New York Times
Depoimento de autoridades do BC americano trazem nova luz sobre a decisão de deixar o banco falir
NOVA YORK - Dentro do Federal Reserve de Nova York o tempo se esgotava para resolver um problema que mudaria Wall Street para sempre.
Naquele setembro, há seis anos, a pergunta que não queria calar era: o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) poderia salvar um grande banco de investimento, cujo colapso ameaçava toda a economia?
A firma em questão era o Lehman Brothers. E a resposta para alguns dentro do Fed era “sim”, o governo poderia resgatar o banco, segundo novos relatos de autoridades do BC americano que estavam lá na ocasião.
Mas, como o mundo agora sabe, ninguém resgatou o Lehman. Em vez disso, deixou-se que a firma entrasse em colapso da noite para o dia, uma decisão que, em fria retrospectiva, permitiu que os problemas de um banco gerassem um efeito dominó, numa explosão de pânico. Quando a poeira da implosão do Lehman se dissipou, quase cada um dos demais grandes bancos precisou ser resgatado.
Por que, considerando-se tudo o que aconteceu, o Lehman foi o único que não foi considerado grande demais para ser salvo?
NOVO RELATO
Pela primeira vez, os diretores do Fed oferecem um relato que difere significativamente das versões que, para muitos, se consolidaram na história.
Ben Bernanke, o presidente do Fed à época; Henry Paulson Jr., ex-secretário do Tesouro; e Timothy Geithner, na ocasião presidente do Fed de Nova York, argumentaram que o Lehman estava mergulhado em tal atoleiro, devido a seus arriscados investimentos no setor imobiliário, que o Fed não tinha autoridade para salvá-lo.
Mas, agora, entrevistas com atuais e ex-autoridades do Fed mostram que um grupo dentro do BC de Nova York tendia à posição contrária — que o Lehman era precariamente solvente e portanto poderia ser resgatado. Nos frenéticos que eventos que se tornaram conhecidos como o “fim de semana Lehman”, esta análise preliminar nunca chegou ao alto escalão, antes que eles decidissem deixar o banco afundar de uma vez por todas.
Entender por que o Lehman foi abandonado à morte vai além de apontar sua responsabilidade pela crise financeira e a recessão que custou milhões de empregos e a poupança de cidadãos americanos comuns. Hoje, muito tempo depois dos resgates, o debate se estende sobre a autoridade do Fed para resgatar firmas em dificuldades. Alguns diretores temem que, quando vier a próxima crise, o BC americano terá menos poder para blindar o sistema financeiro contra a falência de um único grande banco. Após o colapso do Lehman, o Congresso americano limitou os poderes do Fed para resgatar um banco em dificuldade.
AVALIAÇÃO IGNORADA
A discussão sobre salvar ou não o Lehman foi reduzida a uma questão crucial: o banco possuía suficiente volume de ativos para respaldar um empréstimo do Fed? Achar a resposta a esta questão coube a duas equipes de especialistas em finanças do Fed de Nova York. Essas equipes concluíram preliminarmente que o Lehman poderia ter condições para se candidatar a receber ajuda, mas os membros dessas equipes dizem agora que nunca informaram Geithner, que, por sua vez, disse desconhecer os resultados dos trabalhos das equipes.
— Meus colegas no Fed de Nova York foram cuidadosos e criativos e, como mostrou a crise daquele outono, estávamos prontos para caminhar distâncias extraordinárias para proteger a economia do desenrolar de um desastre financeiro — afirmou Geithner na segunda-feira em uma entrevista ao “New York Times” (“NYT”). — Exploramos todas as alternativas para evitar o colapso do Lehman, mas o tamanho de suas perdas era tão grande, que não conseguiam atrair um comprador, e nós não podíamos emprestar numa escala suficiente para salvá-los.
Bernanke e Paulson disseram em entrevistas recentes ao “NYT” desconhecer as análises ou conclusões do Fed.
Entrevistas com meia dúzia de autoridades do BC americano, que falaram na condição de anonimato, de modo a preservar o informal voto de silêncio do Fed, sugerem que alguns membros do banco central acreditavam que o governo possuía a autoridade para jogar ao Lehman um salva-vidas, mesmo com o banco à beira da falência. Antes, o Fed já havia resgatado o Bear Stearns, após uma rápida análise, e apenas alguns dias depois salvou o American International Group (AIG). Na sequência, o governo resgatou o Bank of America (BofA), Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley.
JULGAMENTO MORAL
No fim das contas, salvar ou não o Lehman foi um julgamento moral e não uma imposição determinada por estatutos legais, disseram essas fontes.
— Os advogados estavam colados em nós — disse um dos participantes das discussões. — E eles nos ajudaram muito a formatar as questões. No entanto, nunca disseram que não poderíamos fazê-lo (salvar o Lehman).
Com outro participante colocou:
— Foi uma decisão política e de gestão, e não uma decisão legal.
O relato das autoridades do Fed de Nova York dão um novo insight num momento perigoso na história de Wall Street. Inúmeros figurões financeiros — de grandes chefes de Wall Street a gestores de política do governo — têm dito que deixar o Lehman morrer da forma que morreu foi um erro de cálculo que causou danos desnecessários.
“Há quase um consenso universal de que a derrocada do Lehman Bros. foi o evento catalizador de toda a crise financeira e que a decisão de deixá-lo sucumbir foi a decisão catalizadora”, escreveu Alan Blinder, professor de Economia de Princeton e ex-vice-presidente do Fed, em seu livro sobre a história da crise financeira, “After the Music Stopped” (“Depois que música parou”).
— O Fed explicou que a decisão foi uma questão legal — disse Blinder em entrevista. — Mas isso será verdade ou válido? São questões importantes.
Se o Fed deveria ter tentado salvar o Lehman ainda é uma questão controversa. E não está claro, inclusive, se a firma poderia ter sido salva.
O que aconteceu naquele setembro foi o acúmulo de circunstâncias que remontavam anos atrás — pessoas comuns ávidas por tomar empréstimos, bancos ávidos por emprestar e engenheiros de Wall Street abocanhando bônus multimilionários. Mesmo assim, salvar o Lehman de um colapso total talvez pudesse ter blindado a economia daquilo que acabou se tornando um golpe destruidor.