sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

'Falta vergonha na cara', afirma Augusto Nunes

 O que há com o Brasil que não reage à chegada dos idiotas ao poder?


Congresso Nacional | Foto: Shutterstock

N unca vi meu pai mergulhado em leituras. Saltava páginas dos livros que empunhava de vez em quando, só folheava o jornal e, forçado a aumentar a renda mensal como professor de Geografia, limitava-se a passar os olhos pelas folhas preenchidas pelos alunos nas provas mensais. Em seguida, desenhava no alto do canto direito da folha manuscrita um 7 ou um 8. “Não quero reprovar ninguém”, explicou-me Adail Nunes da Silva quando quis saber quais eram os critérios que usava. “Dou essas notas porque não reprovam ninguém, mas também avisam que eles não sabem tudo. Quem ganha um 9 ou um 10 para de estudar no minuto seguinte.” E por que a metodologia tratava tão bem os que não sabiam nada? “Esses não têm jeito”, encerrou o assunto. 

Embora tenha estudado em escolas medíocres, ele se diplomou em Economia e Direito e aprendeu a escrever ou falar sem erros. Na juventude, divertia os amigos com o inesgotável repertório de contador de casos. Ao estrear no palanque com menos de 30 anos, mostrou que já estava pronto o extraordinário orador de comício. Além do extenso vocabulário, impressionava a ausência de agressões à língua portuguesa. Não escorregava nem mesmo quando resolvia exibir-se para plateias menores com o uso da segunda pessoa do plural. E lá vinha, sem tropeços, o desfile de “vós sabeis”, “estais aqui” e outros refinamentos.


Jânio Quadros e Carlos Lacerda antes da “crise” | Foto: Reprodução/Alesp 


Depois de um comício, quis saber como aprendera a dominar a arte do discurso improvisado. “Ouvindo pelo rádio os melhores”, ele desfez o mistério. Informou que nunca perdeu qualquer show de retórica protagonizado por gente como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Oswaldo Aranha, Afonso Arinos e outros tribunos. “Pena que ministros do Supremo não possam manifestar-se no rádio”, lamentou. “Gostaria demais de ouvir nas emissoras de rádio ministros como Evandro Lins e Silva e Nelson Hungria”, exemplificou meu pai. “Quem já ouviu esses e outros saiu muito impressionado. Mas juiz só fala nos autos”, lastimou o homem que lapidara a vocação num curso radiofônico longo e intensivo, ministrado por sumidades que não existem mais. Os idiotas monopolizam a TV Justiça. 

A morte poupou-o de amargurar-se com a era da mediocridade. O primeiro quarto do século 21 conferiu dimensões medonhas à descoberta de Nelson Rodrigues: os idiotas perderam o pudor e estão por toda parte. Dão as cartas no Poder Executivo, informa a terceira passagem pelo Planalto de um espertalhão analfabeto. Babam na gravata no Congresso: com Hugo Mota na Câmara e Davi Alcolumbre, a zona de turbulência está muito longe do fim. E fazem o diabo no Judiciário. Sob a liderança do decano Gilmar Mendes, a Ala Jovem do Supremo Tribunal Federal atropela a gramática e a ortografia nos autos ou fora deles, mete-se em assuntos que ignora e comete um abuso a cada meia hora. Pior: os frutos da idiotia epidêmica têm tempo de sobra para completar o trabalho de destruição iniciado há seis anos pelo parto do Inquérito do Fim do Mundo.


A ditadura do Judiciário não demorará a parecer um nada. Mas o calendário gregoriano alerta: é muito tempo amputado das nossas vidas. 


O que há com o Brasil decente que não se espanta com nada? A advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, embolsou R$ 3,6 milhões por mês para garantir o apoio do marido ao vigarista Daniel Vorcaro. A advogada Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli, foi sócia do Warde Advogados, um dos escritórios contratados pelo Banco Master. O time do doutor Walfrido Jorge Warde Júnior, aliás, acolhe até jornalistas cujas piruetas políticoideológicas reduziram a conversão do apóstolo Paulo a uma mudança tão irrelevante quanto deixar de torcer pelo Jabaquara para matar e morrer pela Portuguesa Santista.


Lula (PT), entre Hugo Motta (PP) e Davi Alcolumbre (União Brasil): negociações pela manutenção do poder | Foto: Fabio RodriguesPozzebom/Agência Brasil

Na festa de aniversário da chegada de Dias Toffoli ao STF, o homenageado emocionou-se. “As pessoas nem sabem que nosso trabalho é difícil e importante”, choramingou, com uma lágrima pendurada no canto de cada olho. “É um orgulho estar ao lado dos maiores juristas do país.” Um deles foi reprovado duas vezes no concurso de ingresso na magistratura paulista. Outro “grande jurista”, Alexandre de Moraes, fora o que vem fazendo na Vara Criminal que criou, agride o idioma com expressões como “há vinte dias atrás”. 

Como é que um time assim amedronta tantos brasileiros? O que há com o Congresso que não enquadra na Constituição e na lei comum os abusadores que prendem e arrebentam vidas e normas milenares para fortalecer essa democracia à brasileira? Sim, como ensinou William Shakespeare, não há noite tão longa que não encontre o dia. Sim, medida pelo tempo histórico, a ditadura do Judiciário não demorará a parecer um nada. Mas o calendário gregoriano alerta: é muito tempo amputado das nossas vidas. Vêm aí as eleições. Basta que a oposição repita o desempenho de 2024 para formalizar a troca da guarda e colocar o país no rumo certo. O presidente do STF, Edson Fachin, acha necessária a elaboração de um código de ética para frear

os ímpetos e excessos da instituição. Sugiro uma adaptação da curta e perfeita Constituição criada pelo historiador Capistrano de Abreu: Art. 1°: Todo ministro da corte fica obrigado a ter vergonha na cara. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.


 Augusto Nunes - Revista Oeste

'Anatomia de uma fraude', por Carlo Cauti

Como um desconhecido boêmio mineiro, com um histórico de fracassos empresariais, conseguiu liderar a maior fraude bancária da história do Brasil e prejudicar dezenas de milhares de funcionários públicos


Daniel Vorcaro, presidente do Banco Master | Foto: Divulgação 


Quando Daniel Vorcaro foi preso, estava sorrindo. As imagens da câmera de segurança do Aeroporto de Guarulhos (SP) mostram o diretor-presidente do Banco Master recebendo voz de prisão de um policial federal. O rosto parece entre o divertido e o incrédulo. 

O executivo de 42 anos passava pelo controle de raio-X para embarcar em seu jato particular Falcon 7X, avaliado em R$ 200 milhões, que aguardava na pista com motores já ligados, pronto para decolar em direção à ilha de Malta, no Mediterrâneo.


Câmeras de segurança flagram o momento em que Daniel Vorcaro é preso no Aeroporto de Guarulhos (SP) | Foto: Reprodução/G1


Com camisa desabotoada até quase o umbigo, terno ajustado, cabelo com gel puxado para trás e celular na mão, deve ter achado tudo aquilo uma brincadeira. Ou estar confiante de que seus contatos poderosos em Brasília o libertariam em poucos minutos. Apenas o tempo de um telefonema. 

Não foi assim. Cercado por 15 policiais federais, acabou sendo levado para o centro de detenção provisória da cidade aeroportuária, onde permaneceria por 12 dias. Aparentemente sem perder o sorriso, como mostram as fotos tiradas na prisão, nas quais aparece ao lado de um guarda armado de fuzil. De camiseta branca, boné verde do Los Angeles Dodgers e uma Bíblia de Estudo Almeida debaixo do braço.

Difícil saber se o riso era fruto da falta de noção sobre os acontecimentos ou da certeza da impunidade. Mesmo sendo o responsável pela maior crise bancária da história do Brasil, com um rombo de R$ 41 bilhões no Fundo Garantidor de Crédito (FGC) — mais do que dobrando o escândalo do Bamerindus, que em 1997 tinha acumulado um passivo de pouco menos de R$ 20 bilhões. Sem contar os outros bilhões de reais perdidos no Master por fundos de pensão de empresas públicas estaduais, que deixarão dezenas de milhares de trabalhadores sem aposentadoria.


Momento em que Daniel Vorcaro sai da prisão | Foto: Reprodução/Jurinews 


Incompetência e ousadia 

Daniel Vorcaro nunca conseguiu administrar algo. Estudante medíocre e boêmio, aos 19 anos recebeu do pai, um empreiteiro de Minas Gerais, uma empresa de educação chamada PQS Empreendimentos Educacionais Ltda. e outra de livros didáticos. Seu objetivo era tocar os negócios, juntando as duas operações. Fracassou e foi forçado a vender para uma rede de escolas de Belo Horizonte. 

Voltou a trabalhar com o pai, até que se tornou sócio de um fundo de investimento de cemitérios, que também deu com os burros n’água. Foi investigado por manipulação do mercado, mas optou por encerrar o caso por meio de um Termo de Compromisso e pagou R$ 2,2 milhões para evitar punições adicionais. 

Tentou construir um hotel de luxo em Belo Horizonte, utilizando incentivos concedidos pela prefeitura para aumentar a capacidade de hospedagem às vésperas da Copa do Mundo de 2014. Adquiriu um prédio abandonado em uma região decadente da capital mineira e assim começaram as obras para o Golden Tulip, uma torre de vidro de 37 andares, com heliponto, restaurantes, SPA e um centro de convenções de 7 mil metros quadrados. A obra, orçada em R$ 200 milhões, em parte com dinheiro público, tinha que estar pronta até o dia 30 de março de 2014. O dinheiro acabou e o hotel não foi concluído.

Vorcaro foi resgatado novamente pela construtora do pai, até que encontrou Saul Sabbá, dono do Banco Máxima, praticamente falido. A gestão fraudulenta de Sabbá tinha provocado um rombo tão grande no caixa que o Banco Central (BC) foi forçado a inabilitá-lo. A solução foi oferecer o Máxima para Vorcaro, que aceitou na hora. 

Com outros dois sócios, o empresário injetou a liquidez mínima para que o Máxima voltasse a funcionar. Pediu autorização para o Banco Central para operar, mas só a obteve dois anos depois, em 2019, após inúmeras viagens a Brasília.

O golpe de sorte foi a mudança na estratégia do BC em relação ao mercado bancário, tradicionalmente muito concentrado no Brasil. Para favorecer a concorrência, autorizou naquele período um grande número de entidades de crédito, entre bancos e fintechs.

Em 2021, Vorcaro mudou o nome do banco para Master e começou a escalada. Em apenas cinco anos, a instituição passou de um patrimônio líquido de R$ 200 milhões para R$ 4,7 bilhões, com uma carteira de crédito que avançou de R$ 1,4 bilhão para R$ 40 bilhões. Um crescimento de quase 100% ao ano, todos os anos. Nenhum banco brasileiro, nas últimas três décadas, conseguiu ter uma expansão dessa magnitude em tão pouco tempo.

Isso deveria ter chamado a atenção de muita gente. Principalmente das autoridades de vigilância, e em especial pela forma como o Master captava recursos do mercado. O banco oferecia Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com juros 30% mais altos do que a concorrência. 

O problema não era apenas a ousadia na remuneração de seus papéis, mas como os recursos captados eram aplicados. Com juros tão elevados, seria necessário investir em atividades com um retorno ainda maior para poder devolver o dinheiro aos clientes, algo muito difícil de ser encontrado no mercado. O Master fazia exatamente o oposto: desembolsava bilhões em empresas em recuperação judicial ou com sérios problemas econômicos, apostando que dariam a volta por cima e passariam a operar no azul. Não foi o que aconteceu e o banco não recebeu o dinheiro de volta.

Boa parte das empresas que receberam recursos do Master é controlada ou investida pelo empresário Nelson Tanure — entre elas, a Oi, a Light — ou é de amigos dele, como a Ambipar. Tanure não aparece oficialmente como sócio do banco, mas a Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram um inquérito para verificar se Tanure seria o controlador real do Master. Relatórios técnicos e informações de mercado geraram a suspeita de que o empresário usaria uma série de fundos de investimento, denominados Aventti, Estocolmo e Banvox, para controlar indiretamente o banco. 



Empresário Nelson Tanure, conhecido por investir em empresas em dificuldades financeiras | Foto: Wikimedia Commons 


Uma das operações que mais levantaram suspeitas sobre essa relação especial entre Tanure e o Master foi a compra de ações da Ambipar entre junho e agosto de 2024. Em poucas semanas, o valor dos papéis disparou mais de 800%, sem qualquer conexão com os resultados econômicos da empresa, que não conseguia produzir números positivos havia anos. 

Segundo uma investigação aberta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foram realizadas operações coordenadas entre fundos associados ao Master e a Tanure na compra de ações da Ambipar, o que poderia se enquadrar no crime de manipulação de mercado. A suspeita é que essa operação tenha sido uma “troca de favores” que permitiu à empresa aumentar seu valor de mercado, elevou o patrimônio do Master e permitiu que Tanure conseguisse as garantias necessárias para outra operação: a compra da estatal paulista Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) em leilão. 


Amizades poderosas 

Além de Tanure, Vorcaro mantinha relações estreitas com o poder. Ele se gabava de ter feito “fortes amigos” em Brasília, de que “no Brasil não tem como andar se não tiver esse tipo de proteção” e de que, sem o apoio de poderosos, não estaria no lugar aonde chegou. “O networking é algo bem relevante para querer criar algum tipo de empreendimento”, disse durante uma palestra em 2024. “É necessário criar conexões que favoreçam seu negócio.” 

Patrocinador de peso dos principais grupos de lobby do Brasil, como o Lide, do ex-governador João Doria, o Esfera, de João Camargo, e o Grupo Voto, de Karim Miskulin, o Master financiou vários eventos no Brasil e no exterior. Os convescotes reuniam empresários, políticos e, principalmente, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outras cortes superiores.

Um dos mais falados foi o Fórum Jurídico Brasil de Ideias, realizado no Hotel Peninsula, um dos mais luxuosos de Londres, em abril de 2024. Entre os convivas, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, além do advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O evento, cujo objetivo era discutir problemas do Brasil, ocorreu a 9 mil quilômetros de distância e a portas fechadas.

O Master financiou também a Lide Brazil Conference de Nova York, em novembro de 2022, eternizada pelo infame “perdeu, mané, não amola” pronunciado pelo ministro Luís Roberto Barroso contra um manifestante. O Fórum Esfera Internacional de Paris, em outubro de 2023, e o de Roma, um ano depois, ou o Fórum Empresarial Lide no Rio de Janeiro, em agosto de 2024. Todos os eventos locados em hotéis de luxo contaram com a presença de Moraes, Mendes, Barroso e Dias Toffoli, entre outros.

Além das mordomias, Vorcaro frequentemente emprestava seus três jatinhos de luxo para os amigos poderosos de Brasília se deslocarem dentro e fora do Brasil. Mais do que isso, os contratava diretamente. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, imediatamente após ter deixado o STF, se tornou membro do Comitê Consultivo Estratégico do Master, assim como dois ex-presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles e Gustavo Loyola. 

O networking deve ter funcionado, pois Vorcaro foi liberado menos de duas semanas depois de ser preso e Dias Toffoli decretou sigilo máximo no processo do Master poucas horas após viajar de jatinho particular para Lima, no Peru, onde foi assistir à final da Copa Libertadores. No mesmo voo estava um dos advogados do Master, Augusto Arruda Botelho, ex-secretário de Justiça do governo Lula, que atua no processo defendendo o diretor de compliance do Banco, Luiz Antônio Bull. 


Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli | Montagem: Revista Oeste/Shutterstock/Reprodução 


Vorcaro tinha grandes aliados também no Legislativo, especialmente no centrão. É o caso do senador Ciro Nogueira (PP-PI), onipresente nos eventos patrocinados pelo Master, e que, em 2024, apresentou uma emenda para elevar de R$ 250 mil para R$ 1 milhão a cobertura do FGC. O jabuti foi incluído na PEC da Autonomia Financeira do Banco Central e não passou despercebido, tanto que ganhou a alcunha de “Emenda Master” por favorecer diretamente títulos como CDBs, carros-chefe do banco. 

Outro episódio mostrou o tamanho da força do Master. Em julho de 2024, dois gerentes da Caixa Econômica Federal, feudo do PP, opuseram-se à compra de um lote de R$ 500 milhões em letras financeiras do Banco Master. Foram sumariamente demitidos. A área técnica de Renda Fixa da Caixa Asset tinha desaconselhado a aquisição, classificando-a como “arriscada” e “atípica” para os padrões da instituição estatal. Mesmo assim, a diretoria queria proceder. Diante da repercussão, a aquisição foi abortada.

Mas o mais grave foi a tentativa de aprovar um projeto de lei que permitiria ao Congresso Nacional demitir integrantes da diretoria do BC. Apresentado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), teve o apoio dos líderes das bancadas do MDB, PP, União Brasil, PL, PSB e Republicanos. Não prosperou pela oposição do corpo técnico do Banco Central. O projeto foi protocolado poucos dias antes da decisão do BC sobre a compra do Master pelo Banco de Brasília (BRB). Sentindo que a autorização não seria concedida, muita gente no Legislativo atuou para pressionar o Banco Central. Não adiantou, e a operação foi vetada. 


Desespero e fracasso 

A aquisição do Master pelo BRB foi uma última tentativa de Vorcaro de salvar o banco. Em 2025, o Master teria que reembolsar R$ 12 bilhões de CDBs em vencimento. Diante dos sérios problemas de balanço que a instituição financeira apresentava, em dezembro de 2024, Vorcaro e seus sócios foram convocados pelo então presidente do BC, Roberto Campos Neto, para uma reunião em Brasília. Na ocasião, foram intimados a recapitalizar o Master com R$ 2 bilhões até o dia 31 de março, ou o banco seria liquidado compulsoriamente. 

Dinheiro que eles não tinham, ou não queriam desembolsar. Milagrosamente, no dia 28 de março, o BRB anunciou ao mercado a compra do Master e, contextualmente, a injeção de R$ 2 bilhões. Exatamente o valor do aporte de capital exigido pelo BC — uma operação considerada no mínimo ilógica pelo mercado.


Paulo Henrique Costa foi demitido da chefia do BRB | Foto: Divulgação/BRB

Raramente se viu um banco menor tentar absorver um banco de maior dimensão. Muito menos um banco estatal e regional como o BRB em relação a um banco privado e nacional como o Master. Mas a pressão do governo do DF, controlador do BRB, foi mais forte. Sem contar que o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, é apadrinhado por Nogueira e já havia ocupado uma vice-presidência da Caixa. A compra foi vetada pela justiça do DF por suspeitas de irregularidades, mas mesmo assim a Assembleia Legislativa local votou a toque de caixa uma lei autorizando a transação. Em setembro, o Banco Central proibiu a compra. 

Mesmo com essas negativas, o BRB já tinha transferido cerca de R$ 12 bilhões para os cofres do Master com a compra de uma carteira de crédito que se descobriu ser fictícia. Vorcaro jurou ter adquirido a carteira de duas associações de servidores públicos da Bahia: a Asteba e a Asseba. Os contratos, contudo, eram atribuídos a pessoas físicas que residiam em outros Estados. As apurações do BC mostraram que os papéis foram comprados pelo Master de uma outra fonte, a Tirreno Promotoria de Crédito, considerada pela Justiça como uma empresa de fachada.


O dinheiro dos investidores financiou a dolce vita de um mineiro bon-vivant, que conseguiu — com a cumplicidade de muita gente — dar o maior golpe da história do Brasil. 


Foi essa a razão que levou à prisão de Vorcaro no aeroporto de Guarulhos e ao afastamento do presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, em seguida demitido pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. 


Fraude dos aposentados 

Mais uma vez, as maiores vítimas da fraude do Banco Master serão os brasileiros mais vulneráveis, como trabalhadores de empresas públicas de vários Estados e municípios brasileiros, que confiaram suas poupanças compulsórias a fundos de pensão que lhes deveriam garantir uma aposentadoria digna. Dezoito fundos de pensão de servidores públicos compraram papéis do Master muito além da cobertura oferecida pelo FGC, como mostrou a reportagem da edição 297 de Oeste. É o caso da Rioprevidência, responsável pela aposentadoria dos servidores do Estado do Rio de Janeiro, que aplicou quase R$ 1 bilhão em títulos do banco. Agora que o Master quebrou, receberá apenas R$ 250 mil.

A operação Compliance Zero está apurando se essas operações foram realizadas pela atratividade dos CDBs do Master ou por pressão dos amigos poderosos de Vorcaro. Empresas públicas e privadas também embarcaram nos papéis do Master, como a rede de tratamento de câncer Oncoclínicas, que investiu R$ 433 milhões, e a concessionária fluminense de saneamento Cedae, com R$ 200 milhões.

Aparentemente, o Master usou recursos de fundos de pensão estaduais desde o começo de sua trajetória. Se a Justiça brasileira funcionasse, Vorcaro teria sido preso há pelo menos seis anos. Em 2019, um juiz federal de Rondônia decretou sua prisão em um processo por aplicações financeiras feitas pelo Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do município de Rolim de Moura (RO), o Rolim Previ. A ordem nunca foi cumprida. Vorcaro também tentou manter esse caso em segredo de Justiça, alegando que a exposição poderia prejudicá-lo. E conseguiu: ainda hoje o processo permanece inacessível. 


Luxo e ostentação 

Com a avalanche de dinheiro que ingressou no banco em pouco tempo, Vorcaro dedicou-se àquilo que melhor sabia fazer: ostentar uma vida de luxo. Nas redes sociais, o banqueiro aparecia constantemente surfando em praias paradisíacas, nos Alpes suíços ou em festas de altíssimo padrão. Sempre rodeado de mulheres deslumbrantes. 

“O principal item que eu posso falar sobre é ter um propósito”, disse em 2024, quando convidado para discursar na Brazil Conference do MIT de Boston. 

“Sem propósito, não tem meta, nem projeção de onde chegar.” Em menos de cinco anos, Vorcaro comprou mansões no Brasil e no exterior por centenas de milhões de reais — como a de Trancoso, no litoral baiano, adquirida por R$ 280 milhões, rodeada por um enorme parque privativo de Mata Atlântica. Outra propriedade, em Miami, foi comprada por R$ 460 milhões — a transação mais cara já realizada na cidade americana. Também adquiriu três jatinhos Falcon 7X, Dassault Falcon 2000 e Gulfstream GV-SP por um valor total superior a R$ 1 bilhão.


Jatinho particular que seria usado por banqueiro para deixar o país, segundo a Polícia Federal - Foto: Divulgação/PF


Além disso, Vorcaro se tornou acionista do Atlético Mineiro, comprando 20% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) que controla o time por R$ 300 milhões.

Sem contar as extravagâncias imobiliárias de um banco pequeno, mas com claros sinais de megalomania. Como a sede faraônica na Vila Olímpia, em São Paulo, ou o aluguel recorde no 830 Brickell Plaza, em Miami, prédio mais alto da cidade, no qual nunca ocupou o escritório de quase 2,5 mil metros quadrados. A mesma coisa em Londres, onde o Master alugou um espaço no 22 Bishopgate, o prédio mais alto e um dos mais exclusivos da capital britânica, em que nem sequer os bancões brasileiros ousariam se instalar. 


A influenciadora Karolina Trainotti, de 29 anos, recebeu de uma empresa ligada ao banqueiro Daniel Vorcaro um apartamento avaliado em R$ 4,4 milhões na região da Avenida Faria Lima, uma das áreas mais nobres da capital paulista, em dezembro do ano passado. Ela está definida como “sugar baby” nos autos do processo | Foto: Reprodução/Redes Sociais


O negócio começou a ficar grotesco quando se descobriu que Vorcaro tinha doado um apartamento de R$ 4,4 milhões para uma “sugar baby”, Karolina Santos Trainotti, cujo nome apareceu em uma operação contra o tráfico internacional de cocaína. 

Vorcaro gastou cerca de R$ 20 milhões na festa de 15 anos da filha, realizada em agosto de 2023 em Nova Lima (MG). O evento viralizou com um bufê caríssimo, shows dos DJs Alok, The Chainsmokers, Dennis DJ, entre outros, e um bolo de R$ 25 mil, que chegou de avião de São Paulo. Para deixar os 500 convidados mais à vontade, o executivo asfaltou uma rua, deu vinhos Sassicaia e ofereceu diárias no Hotel Fasano aos vizinhos incomodados com o barulho. 

Aparentemente imune às críticas ou a preocupações, e mesmo com o Master no olho do furacão, Vorcaro decidiu festejar o Carnaval 2025 com pompa e circunstância. O banqueiro bancou um camarote na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, com 2,5 mil metros quadrados distribuídos em três andares, recheado de modelos internacionais e com chefs estrelados que prepararam pratos saboreados com bebidas de luxo. Custo total: R$ 40 milhões. A entrada era gratuita, desde que fosse amigo do dono.

Quando os credores do Master tentarem penhorar o patrimônio do banco para recuperar as perdas, dificilmente encontrarão algo. Boa parte acabou nas taças de champanhe, nas bandejas prateadas e nas luzes que iluminaram as noites infinitas de Daniel Vorcaro. O dinheiro dos investidores financiou a dolce vita de um mineiro bon-vivant, que conseguiu — com a cumplicidade de muita gente — dar o maior golpe da história do Brasil.


Daniel Vorcaro e sua namorada, a influenciadora Martha Graeff | Foto: Reprodução/Redes Sociais


Carlo Cauti - Revista Oeste

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