segunda-feira, 17 de junho de 2024

J.R. Guzzo: Aborto no Brasil deve ser decidido pelo povo e seus representantes no Congresso

 

Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do PL que equipara o aborto acima de 22 semanas ao homicídio.| Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados


Está sendo vendida ao público, através dos partidos de esquerda, da mídia e de grupos que descrevem a si próprios como representantes das 100 milhões de mulheres do Brasil, mais uma falsificação boçal do debate sobre o aborto. A questão, obviamente, tem dois lados legítimos. Uma parte da população, aqui e no resto do mundo, é a favor. Outra parte é contra. Ambas têm argumentos lógicos a apresentar – de consciência, de crenças pessoais, de natureza médica, de necessidades sociais e, talvez mais do que tudo, de entendimento sobre o que significa a vida humana.

Só existe uma maneira, sendo assim, de se lidar legalmente com o aborto: adotando como regra a posição que é defendida pela maioria das pessoas. O meio para definir a posição sobre o aborto preferida pela maioria é através de um plebiscito ou, mais simplesmente, por lei aprovada pelo Congresso Nacional – órgão que, segundo a Constituição, representa o povo brasileiro.

No debate sobre o aborto como ele está sendo proposto agora, os setores que se opõem à ideia querem proibir a decisão pelos meios constitucionais. O Congresso, na sua visão, não tem o direito de legislar sobre o tema. No caso específico ora em discussão, não admitem que os representantes do povo aprovem uma lei estabelecendo um limite máximo de cinco meses de gravidez para se fazer uma operação de aborto – a partir daí, eliminar o feto seria o equivalente ao crime de homicídio.

É essa, e nenhuma outra, a questão a ser decidida: se deve haver um prazo para a mulher abortar, ou se o aborto deve ser livre até o momento do parto, aos nove meses de gravidez. A frente pró-aborto, porém, transformou um projeto sobre limites temporais para a supressão do feto numa discussão sobre o estupro. A lei proposta prevê a criminalização de todo o tipo de aborto a partir dos cinco meses – não se destina só aos casos provocados por estupro. Mas inclui os que se originam nesse crime. Por conta disso, os deputados que defendem o prazo estão sendo acusados de apresentarem uma “Lei dos Estupradores”.

Não há na lei absolutamente nada que beneficie os autores de estupro – o que há é a punição para quem pratica um aborto com cinco meses de gravidez. É um momento em que o feto já está com todos os seus membros e órgãos formados. Seu coração está batendo. Os sistemas circulatório, digestivo e urinário funcionam normalmente. O sexo já está definido. O bebê se movimenta dentro da mãe, é capaz de ouvir os sons exteriores e reage à presença da luz.


Por que deve valer a decisão individual de um ministro do STF e não a dos deputados e senadores que representam o povo brasileiro?


Para os que são a favor de limites, desse ponto não se pode passar, em qualquer caso de aborto – é, aliás, o que recomenda o Conselho Federal de Medicina, que tem funções constitucionais em temas de saúde. Já existe, aí, uma vida humana formada. Suprimir essa vida através de injeção letal no coração do feto, segundo tal entendimento, é “matar alguém” – e isso é descrito no Código Penal como homicídio.

Está se levantando intenso barulho, inclusive por parte do presidente da República, com a alegação de que a pena para a mãe que aborta com cinco meses de gravidez será maior que a do estuprador. Mas o crime de homicídio tem uma pena maior que a do estupro; o estuprador, nessa hipótese, leva uma pena menor porque estuprou, e não porque matou. Não foi ele, afinal, quem fez o aborto.

Há um despacho do ministro Alexandre de Moraes dizendo que é ilegal limitar o aborto, por qualquer causa, aos cinco meses de gravidez – um dos motivos, por sinal, do projeto de lei que está na Câmara. Como ele não sugeriu nenhum outro prazo, nem os opositores da nova lei mencionam o assunto, fica um vazio fundamental. O que seria o limite certo, então? Seis meses? Sete? Oito? Na hora do parto?

Seja como for, considerando-se que há dois lados opostos, e ambos acham que têm a razão, a única saída é decidir a questão do aborto através de lei aprovada livremente no Congresso. Por que não pode ser assim? Por que deve valer a decisão individual de um ministro do STF e não a dos deputados e senadores que representam o povo brasileiro?

O Congresso Nacional é acusado o tempo todo, por exemplo, de não fazer leis para restringir a liberdade de expressão nas redes sociais – por causa disso, o STF vive ameaçando fazer, ele próprio, as regras para regular o que considera “excessos” de liberdade na internet. Quando o mesmo Congresso pensa em fazer uma lei sobre o aborto, é acusado imediatamente de fascismo – ou, segundo Lula de “insanidade”. Não faz nexo.



J.R. Guzzo, Gazeta do Povo