segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Com Bolsa em queda, aposta em consumo e infraestrutura

Estrangeiros selecionam setores com perspectiva de ganho no médio prazo 

João Sorima Neto e  Roberta Scrivano - O Globo
 
Para o pequeno investidor com saldo na conta bancária e disposição para correr algum risco num cenário de queda da Bolsa, uma das estratégias recomendadas pelos analistas é observar o comportamento dos estrangeiros. Nos últimos meses, esses investidores fugiram dos mercados emergentes, incluindo o Brasil, como resultado da onda de desconfiança em relação aos fundamentos destes países. Quem ficou mostrou não só sangue frio como disposição para investir no curto e médio prazos. Depois que o Ibovespa, índice de referência do mercado, recuou 15,5% no ano passado e acumula desvalorização de 8% nos dois primeiros meses do ano, a aposta recaiu sobre os setores de energia, infraestrutura e consumo. De outro lado, com a alta dos juros para 10,5% ao ano, os estrangeiros estão de olho na remuneração da renda fixa.

— A Bolsa brasileira representa 90% do mercado de ações da América Latina. Não dá para pensar em investir na região sem estar no Brasil, onde sempre há oportunidades — afirmou Marcelo Kayath, diretor do Credit Suisse, que divide sua rotina em escritórios no Brasil, México e Nova York.

‘Não dá para piorar mais’

Para Kayath, os estrangeiros ainda veem o Brasil como um país em construção. Isso justifica a escolha por papéis do setor de infraestrutura. Depois, a chamada nova classe média, que ganhou 40 milhões pessoas, é a explicação para a inclusão de ações do setor de consumo em seu portfólio. E, por último,o setor de eletricidade.

— Neste momento, o investimento mais recorrente do estrangeiro, que vislumbra o curto prazo, está nas empresas que produzem o que a classe média aspira. Os setores de infraestrutura e energia são para médio e longo prazos. Quando o governo é favorável, a infraestrutura recebe uma enxurrada de investimentos — disse o diretor do Credit Suisse.

O economista e sócio do Pátria Investimentos, Luís Fernando Lopes, que vive na ponte aérea entre São Paulo e Londres, afirma que os estrangeiros com o foco em investimentos num horizonte de dois ou três anos estão comprando papéis. Segundo Lopes, esse investidor representa entre 15% a 20% dos recursos de estrangeiros aplicados em renda variável no Brasil.

— Esse tipo de investidor faz um movimento contrário ao daquele de curto prazo, que bateu em retirada com a realocação de parte dos recursos dos grandes fundos de investimento em ativos dos EUA e da Europa, onde as economias estão em recuperação — explicou.

De outro lado, Lopes afirma que os bancos estão voltando a incluir papéis de estatais como Eletrobras e Petrobras — alvos de interferência do governo — sob o argumento de que “não dá para piorar mais”. Isso porque estas são empresas de valor, mas que estão sendo negociadas com grande desconto na Bolsa. No ano, Eletrobras acumula queda de 10,37% e Petrobras, de 17,5%.

Para Jason Vieira, consultor e interlocutor frequente de investidores estrangeiros, quem tem uma fatia da carteira em países latinos invariavelmente passa pelo Brasil.

— Nosso principal concorrente hoje é o México. Aqui o investidor estrangeiro ainda é muito mal tratado, com as idas e vindas de impostos e a ingerência política, como se viu em energia e bancos.
Outra pista para o pequeno investidor interessado em boas oportunidades na Bolsa vem do J.P.
Morgan. Em entrevista ao “Wall Street Journal”, na semana passada, o diretor de investimentos em ações de mercados emergentes do banco, Richard Titherington, disse que a desvalorização de moedas locais pode tornar os produtos de um país mais competitivos no exterior. Por isso, ele aumentou sua exposição a companhias com receita em dólar ou que exportam parte de sua produção, como fabricantes de aeronaves.

Ntn-b para lidar com juro alto

A retomada do ciclo de alta da Taxa Selic, que passou de 7,25% ao ano em abril para os atuais 10,5%, trouxe de volta a atratividade da renda fixa. Embora o movimento ainda seja tímido, os estrangeiros já começaram a procurar títulos públicos como as Notas do Tesouro Nacional, série B (NTN-B), segundo Kayath, do Credit Suisse. São papéis que pagam uma taxa de juro de 6,66%, mais a inflação medida pelo IPCA.

Do outro lado do mundo, os investidores japoneses também começaram a perceber a atratividade do juro no Brasil. Aumentou a procura por um título chamado Uridashi que é emitido pelos bancos em moeda brasileira. Esses papéis pagam o juro brasileiro mais a variação cambial. Do total de Uridashis dos mercados emergentes, os títulos em reais saltaram para 70% neste ano. Eram apenas 30% em 2013, segundo dados da Bloomberg.

— Esses títulos são como um investimento japonês aqui. A maior procura se justifica pela alta na taxa de juro no Brasil e a expectativa de que a Selic suba ainda mais. O investidor também ganha com a variação cambial. No Japão, o juro está em 0,1% ao ano — explica o estrategista-chefe do banco japonês Mizuho no Brasil, Luciano Rostagno.