contribuição pretendida nacionalmente determinada" (INDC, em inglês) anunciada pela presidente Dilma Rousseff (PT) pode ser encarada sob dois ângulos. Um é um pouco mais positivo que o outro, mas não permite afirmar que haja uma meta ambiciosa no combate contra o aquecimento global.

Do ponto de vista das INDCs apresentados até aqui por outros países, a brasileira pode ser considerado animadora. Trata-se do primeiro país em desenvolvimento a assumir um objetivo de redução absoluta de emissões de gases do efeito estufa (GEE): menos 43%, em 2030, sobre os níveis de 2005.

É um avanço. Em 2009, para a Conferência de Copenhague, o governo brasileiro falava apenas em desvio para baixo com relação a uma trajetória de crescimento. Ao falar em corte, agora, traz algum alento para a Conferência de Paris, em dezembro.


Matt Campbell/Efe
MCX02. New York (United States), 27/09/2015.- President Dilma Rousseff of Brazil delivers her address during the United Nations Sustainable Development Summit which is taking place for three days before the start of the 70th session General Debate of the United Nations General Assembly at United Nations headquarters in New York, New York, USA, 27 September 2015. (Brasil, Estados Unidos) EFE/EPA/MATT CAMPBELL ORG XMIT: MCX02
Dilma Rousseff discursa na ONU em conferência sobre sustentabilidade


De um outro ponto de vista, contudo, não há muito a comemorar. O Planalto não apresentou indício concreto de que fará esforço adicional significativo para ajudar o mundo a não ultrapassar a fronteira arriscada dos 2ºC de aquecimento da atmosfera desde a era pré-industrial.

Dilma Rousseff fala em compromisso para o futuro, mas na prática continua a vangloriar-se pelas conquistas do passado. O xis da questão está no ano tomado como referência, 2005.

Naquele momento, o desmatamento na Amazônia ainda estava nas alturas (19.014 km2). Em 2004 havia sido apurada a segunda maior taxa anual de todos os tempos, 27.772 km2. Nos últimos anos, baixou para a casa dos 5.000 km2 anuais.

As emissões oficiais brasileiras em 2005 foram de 2,043 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (GtCO2eq). Cortar 43% disso, como anunciou Dilma, significa que dentro de 15 anos o país estaria emitindo 1,165 GtCO2eq. Parece um esforço enorme, mas a rigor não é.

Como não se cansa de repetir a presidente, de lá para cá o desmatamento caiu de forma acentuada, coisa de 80%. Caíram também, por consequência, as emissões de GEE. Segundo o próprio governo, em 2012 estimava-se que estivessem em 1,203 GtCO2eq.

Portanto, com relação a três anos atrás, o Brasil se propõe a cortar apenas 38 milhões de toneladas. Ou seja, seguir no mesmo patamar, sem redução que signifique alguma coisa palpável para a mudança do clima.

Também não há por que se entusiasmar com as metas setoriais apresentadas em Nova York. Dilma disse que o país terá 45% de participação de fontes renováveis na energia consumida pelo país (eletricidade e combustíveis). Hoje já estamos em 42,5%.

No que respeita à matriz de eletricidade, falou que, em 2030, 23% da geração provirão de fontes limpas como biomassa, eólica e solar (excluídas portanto as hidrelétricas).

Ora, seu próprio Plano Decenal de Energia (PDE 2024) prevê que a capacidade instalada dessas outras renováveis subirá para 21% em 2018 e para 27% em 2024.

Mesmo que não gerem energia o tempo todo, sendo fontes intermitentes, não parece difícil chegar aos 23% (hidrelétricas também produzem pouco em períodos secos).

Pior: o mesmo PDE 2024 projeta que a participação das usinas termelétricas -leia-se: combustíveis fósseis- sairão de 12,4% da matriz elétrica para 14,4%.

Restaurar 120 mil km2 de florestas derrubadas e recuperar 150 mil km2 de pastos degradados são boas notícias, mas nada que cause espanto. É o mínimo que o país poderia fazer, ainda que não tão parco de ambição quanto zerar só o desmatamento ilegal nos próximos 15 anos.

Um quarto do território nacional é ocupado por pastagens, a maior parte delas degradada. Estudo de Britaldo Soares-Filho, da UFMG, projeta que um aumento de 50% na baixa produtividade da pecuária permitiria liberar 460 mil km2 para a agricultura de grãos, eliminando a necessidade de desflorestar para produzir.

O Observatório ABC (Agricultura de Baixo Carbono, um centro sediado na FGV) calcula que a recuperação de 520 mil km2 de pastos doentes possibilitaria evitar a emissão 0,67 GtCO2eq e ainda armazenar no capim bem manejado mais 1,1 GtCO2eq retirados do ar.

Partindo desse total de 1,77 GtCO2eq e aplicando uma regra de três aos 150 mil km2 de Dilma, ainda haveria uma economia da ordem de 0,5 GtCO2eq. Mas como o governo projeta para 2030 emissões estacionadas no nível de 2012, parece que a meta do governo é, no fundo, usar essa poupança para gastar com emissões ampliadas de combustíveis fósseis (leia-se: pré-sal).