sábado, 12 de setembro de 2015

"Lula com Cristina e a tormenta de Dilma", por Vitor Hugo Soares

Com Blog do Noblat - O Globo


A quem interessar possa: Contentem-se com as desculpas e as tiradas de humor nas quase inaudíveis catilinárias das entrevistas do tímido (ou matreiro?) ministro Levy. Ou com as falas canhestras dos petistas Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil). Ou, pior ainda, com as ideias desconexas e atrapalhadas da mandatária Dilma Rousseff.
É o que temos, por enquanto, nesta veloz, mas previsível, chegada à beira do despenhadeiro da economia e da política do País. Ao mesmo tempo, por,que desgraça não vem só.
Não contem com a presença ou os discursos e projetos salvacionistas, de ocasião, do ex-presidente Lula, nesta semana azíaga de tormentas e dúvidas, depois da agência de classificação de riscos Standard & Poor's ter rebaixado a nota e retirado o grau de investimento do Brasil. Um golpe severo, "você queira ou não queira, nêgo, nêga" (como no frevo O Carnaval Chegou, de Caetano Veloso). Sua Excelência, o fato, mexe negativamente na autoestima, com o mesmo grau e força positivos que a propaganda dos governos petistas emprestava às avaliações favoráveis das agências internacionais de risco até esta semana.
A quem ainda não sabe, eu conto: Exatamente na quarta-feira, 9, quando a má notícia chegou por aqui - com o impacto de um soco ou pernada no plexo de um lutador peso pesado da MMA – deixou grogue o Governo Dilma (PT) e os aglomerados políticos em volta -  Lula baixava na Argentina. O ex-presidente (aparentemente em ensaios de volta) viajou para mais uma temporada de palanques em campanha eleitoral, palestras com empresários, proselitismos e "arranjos" (a palavra favorita de governantes e políticos do partido no poder no Brasil). Bem ao gosto, igualmente, do peronismo que manda há anos no país vizinho da América do Sul.  
Na noite do mesmo dia, Lula foi fotografado, afagado e aplaudido por facções do Justicialismo ligadas ao clã dos Kirchner (rejeitado e condenado duramente, também, por adversários de outras correntes), no comício promovido no município de José C. Paz , a propósito da inauguração de uma espécie de UPA argentina (mini hospital para atendimento de casos de alta complexidade, que Lula criou em seu governo), instalado no coração de um bairro paupérrimo e abandonado pelo poder público nos arredores da Grande Buenos Aires.
Um cenário quase familiar, já se vê. A presidente Cristina Kirchner, seu candidato a sucessor, Daniel Sciolli, e o ex-presidente brasileiro cruzaram feericamente os arredores de Buenos Aires, bem aos moldes das superproduções marqueteiras que vimos recentemente por aqui. Lula e Sciolli de carro, Cristina de helicóptero. Um grande diretor de Hollywood não faria melhor.
“Trata-se de que os pobres não tenham de ir ao hospital, mas o hospital aos pobres”, discursou Lula para milhares de peronistas “inebriados, com suas bandeiras e até com um boneco de Néstor Kirchner de tamanho natural, que brandiam”, registrou o jornal espanhol El Pais. Nem sombra do boneco inflado de Lula por perto.
Amaldiçoado seja quem pensar mal destas coisas, diriam os irônicos franceses.   
Mais tarde, do alto do palanque, o líder brasileiro, crivado de problemas e cercado de suspeitas graves em seu país, exibia um evidente ar de despreocupação e contentamento e ego inflado. De verdade, ou por mero jogo de aparências de um ator consumado.
No comício, Lula dedicou loas "ao companheiro Scioll", mas reservou os maiores e melhores afagos para os Kirchner: “Com Kirchner enterramos a ALCA aqui em Mar del Plata. Aqui criamos a Unasul. É uma pena que Néstor não esteja aqui para ver Cristina, uma mulher realizada e vencedora. A senhora deixa a presidência como uma heroica defensora dos pobres”, disparou Lula.
No dia seguinte, em palestra em Buenos Aires, o líder brasileiro desdenhou solenemente a decisão de rebaixamento da nota de investimento no Brasil pela agência de risco. E, indiretamente, lançou farpas para a afilhada no Brasil: “Aos primeiros sintomas de uma crise começam a falar de cortes, de reduzir salários. Todas as medidas que, levadas a cabo nos anos 90, conduziram países ao empobrecimento”. E avisou, em seguida, que vai passar o resto da semana com a companheira Cristina, em campanha na Argentina.
"Sorete", como dizia o saudoso Walmir Palma, maior e mais legendário repórter policial do centenário jornal A Tarde, das delegacias e dos melhores pontos de boemia e boa conversa da Cidade da Bahia antes da Internet , WhatsApp e telefone celular. No ar e no jeito do ex-presidente, um toque nada sutil, igualmente, do refrão da famosa canção da gaúcha Luka: "Tô nem aí".
Ao fundo, em Buenos Aires, escuta-se o tango “Cambalache”.
Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e Lula (Foto: Divulgação)Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e Lula (Foto: Divulgação)