Presidente do PT disse que vídeo da Marinha foi "erro grave". (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados.)
Passeou pelo noticiário, e teve direito a seus quinze minutos de fama, a indignação do comitê central do PT contra um comercial da Marinha. O partido do governo tem a obrigação de apoiar o governo, ou pelo menos ficar de boca fechada, quando uma das forças comandadas pelo seu presidente da República faz propaganda, segundo ela própria, para recrutar gente. Mas não há nada como a direção do PT para aproveitar a mínima oportunidade que aparece para se fazer de esquerdista radical – naturalmente, quando pode fazer o seu show sem correr risco nenhum. Bater na Marinha, digamos, tem cara de “porrada nos milicos”, e oferece zero de perigo.
É o que acaba de acontecer com o escândalo do comercial da Marinha, promovido e denunciado pela presidente e inquisidora-chefe do PT como um “grave erro”. É grave mesmo? A peça de propaganda, um filminho com a mediocridade padrão da publicidade brasileira de hoje, mostra as durezas da vida militar e, ao mesmo tempo, as doçuras da vida civil para quem tem dinheiro no bolso. Moral da história: o governo está falando em cortar os privilégios dos militares, mas na Marinha o privilégio é rachar como um burro de carga. A presidente do partido ficou irada.
Já está decidido que não haverá corte nenhum nos contracheques dos militares. A Marinha não precisava do seu comercial, o PT não precisava se meter na história e no fim, como na “Festa no Interior”, ninguém matou e ninguém morreu. Entre eles, é claro
É mais uma batalha de Itararé do governo Lula: roncam de um lado, roncam de outro, e no fim nunca acontece nada. A Marinha fez o seu manifesto contra o plano do ministro Fernando Haddad, morto já na sala de parto, de cortar benefícios excessivos na remuneração do funcionalismo público, incluindo aí os militares. O PT fez o seu número como “partido de esquerda” – afinal das contas, esquerda tem de bater em “milico”, e a esquerda de Lula está travada nessa praia. O chefe tem medo de farda há 40 anos, e não admite que ninguém abra o bico para falar mal de gente fardada.
Dá, mais uma vez, uma bela soma zero. Já está decidido que não haverá corte nenhum nos contracheques dos militares. A Marinha não precisava do seu comercial, o PT não precisava se meter na história e no fim, como na “Festa no Interior”, ninguém matou e ninguém morreu. Entre eles, é claro: para o público pagante foi mais uma prova da determinação enfurecida das castas estatais mais privilegiadas em manter os seus privilégios. Quanto mais absurdos, mais histérica fica a sua defesa.
A prova veio junto com o pudim. Na mesma hora em que Marinha e PT faziam cara feia um para o outro, o consórcio de sindicatos que hoje fala em nome dos magistrados (chamam a si próprios de “associações”, mas são mais vorazes que qualquer dessas CUT que há por aí) proclamou que não vai aceitar que se mexa um milímetro nos seus esquemas de remuneração atuais. Não vão aceitar e Lula, o governo e o PT vão baixar o facho e engolir com casca e tudo. Por que mexer no pirão dos militares, se ninguém vai mexer no pirão dos juízes, desembargadores, procuradores, promotores e no resto do Judiciário mais caro do mundo?
A classe judicial exige – e Lula, o PT e sua PEC para “reduzir os altos salários” da máquina pública ficam de quatro diante da exigência, uma regra possivelmente inédita no planeta. A categoria não apenas se recusa a aceitar a mínima redução nos atuais privilégios de sua remuneração, como rejeita qualquer possibilidade de que esses privilégios deixem de aumentar ainda mais no futuro. É simples. Por conta das fraudes legais em vigor, os juízes, procuradores etc. etc. ganham mais, e frequentemente muito mais, que os R$ 44 mil por mês que a lei fixa como o salário teto para os servidores públicos.
Esse “teto” é uma das piadas mais insultuosas do Brasil estatal. Só para se ter uma ideia: os desembargadores acusados de vender sentenças no Mato Grosso do Sul estão ganhando, com isso e mais aquilo, R$ 200 mil mensais. Existe, aliás, gente que ganha muito mais que isso na magistratura brasileira. Mas os sindicatos judiciais não estão nem um pouco satisfeitos. Exigem que os seus salários, que já são os mais altos do mundo, continuem aumentando para sempre, por via dos infames “penduricalhos” e outras trapaças legais.
Cortes nos salários, benefícios e vantagens dos militares? Esqueçam. Esqueçam, aliás, qualquer corte, em qualquer área do funcionalismo. Para que pensar nisso, se os gatos mais gordos que se alimentam do Tesouro Nacional exigem ganhar mais ainda do que já estão ganhando? Os sindicatos da categoria judiciária dizem que se forem colocados limites no aumento perpétuo de seus ganhos, “metade” dos magistrados vai desistir da carreira, e aí seria preciso contratar outros, “ainda mais caros”. Não vai haver, é claro, uma única demissão, como você sabe muito bem – quem vai largar esse osso que, entre mil e uma vantagens, oferece a possibilidade praticamente oficial de vender decisões e, na pior das hipóteses, ser condenado a se aposentar com vencimentos integrais, mais a aposentadoria e mais todos os aumentos que aparecerem, até o fim da vida? Pensando bem: coitada da Marinha.
Gazeta do Povo